"Sucede que houve ao longo do século XX, em algumas ciências mais significativas, uma convergência notável e em total independência recíproca (excepto no caso de Lévi-Strauss): os seus campos de observação, experimentação, mensuração, os seus campos tradicioais de fenómenos, desdobraram-se em certo sentido, ajuntando-se-lhes uma zona não fenoménica, algo de nitidamente retirado desses campos tradicionais. É assim que em Física-Química, cuja zona fenoménica é a das transformações químicas e da gravitação dos 'corpos', descobriu-se uma zona não fenoménica correlativa, as dos protões e neutrões ligados por foças nucleares nos núcleos dos átomos, ligados de maneira tal que, retirados, eles não podem tomar parte nos fenómenos da gravidade nem nos das transformações químicas. Em Biologia, cuja zona tradicional é a dos corpos dos animais e das plantas e das respectivas anatomias (com inúmeras células) e fisiologias comparadas, descobriu-se uma zona não fenoménica correlativa, a dos genes (ADN), os quais, repetindo-se estritamente no núcleo de cada célula dum mesmo organismo, regulam o metabolismo celular no citoplasma a partir do núcleo que nunca deixam, retirados desse metabolismo. Em Psicanálise, a zona fenoménica sendo a dos comportamentos conscientes de cada indivíduo no aleatório dos seus encontros com outrem, dos seus amores e rivalidades, descobriu-se uma zona não fenoménica correlativa, a do recalcamento inconsciente, não observável por definição, já que retirada, sem poder vir nunca à consciência, e estabeleceu-se a sua relação à sexualidade (dos 'corpos'). Em Linguística, cujo campo fenoménico é o da significação, isto é, dos textos ou discursos e do aleatório da sua comunicação, garantida pelas regras da sintaxe-semântica, descobriu-se um campo não fenoménico correlativo, os das regras fonológicas de cada língua, restituído de maneira teórica por Troubetzskoy a partir da 'diferença' de Saussure, que excluiu das línguas os sons concretos da cada fala: ora, esses fonemas (como as letras das nossas escritas) são excluídos do campo da significação, retirados, não têm sentido, não são imagem de nada. Note-se que neste campo fala-se frequentemente de 'corpus'. Enfim, em Antropologia, a zona fenoménica sendo a dos usos e costumes de cada sociedade tribal, ligados em torno do parentesco, a zona não fenoménica correlativa é a exclusão, o retiro das relações sexuais consanguínias (interdito do incesto); que a exogamia consequente esteja na origem do sistema de parentesco estruturante dessa sociedade, foi o que Lévi-Strauss esclareceu magistralmente, demonstrando rigorosamente como uma mesma lógica estrutural (não consciente) regula as alianças entre linhagens ancestrais em sistemas sociais bem diferentes entre si. Utiliza-se frequentemente o organismo, o 'corpo', como metáfora para falar duma sociedade ou duma das suas instituições.]
"Il se trouve qu'il y eût tout au long de ce siècle, dans quelques sciences plus en vue, une convergence tout à fait remarquable et en totale indépendance réciproque (sauf dans le cas de Lévi-Strauss) : leurs champs d'observation, d'expérimentation, de mensuration, leurs champs traditionnels de phénomènes, se sont en quelque sorte dédoublés, s'y ajoutant une zone non phénomènique , dans le sens de quelque chose de replié, de nettement retranché de ces champs traditionnels. C'est ainsi qu'en Physique-Chimie, dont la zone phénoménique est celle des transformations chimiques et de la gravitation des 'corps', on a découvert une zone non phénoménique corrélative, celle des protons et des neutrons liés par des forces nucléaires dans les noyaux des atomes, liés de façon telle que, en retrait, ils ne peuvent pas prendre part aux phénomènes de la gravitation ni à ceux des transformations chimiques de molécules. En Biologie, dont la zone phénoménique traditionnelle est celle des 'corps' des animaux et des plantes et de leur anatomie (à innombrables cellules) et physiologies comparées, on a découvert une zone non phénomènique corrélative, celle des gènes (ADN), lesquels, tout en se répétant strictement dans le noyau de chaque cellule d'un même organisme, règlent le métabolisme cellulaire dans le cytoplasme à partir du noyau qu'ils ne quittent jamais, en retrait donc de ce métabolisme. En Psychanalyse, la zone phénoménique étant celle des comportements conscients de chaque individu dans l'aléatoire de se rencontres avec autrui, de ses amours et de se rivalités, on a découvert une zone non phénoménique corrélative, celle du refoulement inconscient, non observable par définition, puisque en retrait, ne pouvant venir jamais a la conscience, et on a établi son rapport à la sexualité (des 'corps'). En Linguistique, dont le champ phénoménique est celui de la signification, c'est à dire des textes ou discours et de l'aléatoire de leur communication garantie par les règles de la syntaxe-sémantique, on a découvert un champ non phénoménique corrélatif, celui des règles phonologiques de chaque langue, restitué de façon théorique par Troubetzskoy à partir de la 'différence' de Saussure, qui a exclu des langues les sons concrets de chaque parole : or, ces phonèmes (comme les lettres de nos écritures) sont exclus du champ de la signification, en retrait, ils n'ont point de sens, ne son l'image de rien. Remarquons que dans ce champ on parle souvent de 'corpus' de textes. Enfin, en Anthropologie, la zone phénoménique étant celle des us et coutumes de chaque société tribale, liés autour de la parenté, la zone non phénoménique corrélative est l'exclusion, le retrait des rapports sexuels consanguins (interdit de l'inceste); que l'exogamie conséquente est à l'origine du système de parenté structurant cette société, c'est ce qui a été éclairé magistralement par Lévi-Strauss en démontrant rigoureusement comment une même logique structural (non consciente) règle les alliances entre lignages ancestraux em systèmes sociaux pourtant fort différents entre eux. On utilise souvent l'organisme, le 'corps', comme métaphore pour parler d'une société ou de l'une de ses institutions."
Belo, F., La philosophie avec sciences au XX siècle, Paris, L'Harmattan, 2009, p.11.
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L.T. : Há linguagem na ''zona não fenoménica' de que tu falas no Jeu e no Philosophie avec sciences ?
13/4/2011
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F.B. : Essa citação é da introdução. A zona não fenoménica vem a ser definida depois como o retiro estrito de cada assemblagem, diferentes segundo as 4 grandes cenas. A questão de haver linguagem nele não se põe, mesmo nos fenómenos da cena de inscrição (escolas, igrejas, laboratórios, médias), em que os fonemas e as letras (nas escritas alfabéticas) são esse retirado, da cena da comunicação, como se diz na citação. Fonemas e letras não querem dizer nada, não significam nada, não são imagens de nada, enquanto tais não jogam directamente na comunicação, apenas para constituirem palavras nas frases.
A tua pergunta convida-me a chamar-te a atenção para o motivo de assemblagem, que é crucial na minha proposta. Repara que a tabela dos motivos, no final do 2º volume, assinala nos principais motivos os passos em que eles são definidos, o que deveria facilitar a leitura.
A tua pergunta convida-me a chamar-te a atenção para o motivo de assemblagem, que é crucial na minha proposta. Repara que a tabela dos motivos, no final do 2º volume, assinala nos principais motivos os passos em que eles são definidos, o que deveria facilitar a leitura.
13/4/2011
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Voz e imagens de Freud:
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