sábado, 20 de agosto de 2011

31. Doação em retiro...


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“En qualquier parte de la tierra en que haya hombres encontramos la idea de los muertos invisibles.” Elias Canneti, Masa y Poder, Madrid, A.Edit., Vol II, 1983, p.36.


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L.T. : Não sei se me desvio aqui muito do teu texto, mas não deixarei de retomá-lo de outra maneira com mais tempo. Trata-se de uma questão que penso há uns bons tempos. A da 'anterioridade' (termo geralmente muito metafísico) das ideias platónicas (que também remete para a questão da alma). As ideias do Platão são anteriores, até no tempo, mas não deixam de ser presentes elas mesmas (auta ta pragmata, Fédon, 66d) como uma certa forma de 'doação em retiro' - passe a extrapolação e o anacronismo, que só serve aqui para me fazer melhor entender. As ideias, os inteligíveis (noeta) precedem no tempo, delas os sensíveis (aistheta) participam, não deixando aquelas no entanto de serem presentes (enquanto eternas). Doação em retiro mas não o mesmo que as leituras que fazes mais o Heidegger e o Derrida. É que com o biológico, o químico, o molecular, o genético, atómico, etc., enfim questões do nosso tempo, trata-se também de elementos invisíveis a olho nu (p.ex., tu não vês uma molécula ou uma célula). No entanto são da ordem da phusis (talvez aqui devêssemos chamar o Aristóteles, mas agora não consigo). Elementos invisíveis, dizia, tal como acontece com as ideias do Platão (eidos, forma...).
"O Nada (que só há aonde há indivíduos)", escreves. Não sei até que ponto com todos estes novos elementos de hoje se dá qualquer coisa de análogo àquela, ressalve-se, "doação" platónica, mas, por outro lado, totalmente diversa desta, e não da ordem dum mero desdobramento ou duplicação técnicos. Portanto, isto não é seguir o Platão. Enigma e questões que não sei explicar mas que tive a oportunidade agora de aflorar neste texto. Todavia, parece-me que a vida entra aqui. Talvez p. ex. 'la trace vivante' como escreve o Derrida.
19/6/2011
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F.B. : Quanto à doação com retiro platónica, não posso aceitar. As formas ideais foram contempladas pela alma quando fora do corpo e ficam reminescentes até que a aprendizagem as suscite. Não tenho ideia de que o Platão tenha desenvolvido muito a questão de saber como é que cada Eidos eterno 'gera' (ou se deixa participar) as coisas respectivas, aonde haveria lugar para essa tal doação (na leitura que fiz dele recentemente, no meu blog philoavecsciences2, não encontrei nada de significativo, era uma das coisas de que andava justamente à procura). O que me parece certo é que esta é proposta pelo Heidegger justamente 'contra' a economia ontoteológica ocidental, de que o Platão é o grande iniciador, donde que não me palpite grande fecundidade nessa hipótese, digamos eufemisticamente. É pelo contrário, para entender como é que o ente vem à presença, no domínio terrestre da phusis, em namoro com Aristóteles (mas tendo que recorrer ao Heraclito para introduzir o retiro), que Heidegger está a escrever. A phusis é movimento, a ontoteologia sempre teve dificuldades com ele, como com o tempo; o Aristóteles guarda de Platão a definição (e por aí será platonizado na Idade Média, em Tomás de Aquino), o que o deixa ligado à ontoteologia, e por isso o recurso a Heraclito, acho eu.

20/6/2011
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Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares



Vídeo para instalação de Luís de Barreiros Tavares









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