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"O tempo é uma criança que brinca, movendo as pedras do jogo para lá e para cá; governo de criança"
Heráclito, fr. 52*
Heráclito, fr. 52*
“Não importa por onde comece, pois um dia hei-de aí voltar”
Parménides, fr.5
"Não comer o pão inteiro"
Pitágoras de Samos
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" Rejeitar esse privilégio do pensamento e fazer valer a positividade do escrito não implica inverter simplesmente a subordinação metafísica mas deslocá-la para um outro lugar filosófico, em que a linguagem oral, no seio da condição mais geral dos humanos como habitantes da terra, releva também da inscrição e das mãos humanas que traçam um território para viverem, caçarem, se enfeitarem, casarem, etc., para habitarem em suma. A voz e as mãos são contemporâneas da humanidade, a inscrição (ou trace, traço que traça, inscreve, marca vestígios – ‘traces’ em francês – que duram, como um caminho, um sendeiro de floresta, por exemplo) tão antiga como a oralidade.”
Belo, F., Seja um texto de paixão, suplemento a Filosofia e ciências da linguagem, Lisboa, ed. Colibri, 1993, p.13.
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O 'Diálogôs aneu phônês' ( διάλoγoς ἂνευ φωνῆς; diálogo silencioso ; sem voz) Platão, O Sofista, 263 e.
Luís Tavares:
Fernando Belo, a questão é a seguinte. No seu livro Filosofia e Ciências da Linguagem, Lisboa, Colibri, 1993, p.13, logo na primeira página do primeiro capítulo, é citado um passo do Sofista, 263 e, de Platão: “Pensamento (dianoia) e discurso (lógos) são a mesma coisa, salvo que o discurso interior que a alma tem consigo mesma recebeu o nome especial de pensamento”. O mesmo acontecendo na página 27 ( § 28) do seu opúsculo “Seja um texto de Paixão” (Suplemento a Filosofia e Ciências da Linguagem, 1993). Mas antes, num dos seus livros de fôlego (Epistemologia do Sentido, L26, Gulbenkian, 1990) o mesmo passo encontra-se traduzido da mesma maneira. Mais contextualizado conforme se indica em ‘Filosofia e Ciências da Linguagem’. A pergunta é, então, a seguinte: porquê o facto de ter sido traduzido: “(…) salvo que o discurso interior que a alma tem consigo mesma (…)”, em vez de “(…) salvo que o discurso interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma (…)”? (sublinho). Por exemplo, na edição bilingue que disponho das Belles Lettres (1925, tradução de (August Diès), lê-se: “dialogue intérieur et silencieux (διάλoγoς ἂνευ φωνῆς; transcrevendo foneticamente do grego: aneu phonês”. Quer dizer, «sem voz», «sem som»; num certo sentido: «fora, ou distanciado do som, ou da voz». Na edição da Flammarion (tradução E. Chambry, 1967), lê-se: “…sauf que le discours intérieur que l’âme tient en silence avec elle-même (sublinho). Algo similar ocorre na passagem do Teeteto 189e -190c, sobre a definição de «pensamento» e «opinião». “… non pas, assurément, à un autre et de vive voix, mais en silence et à soi-même.'' (trad. E. Chambry, Paris, Flammarion, 1967). A par disto, se pudesse, não me dispensaria de perguntar a Platão o que afinal quereria ele dizer com «esse discurso – diálogo – em silêncio que a alma tem consigo mesma». Questão delicada, certamente.
Que fique claro que esta minha interpelação vai simplesmente no sentido de um levantamento de questões. Deixando-as em aberto. Sem respostas definitivas… Formulando a pergunta de outro modo: A versão optada vai no sentido das linhas de força argumentativas do que se pretende defender nos seus trabalhos? Sendo que uma delas parece-me ser a de que não há uma separação absoluta entre oral e escrito? E como? Por exemplo, o parágrafo L26 do seu livro Epistemologia do sentido sugere algumas pistas. Não sei se é pedir muito, mas gostaria que o Fernando Belo me clarificasse um pouco o passo em L26, logo a seguir à citação 263e do Sofista, onde escreve: ” o que está perto de ser uma caução filosófica de peso, a maior que em filosofia se poderia desejar, à hipótese de identificação entre pensamento e texto (ou discurso) que formulei em L23.” Esta foi uma entre as muitas abordagens possíveis à sua obra.
