sábado, 20 de agosto de 2011

13. Ainda o cristianismo. Jacques Ellul, etc.

_



L.T.: 2. No site da Associação Internacional Jacques Ellul, Frédéric Rognon, Professor de Filosofia das Religiões na Universidade Protestante de Paris, escreve o seguinte:
“... ce que Jacques Ellul reproche aussi au marxisme, c’est qu’il est devenu une véritable religion. Cette religion séculière a une théologie, une sotériologie, une eschatologie et une éthique. Elle a remplacé le Jardin d’Eden par le communisme primitif, la Chute par le régime capitaliste, le péché par l’aliénation économique, le Messie par le prolétariat, la Rédemption par la révolution, la Parousie par la société communiste à venir. Et les marxistes chrétiens ont donc adopté l’idéologie marxiste chrétienne comme une théologie horizontale qui, à l’instar de Feuerbach, ne fait que remplacer Dieu par l’humanité, et qui réduit Jésus à un leader de la lutte des classes. L’idéologie marxiste chrétienne [escrita por Ellul] est une réponse polémique et argumentée, adressée à deux livres qui connaissent alors un succès foudroyant : Lecture matérialiste de l’Évangile de Marc, de Fernando Belo, et Les idées justes ne tombent pas du ciel, de Georges Casalis.
Fernando Belo voulait « faire lire Marc par Marx » La critique que Jacques Ellul adresse à son exégèse matérialiste s’avère très fouillée et extrêmement sévère. Il inventorie tout d’abord les innombrables erreurs d’ordre historique qui lui ont permis de faire rentrer l’Évangile dans le schéma marxiste, et il fustige même sa mauvaise compréhension des textes de Marx, que Belo ne connaît en réalité qu’à travers Althusser. Il lui reproche surtout d’avoir analysé le milieu socio-économique de Jésus et non pas celui de Marc ; d’avoir vu les publicains et les prostituées comme des pauvres, et les pharisiens comme des riches (alors que c’était plutôt l’inverse) ; d’avoir négligé le fait que le groupe des disciples rassemblait de manière significative riches et pauvres, zélotes et collaborateurs; d’avoir opéré une réduction politique et matérialiste d’un Évangile qui récuse justement toute interprétation matérialiste de la vie; et enfin de se présenter comme la seule lecture vraie et scientifique, ce qui est une manœuvre d’ordre idéologique.”
O que pensas deste comentário do Jacques Ellul a propósito do teu livro “Leitura Materialista do Evangelho de Marcos” (1974)?
_
F.B. : Não vale a pena, o que lá vai lá vai. Eu respondi-lhe na altura. Ele explica que não sabe nada de Barthes nem de Derrida. De maneira que não percebeu nada do que eu fiz. O que ele me critica de 'histórico' não altera nada o que eu fiz. Mas faz-me um elogio sem dar por isso, diz que eu restaurei as leituras políticas do séc. XIX. Como eu não as conhecia, ninguém naquele tempo as conhecia, já não é mau.
_
L.T.: Consultei algumas coisas no meu Dictionnaire des Religions (PUF) (Orígenes, etc.). Vou ver se terei algumas fotocópias dele. Há outras questões no teu texto que não poderei por agora aprofundar. Estive a dar uma vista de olhos no resto do artigo que inclui o texto que te enviei. Com o devido respeito, os livros deste autor ainda não me despertaram suficiente interesse. Não encontro lá referências ao papel do Espírito Santo, e, nomeadamente à questão da Santíssima Trindade. Ora, sabe-se que o nascimento de Jesus está ligado à chamada "obra e graça do Espírito Santo". Estará a morte de Jesus também ligada a esta questão? Certamente poderás esclarecer-me nalguns pontos sobre isto. O que é facto é que há o célebre passo: "Pai, porque me abandonaste". Daqui se retira que Pai e Filho se mantêm como instâncias diferenciantes na morte na cruz, pelo menos em dada altura da crucifixão. Assim, homem e Deus também. Como? Não sei bem.
Por outro lado, por exemplo, o chamado Filioque, no Credo Católico, contestado pela igreja Ortodoxa, posto que não estabelecido em Concílio (consultei num outro meu dicionário de religiões), defende que o "Espírito Santo procede ao mesmo tempo do Pai e do Filho". Haverá porventura várias outras perspectivas de jogar e pensar estas questões? Creio portanto que reduzir homem e Deus sem a complexidade do que acima referi, isto é, sem a questão Trinitária, não será o mais viável.
6/8/2010
_
F.B. : vai uma questão principial, que é uma não resposta. Não sei responder a questões que cavalgam o judaico (bíblico, em que é o acontecimento que conta, as relações entre as gentes) e o platónico (Orígenes, em que a alma imortal reduz radicalmente tudo o que é corporal e portanto todo o acontecimento). A Trindade que vingou é platónica, sem 'Jesus': o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
