sábado, 20 de agosto de 2011

4. Ainda Parménides; lekton estóico...

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Xρὴ τὸ λέγειν τε νοεῖν τ’ ἐὁν ἔμμεναι · ἔστι γἀρ εἶναι
Parménides, fr.6
“Há necessidade do dizer do mesmo modo que do entender, e o que é preciso dizer e entender é o ente no seu ser.”
Parménides, fr. 6, na tradução de Heidegger*
É necessário dizer e pensar que o ser é; pois, é.
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Tὸ γὰρ αὐτὸ νoεὶν ἐστίν τε kαὶ εἶναι (Pois pensar e ser é o mesmo)
Parménides, fr.3
«… Ser e Pensar são unos no sentido do que tende a opor-se, i.é, [..] são o mesmo enquanto co-pertencentes num único conjunto.» Heidegger, Ibid. p.153
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L.T. : 1.Tenho alguma dificuldade em compreender (talvez por falta de elementos) como é que «o nominalismo consagrou a teoria clássica do signo», que «mostra bem a separação dos três legein, noein, einai».
2. Não percebo porque é que Cícero separa discurso e razão. É porque este autor traduz, adjectivando o “zôon echon logon” (animal ou vivo com discurso) de Aristóteles, escrevendo “animalis rationalis”? Haverá outras leituras disto? E quais? Não sei.
3. Isto também se deve a algum efeito de desdobramento na transição do grego ao latim? Porquê? Em Linguagem e Filosofia p.106, no último parágrafo, curiosamente a seguir a mais uma referência a 263e do Sofista, lê-se: «Mas o latim terá dois termos, verbum e ratio, respectivamente, para traduzir logos…».
O que se segue acena para outros contextos. A nota de rodapé (16) que colocou relativamente a esse passo parece-me interessante. Porque por seu turno também há um trabalho de desdobramento no plano do termo grego logos.
4. Pergunto se do seu ponto de vista o lekton estóico poderá «traduzir» a Ideia (Idea, idein, eidos) platónica? É que a ideia platónica implica, embrionariamente, se assim se pode dizer, o sentido de imaterialidade (de alguma maneira ‘incorporalidade’) e de invisibilidade («as coisas invisíveis são mais belas do que as visíveis», Platão; ; invisibilidade que virá a ganhar uma nova versão na expressão latina ‘intellectus’). Um sentido, dizia, mas ainda não tematizado. E poder-se-á entender este ‘tematizado’ (temi, sys-temi, istemi, epi-istemi, etc.) enquanto separado?
5. Porque pergunto isto? Num outro passo o Fernando estabelece um paralelo entre «pensamento, linguagem e realidade» e o «triedro» que se instala com o lekton no signo clássico. « Os estóicos acrescentaram ao par nome / coisa um terceiro termo, o lekton (ou significação)» (S.T.P., § 32). Mais à frente no mesmo parágrafo escreve que o lekton, emergente do «signo helenístico» «pressupõe tradução» e «consuma a separação do triedro»: «o pensamento como lekton ou sentido, a realidade como coisa ou referente e a linguagem como nome ou palavra». Com isto, a ‘ideia’ com estatuto ontológico num passo bem ilustrativo do pensamento de Platão: "Olhar apenas com a alma as coisas em si mesmas" ("... psykê theatéon auta ta pragmata" - Platão, Fédon, 66d). Pressupõe-se que "as coisas em si mesmas" sejam as ‘ideias’, os ‘eide’, os ‘ta auta’, ‘ta onta’, 'auta ta pragmata', as próprias coisas.
"(...) nenhum grego, mesmo Platão, pode pensar o pensamento como separado da linguagem (...)" Belo, F., Linguagem e Filosofia, p.106.
Separam-se com os estóicos, instalando-se, por assim dizer, aquela separação, a do triedro no signo. A linguagem, "a única que muda, é destinada à subordinação como organon, entre pensamento e realidade". Mas qual o papel do lekton (ou «significação»), "com estatuto ontológico de ‘incorporal’ (tal como o vazio, o lugar e o tempo)", constituindo no "triedro" o signo estóico? Qual o seu papel depois de ‘ideia’ (idea, o idein…vj. Heidegger, La Doctrine de Platon sur la Verité) platónica? Uma vez que já estes relevam também de um certo sentido de invisibilidade e de imaterialidade (incorporalidade)?
6. Ainda sobre o seu primeiro texto. Tinha-me escapado a diferença logos/dia-logos em 263e. Que teve o cuidado de me indicar. Não tinha dado atenção a isso. Mas porquê, então, dianoia (pensamento) tanto para logos como para dia-logos? Que implicações linguísticas e filosóficas, etc., se manifestam nestes e noutros pontos?
Apenas uma última nota à parte, que o texto já vai longo e pode dispersar-se: e não são os deuses gregos os primeiros índices de ‘invisibilidade’? Ainda que no plano do imaginário e do simbólico, p.ex.? Precisamente, eles não se viam. Os humanos não os viam. Pelo menos, p.ex., como viam a mesa onde comiam. Embora com eles coabitassem. Porquê esta nota? Porque, como já sabe, tive e tenho fortes afinidades com as artes plásticas que exerci durante vários anos, seguidos e alternados, quase a tempo inteiro, e com muita entrega. Elas implicam um universo das imagens e da representação. Mas também digamos uma certa objectalidade plástica. Nunca deixei no entanto de acompanhar esta prática com a reflexão filosófica, com o trabalho do pensamento. Lembro que Platão fala, justamente, no Sofista, da tríade: simulacros (phantasma), cópias (eikônes) e modelos (paradeigma). Embora os simulacros por excelência sejam precisamente os dos discursos. Escrevi um texto (recensão, 2005), precisamente acerca da abordagem de Deleuze a este assunto (Platon et le simulacre, in Logique du Sens, Paris, Minuit) para a cadeira opcional “Teoria da Imagem e da Representação” do curso de Ciências da Comunicação com Teresa Cruz. Pode-se consultá-lo: http://rizomando.blogspot.com/2006/01/recenso-de-platon-et-le-simulacre-de.html ou : http://tir.com.sapo.pt/deleuze.html
*Tradução de Heidegger recolhida de Brun, J., Os Filósofos pré-socráticos, Trad. Armindo Rodrigues, Lisb. Ed.70, p.66. Jean Brun reenvia, em nota, esta citação para Qu'appelle-t-on penser? e Introduction à la métaphysique de Heidegger
Ou ainda:
«Tanto necessário é o λέγειν como a percepção, nomeadamente para o ente no seu Ser»
Frag. 3.
Heidegger, M., Introdução à metafísica, Trad. Mário Matos, Bernhard Sylla, Lisboa, Piaget, Ibid. P.155
«Necessário é tanto o colocar em (re)união como a percepção do mesmo: o ente (é) Ser.»

