sábado, 20 de agosto de 2011

26. Margens da filosofia e Gramatologia. A escrita ...


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“C’est que je voudrais précisément tenter, dans une certaine mesure et bien que cela soit, au principe et à la limite, pour d’essentielles raisons de droit, impossible de rassembler en faisceau les différentes directions dans lesquelles j’ai pu utiliser ou plutôt me laisser imposer en son néo-graphisme ce que j’appellerai provisoirement le mot ou le concept de différance et qui n’est, nous le verrons, à la lettre, ni un mot ni un concept.” (p.3)
(…)
Je rappelle donc, de façon toute préliminaire, que cette discrète intervention graphique, qui n’est pas faite d’abord ni simplement pour le scandale du lecteur ou du grammairien, a été calculée dans le procès écrit d’une question sur l’écriture. Or il se trouve, je dirais par le fait, que cette différence graphique (le a au lieu du e), cette différence marquée entre deux notations apparemmment vocales, entre deux voyelles, reste purement graphique: elle s’écrit ou se lit, mais elle ne s’entend pas. On ne peut l’entendre et nous verrons en quoi elle passe aussi l’ordre de l’entendement. Elle se propose par une marque muette, par un monument tacite, je dirai même par une pyramide, songeant ainsi non seulement à la forme de la lettre lorsqu’elle s’imprime en majeur ou en majuscule, mais à tel texte de l’Encyclopédie de Hegel où le corps du signe est comparé à la Pyramide egyptienne. Le a de la différence, donc, ne s’entend pas, il demeure silencieux, secret et discret comme un tombeau: oikesis. (p.4)
(...)
“On objectera que, pour les mêmes raisons, la difference graphique s’enfonce elle-même dans la nuit, ne fait jamais le plein d’un terme sensible mais étire un rapport invisible, le trait d’une relation inapparente entre deux spectacles. Sans doute. Mais que, de ce point de vue, la différence marquée dans la «différ()nce entre le e et le a se dérobe au regard et à l’écoute, cela suggère peut-être heuresement qu’il faut ici se laisser renvoyer à un ordre qui n’appartient plus à la sensibilité. Mais non davantage à l’intelligibilité, à une idéalité qui n’est pas fortuitement affiliée à l’objectivité du theorein ou de l’entendement; il faut ici se laisser renvoyer à un ordre, donc, qui resiste à cette opposition, et lui resiste parce qu’il la porte, s’annonce dans un mouvement de différance (avec un a) entre deux différences ou entre deux lettres, différance qui n’appartient ni à la voix ni à l’écriture au sens courant et qui se tient, comme l’espace étrange qui nous rassemblera ici pendant une heure, entre parole et écriture, au-delà aussi de la familiarité tranquille qui nous relie à l’une et à l’autre, nous rassurant parfois dans l’illusion qu’elles font deux.” (p.5) (sublinhei, L.T.)
Derrida, J., Marges – de la philosophie, Paris, Minuit.