* Trad. por Gerd A. Bornheim (org.), Os filósofos pré-socráticos, S. Paulo, Cultrix, 1977.
Saudações
Luís Tavares
23/10/2009
23/10/2009
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Fernando Belo:
Aqui vão algumas considerações sobre o Sofista.
Nas ocasiões que você cita, hei-de confessar que não andei a verificar o texto grego (já o tinha estudado uns anos antes) e citei-o da versão francesa do Chambry.
Plên ho men entos (interior) tês psuchês pros autên dialogos aneu phônês (διάλoγoς ἂνευ φωνῆς)
Literalmente seria ‘salvo que o interior da alma para si mesma diálogo sem voz’, em que ‘o’ reenvia a ‘diálogo’, portanto ‘interior da alma para si mesma’ qualifica o diálogo, e também o que segue, ‘sem voz’. Trata-se de ‘o diálogo’ ‘sem voz’ / que a alma tem para si mesma; ‘sem voz’ ou ‘em silêncio’ (e você tem razão, eu ‘esqueci-me’ destas duas palavras em todas as citações!), mas ‘sem voz’ explicita o que me interessa na questão, a diferença entre o diálogo com voz e sem voz é a que há entre o ‘logos’ e a ‘dianoia’, entre o discurso e o pensamento. Isto é, o ‘pensamento’ é o mesmo que o discurso, isto é, faz-se na língua e suas palavras e regras, só que sem voz para o exterior (dia-noia: através do ‘nous’, connosco; dia-logos, de logos para logos). Isto contraria, ia a dizer toda, uma grande parte da especulação filosófica europeia em que o pensamento, na sua ligação à alma, é ‘ideal’, ‘ideia próxima da alma espiritual’, tendo como ‘instrumento’ o discurso, a língua, as palavras, que, enquanto ‘com voz’, pertenceriam ao corpo e por outro lado são ‘particulares’, variam consoante os povos. Há uma hierarquia, que faz parte do que Derrida chama logocentrismo, que a gramatologia dele procura desconstruir. Trata-se de, para falar em termos da nossa experiência, quando falamos mais duma língua, percebermos que ou pensamos numa ou noutra, mas não ‘acima’ das línguas. Sem identificar totalmente pensamento e discurso, como a experiência da tradução mostra que o ‘mesmo’ pensamento pode ser dito (quase) em duas línguas não parentes entre si, em dois discursos tão diferentes que eu posso entender um bem e nada do outro. É o ‘quase’ que se liga à questão da distinção em Platão (que não falava outras línguas). Também um discurso oral e a sua transcrição são o ‘mesmo’ (as mesmas regras da sintaxe, morfologia e semântica) e não são (a escrita separa as palavras duma frase, a voz di-las de enfiada, sublinhados ou ! ou ? não são entoações, etc.).
Quanto à caução filosófica: é que foi justamente o Platão o introdutor da dicotomia alma / corpo do logocentrismo, é ele que permite, nessa citação do Sofista - e mais outra lá perto, que estabelece a relação do logos (discurso e pensamento) ao que ele diz - manter a relação a Parménides, ao ‘mesmo’ do pensamento e do ser (e do dizer), que começará a ser destruída pelos Estoicos (a tríade do ‘signo’: nome, coisa, ‘lekton’, que o bilinguismo do helenismo exigiu) e depois o nominalismo completou, vindo a permitir a ‘ideia’ clássica de Descartes.
Boas coisas
Fernando Belo
27/10/2009
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Imagem: Templo de Sounion. E um bocadinho de Grécia nos tempos que correm não está mal.
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