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UM PRECONCEITO FILOSÓFICO
NO PARADIGMA DAS BIOLOGIAS*
I - Selecção natural e lei da selva (diálogo com Teresa Avelar)
Filosofia com Ciências
A selecção natural é um mecanismo ?
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5. Confesso que tenho uma certa dificuldade em compreender porque é que os defensores da evolução pretendem que a ‘selecção natural’ é um mecanismo. Esta palavra tem a ver com máquina, que consiste numa composição de peças ou elementos diversos e numa fonte energética, que opera certo tipo de efeitos fora dela; esta definição breve (voltarei a ela mais adiante) também dá para os organismos biológicos propriamente ditos, aqueles que têm órgãos especializados concorrendo para a sua alimentação, buscada fora deles. Não se percebe como é que a selecção natural pode corresponder a esta definição, já que o que ela ‘selecciona’ é o que já lá está, ela não tem elementos e fonte energética que lhe permitam ‘operar’ como um mecanismo. Ora, a clareza do texto de T. A. permite entender que se trata, não dum mecanismo, mas duma lógica imanente aos processos biológicos e ecológicos, uma selecção relativa às interacções entre organismos, que estes sim, podem ser ditos mecanismos.
Há quem ache que a selecção natural é uma explicação que se pode dizer tautológica: ela selecciona os que sobrevivem como aqueles que se mostraram capazes de sobreviver. A sua grande importância científica reside na imanência (biológica) da sua lógica, na rejeição crítica de pressupostos finalistas de ordem metafísica, filosófica ou teológica: ela ‘obriga’ o biólogo (ainda que seja crente!) a argumentar estritamente em termos de mecanismos de ordem biológica. E um dos grandes interesses do texto de T. A. é o de mostrar, com exemplos variados, que não é só o chamado criacionismo que é rejeitado, mas também a tendência, que se pode chamar ‘finalismo humanista’, de muitos biólogos e divulgadores da teoria da evolução, o pressuposto antropocêntrico de que a evolução se destinou a fazer aparecer a espécie dos humanos. (sublinho, L.T.)
(...)
*De um texto inédito de F.B.
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L.T. : Apesar da minha ignorância sobre estas questões aqui vai uma. No final do §5 do teu texto falas do «preconceito antropocêntrico»: «E um dos grandes interesses do texto de T. A. (Teresa Avelar) é o de mostrar, com exemplos variados, que não é só o chamado criacionismo que é rejeitado, mas também a tendência, que se pode chamar ‘finalismo humanista’, de muitos biólogos e divulgadores da teoria da evolução, o pressuposto antropocêntrico de que a evolução se destinou a fazer aparecer a espécie dos humanos (Damásio não lhe escapará completamente)». Isto lembra-me a polémica com Protágoras que dizia que o «homem é a medida de todas as coisas». Consultei «Os Sofistas» de Gilbert Romeyer-Dherbey que desenvolve outras questões sobre esse início do escrito A Verdade de Protágoras. Dei uma olhada ao Protágoras de Platão. De certa maneira está já manifesta a posição antropocêntrica em Protágoras. Mas o curioso é que Sócrates, noutra perspectiva propõe também uma posição antropocêntrica com a reflexão sobre a questão do homem e sua dimensão ética.
Ora, parece que se afigura uma outra tese, senão em oposição, pelo menos em debate a partir do teu texto. Precisamente a que inverte a proposição de Protágoras: Todas as coisas são a medida do homem. À primeira vista a tua tese iria mais ao encontro desta com a defesa da «cena ecológica». No entanto parece-me que a tua reflexão não se limita a uma oposição mas talvez a um novo diálogo entre as duas teses. Mas até que ponto é que não se trata bem disto? E como é que o teu texto reflecte qualquer coisa que não tem que ver com estas questões? Ou se tem, até que ponto as modifica nos novos contextos da fenomenologia e das ciências actuais?
7-12-2010
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F.B. : Claro que Protágoras, o humano medida de todas as coisas, é a enunciação do tal preconceito, chapadinho.
Segundo Heidegger, foi Platão quem o começou (la doctrine de la vérité de Platon ), a reviravolta a que ele chamou 'ontoteologia'
O que procuro nesse texto é sugerir uma, como dizer?, reposição das coisas em biologia e neurologia que bata certo. Não há grande novidade em relação ao Jeu des Sciences, excepto o braço dado a torcer sobre a mente (do Damásio). Mas tornou-se mais claro para mim, que é sempre a vantagem de ler e escrever. A ontoteologia parte de cada coisa, do seu dentro (alma ou cérebro, ou simplesmente o ADN), que é privilegiado. O que proponho é o 'ser no mundo' do Heidegger, em que a cena ecológica (que os biólogos chamam 'ambiente', termo neutro) tem preponderância sobre os vivos, animais e plantas, que ela, a cena, dá: o 'dentro' de cada um é dado 'de fora', é isto a reviravolta, mas já percebi que os biólogos são incapazes de a perceber, estão 'viciados', desde o liceu, em ontoteologia.
8-12-2010
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