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L.T. : estive a retomar o texto La différance do Derrida. No e-mail de 29 de Março escreves: “O significante S não é o mesmo, 'e' é diferente de 'a'. Mas em francês, oralmente o S é o mesmo, não em escrita (...)”. Nesta linha, Derrida no texto la Différance (p. 5), escreve “la différence [entre ‘e’ e ‘a’] graphique s’enfonce elle-même dans la nuit”. Não é da ordem da escuta (écoute), que supõe a oralidade, julgo eu. A ‘diferença’, com a différance, é gráfica, mas “não pertence nem à voz nem à escrita no sentido corrente” (idem). É gráfica. “Mais [...], elle se dérobe (se furta) au regard”. Não é da ordem da visibilidade (“...elle étire un rapport invisible...”). Mas é gráfica! “La différence [différ()nce] graphique (...)”. Isto parece-me espantoso! Nem da da sensibilidade nem da da inteligibilidade. “Elle s’écrit ou se lit” (p.4). L’ordre [de la différance] qui résiste à cette opposition, et lui résiste parce qu’il [l’ordre, ni, ni, (p.3) e cf.Positions,] la porte” (p.5). Portanto, sem a ela (à oposição) se opôr. Há um jogo de inscrição do significante e da différance. Mas não são o ‘mesmo’. Parece que o significante é decisivo na différance de Derrida, como também mostraste.
Pergunta: o significante de Derrida é mais ‘material’ que o de Saussure («matérielle», Cours, p.93) na estrutura do signo? Ou a questão deve-se pôr: A différance sendo gráfica é material?
16/04/2011
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F.B. : Estás no ponto decisivo da gramatologia. A diferença é gráfica, isto é, é entre grafias (como entre sons), senão seria 'inteligível', abstracta; mas sendo entre grafias ou entre sons, não é sensível nem visível ou audível. És capaz de 'ver' uma diferença entre duas pessoas que tu vês? Ou entre dois brincos que tu vês? Ou seja o que fôr: o 'entre' não se vê. Uma grafia (ou um som, uma voz), a tua letra (que ambos vemos) é diferente da minha (que ambos vemos), quando ambos escrevemos, como as vozes (que ambos ouvimos) são diferentes. Mas as diferenças entre as tuas diversas letras (cá, sim, etc) e as minhas (cá, sim, etc) são as mesmas, e não se vêem. São o significante de Saussure e um 'exemplo' da différance do Derrida. Se o Saussure lhe chama 'material', engana-se, mas por oposição ao 'signifié' que já não é uma diferença entre grafias ou sons (articulação dos fonemas ou letras para fazer palavras), mas entre palavras na frase ou no discurso ou texto, isto é, diferença entre 'significantes' a nível da articulação entre palavras para fazer frases ou textos. E também esta não é visível nem dissociável do visível, não é inteligível, é outro exemplo da différance. Com sons e grafias diferentes dizemos e escrevemos as 'mesmas' palavras, de todos os portugueses, e por isso nos entendemos , e os estrangeiros, com outros sons e outras diferenças, não nos entendem.
Mas também as diferenças entre as 4 'letras' do ADN é um exemplo da différance, ou entre as notas de música, ou entre os números da matemática, ou dos riscos e côres da pintura ou da fotografia ou do cinema, cada um com as suas características. A minha diferença para o Derrida é que ele apoia-se no Saussure (noutros textos em Freud, ou em Rousseau, e em muitos outros) para fazer filosofia e eu volto dessa filosofia para entender a linguística ou a psicanálise ou a biologia molecular, buscando ser-lhe fiel. Se disse que é um ponto decisivo, é porque esse não ser nem sensível nem inteligível é um argumento muito forte contra a separação entre essas duas dimensões, que é a metafísica desde Platão (a que Aristóteles em parte escapa, mas só em parte), entre a alma e o corpo, o dentro e o fora, o sujeito e o objecto, o pensamento e a linguagem, a ideia e o som. Por exemplo, em relação a este par: pensa-se habitualmente (metafisicamente) que a linguagem é a união entre ideias e sons, ou sons e ideias, vem dar ao mesmo. O que pressupõe a existência prévia de 'ideias' e de 'sons' e depois uma 'convenção' que os une (como se faz com a matemática, por exemplo). O que Derrida propõe implica que antes da língua não havia sons linguísticos (a, e, i, o, u, ei, ou, ão) tanto como não havia 'ideias' (disso nem sequer posso dar exemplos). A différance 'produz', ou melhor reproduz sons cujas diferenças significantes produzem sentidos diversos: dupla articulação da linguagem, ponto de partida das minhas análises na Epistemologia do sentido, em que tudo isto está demonstrado. A metafísica pós-grega nunca conseguiu dar à linguagem um estatuto que não derivado: instrumento, expressão, meio de pensamento ou comunicação. O II Wittgenstein andou às voltas com isso, com a ideia de usos de palavras em contextos e de jogos de linguagem, mas nunca conseguiu dar a volta à coisa, ficou sempre como a mosca dentro da garrafa (imagem pejorativa dele para a filosofia).
17/4/2011
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Café Cyntia - esplanada
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Café Cintia, esplanada - Sintra
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Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares
 

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