O Espírito traduz pneuma, que é sopro, respiração mas em Orígenes uma 'hipóstase intelectual'. Ora, eu creio que no novo Testamento, sempre pneuma pode ser traduzido por sopro, é algo como uma pulsão de santidade, gratuita, ligada às narrativas a respeito de Jesus, o Messias. O qual, tal como Paulo, acreditava que o Mundo ia acabar na sua geração. A passagem ao mundo grego foi precipitada, ao longo do 2º século, com alguns piparotes de Paulo e João, por causa de a Parusia escatológica não se ter realizado como anunciada. A noção de Incarnação e de pré-existência do Verbo, Filho, permitiu escamotear essa falha e tornou inclusive secundária a ressurreição de Jesus, que é o coração do novo Testamento.
O que significa que não tenho resposta para as questões que me pões, que lês noutros autores, pois me parecem mal postas historicamente, a cavalo numa contradição insanável entre a antropologia judaica e a filosofia platónica. Vejamos.
O motivo 'Filho de Deus', que Paulo atribui ao Messias ressuscitado que está para voltar em breve, esse motivo não se encontra na Bíblia hebraica e pode-se mostrar que é grego, platónico (Derrida, no seu texto sobre o pharmakon em Platão, sublinha a existência do motivo de o logos ser filho do sujeito que o diz, o escrito sendo órfão). No início da carta aos Romanos, Paulo diz que 'o Messias Jesus [...] nascido da semente de David, constituído (horisthenos) filho de Deus em potência segundo o sopro de santidade a partir da (ex) ressurreição dos mortos [...]'. Ora, o verbo horisthenos é literalmente o verbo de Platão para dizer a definição; sabendo que as Formas ideais (Eidê) celestes são resultado da definição (Parménides, 135c, Metafísica 1078b18-34), percebe-se que o gesto de Paulo foi deslocar a figura celeste judaica (o Messias escatológico) para figura celeste platónica (o Filho de Deus). De Paulo, terá passado aos sinópticos, depois João desenvolve, Jesus fala do Pai, com quem é 'um'. Nos chamados Padres Apologistas gregos do século II, textos que fazem a apologia do cristianismo nascente para intelectuais gregos, é frequente o termo 'Filho de Deus' sem nunca aparecer 'Jesus' ou 'Cristo'. A questão da pré-existência do Verbo ou Filho (que dará a 2ª pessoa da Trindade) só é claramente exposta num hino da carta aos Filipenses, cap. 2, vv. 6-11. Ora, não só se se retirar esse hino como uma interpolação do séc. II, a carta não é afectada (apesar da enormidade da coisa), como ela é claramente contraditória com o passo de Romanos que citei e com toda a teologia de Paulo. Seria muito extranho que se ele pensasse nessa 'incarnação' do Filho de Deus existindo desde sempre com forma divina (morphê theou), ela nunca apareça em mais nenhum lugar das suas cartas. O cap. 1 do evangelho de João, que se presta a ser lido entre Gregos como 'incarnação', pode ser lido de forma judaica sem ela (a palavra junto de Deus que era Deus tendo antes sido a dos Profetas).
Uma das mais extraordinárias consequências desta maneira grega de fabricar a Trindade (o Espírito santo é tardio nisto, último terço do sec II) e a Incarnação, é que a ressurreição de Jesus, sendo o centro de Paulo e dos outros textos do novo Testamento, deixou de ter lugar significativo na dogmática, já em Orígenes de Alexandria, como nos bispos de do século IV, dito idade de ouro da Patrística (apelativo aliás fortemente antievangélico). E pode-se supor que os herejes dos sec IV e V, Arius e Nestorius, formados em Antioquia e não em Alexandria (não sobreviveram os textos deles, creio, nunca lhes vi nenhuma referência), teriam em Paulo um aliado poderoso, já que segundo esses dogmas, de Niceia (325) e de Calcedónia (381), Paulo seria também um hereje (excepto Fil 2,6-11).
10/8/2010
_
L.T. : Se não te importas suspendo um pouco a questão do cristianismo. Creio que fui em leituras que incorrem no que Heidegger chama de 'supra-sensível' de tradição platónica no seu texto sobre Nietzsche o dito 'Deus morreu'. Parece-me que isto vai ao encontro da chamada 'hipóstase intelectual' quando referes a linha que segue Orígenes. É isso? Mas tentarei voltar com mais fôlego à questão 'cristianismo'. Tenho algumas questões a colocar e articular no que respeita ao Jeu des sciences.
19/8/2010
_
Sobre o livro Leitura Materialista do Evangelho de Marcos veja-se:
E também um livro de Michel Clévenot em:

_

-

Sem comentários:

Enviar um comentário