Frag.3,

Op.cit, p.186.

7/11/2009
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Re: Parménides.
A separação.
F.B. : As dificuldades que me coloca reenviam para a questão da 'separação' entre o pensamento e as coisas, e o ser.
Essa separação é a matriz de todo o pensamento ocidental, praticamente, desde Platão a Husserl, pelo menos.
1. No blog que lhe disse, após o ensaio Sócrates e Platão, há um sobre Aristóteles que começa por contrapô-lo a Platão em torno da definição: este separa a Ideia e a coisa, Aristóteles 'retorna às coisas'. Só que ambos 'retêm' essa separação ao não separarem linguagem e pensamento nem este e ser, porque ambos só trabalham em grego. A tradução (quer Zenão, o estoico, quer Cícero) exige o signo e o 'lekton' que não é a Ideia platónica, claro que não, é o sentido da palavra (sem se contar com a palavra-som), o seu significado. E será pensado como 'pensamento'. Quando se traduz, procura-se que a mesma significação exista com a nova palavra, da outra língua, que se mantenha o mesmo pensamento com outras palavras. Os Estoicos vivendo num mundo de várias línguas, tiveram necessidade deste lekton, de que um grego só falando grego não precisa.
A tríade nome / coisa / significado permitirá no nominalismo, separadas substância e essência (ousia), e sabendo-se da diferença de línguas (pensada como convencionalismo), que Descartes venha a pensar a 'ideia' europeia, na alma (bem diferente da de Platão, que era 'celeste', eterna).
2. Heidegger é o pensador do retorno a Parménides, à mesmidade do pensamento, linguagem e ser. Levei muitos anos a perceber isso (Linguagem e Filosofia de 1987 ainda não sabe isso). O ser não é nenhum ente, nem divino nem substância ou essência, nem a totalidade das coisas. A linguagem não é som / sentido, nem vice versa, com prioridade do sentido sobre o som. Na língua não há senão diferenças (Saussure), as palavras são em cada uma imotivadas (queijo ou fromage), mas sem elas não dizemos-pensamos, sem elas não há ser. Há coisas físicas, claro, que os cães farejam, e nós tocamos e nomeamos. Mas o Ser (em 1962 o Ereignis) é uma 'invenção' grega, prévia à invenção da definição. Como a phusis em Aristóteles, que é 'Ser' (Essais II), sendo 'pensamento' de Aristóteles, o mesmo de Parménides. Eu 'valorizo' mais a definição do que o Heidegger, mas é certo que ela contribuiu fortemente para o 'esquecimento' não só do Ser, mas também da mesmidade do legein, noein, einai . O Deus criador do Ocidente, criando cada ente: ontoteologia, separação, esquecimento.
Mesmo os ateus são na esmagadora maioria 'ontoteólogos' sem saberem, somos 'formatados' assim no liceu.
16/11/2009
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Separação 2
F.B. : separação: alma / corpo, sujeito / objecto
A saída desta dicotomia faz-se pela aprendizagem dos usos e língua que nos fazem gente da nossa tribo, seres-no-mundo (Heidegger)
16/11/2009
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