terça-feira, 10 de dezembro de 2013

149. Porque é que as ciências precisam de laboratório ? (determinação e indeterminação no âmbito da Filosofia com Ciências)








Porque é que as ciências precisam de laboratório ? (determinação e indeterminação no âmbito da Filosofia com Ciências).
«Pourquoi les sciences ont-elles besoin du laboratoire»




LT: Estive a ouvir parte da tua comunicação no computador enquanto tomava o pequeno-almoço; depois tive de sair.

Como é que posicionas o engenheiro e o cientista no contexto do laboratório, uma vez que defendes haver aplicações de domínio científico por parte do engenheiro (por exemplo, relativamente ao automóvel) que não dizem respeito à ciência quântica e à de Einstein que são  tidas geralmente como substitutas da ciência de Newton, quando pelo contrário, é esta última ainda vigente nas tais aplicações atrás referidas? Será necessário reflectir sobre o papel do engenheiro e do cientista nas suas diferenças no contexto do laboratório mas também do aleatório (por exemplo do tráfego) fora daquele? Se bem entendi, há questões filosóficas que se jogam entre o engenheiro e o cientista. Ou não? E como? Como se problematizam estas questões na leitura que fazes da Filosofia com Ciências? 

07/12/2013

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Se leres o texto da comunicação, que lá não li, acho que é mais claro; improvisando oralmente com tempo curto, a coisa certamente que fica baralhada.
1º o laboratório do cientista, físico ou químico, descobre experimentando, supondo uma teoria vinda de outras experimentações e buscando alargar essa teoria na parte da experimentação que leva a efeito. Pode ter que descobrir uma equação adequada, cujas variáveis são verificadas nos resultados da experimentação (ex. com espaço, tempo, velocidade, aceleração). O laboratório do engenheiro inventa um artefacto novo, recorrendo a várias rergiões da física e respectivas equações que lhe permitem dimensionar esse artefacto. A questão entre eles é que são as equações que são decisivas, as interpretações delas podem variar (como acontece na questão a seguir: Newton é lido de maneira diferente por Einstein e pelos quânticos).
2º as equações da física da relatividade só funcionam para velocidades perto da da luz, para as velocidades dos artefactos da maior parte das engenharias essas equações resultam nas de Newton. O mesmo para a mecânica quântica cujas equações têm a ver com dimensões espaciais da ordem das partículas sub-atómicas: em dimensões macroscópias, as equações são as de Newton.
3º o fora do laboratório é crucial para o engenheiro: qualquer tipo de máquina tem que se ter em conta o trabalho que ela vai fazer. É o cientista que se pode descuidar mais do fora do laboratório, mas é nas biologias que isso me parece mais óbvio (texto sobre Damásio e T. Avelar, no blogue filosofia mais ciências 2). A questão teórica mais grave que ponho ao físico tem a ver com a noção de energia e de força atractiva (gravidade, nuclear, electromagnética), que exponho a partir de Feynman em texto a publicar (ou em francês no blogue philo avec sciences 2).

07/12/2013 

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Vj. texto e vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=vrx7ulPlfZE&feature=c4-overview&list=UU5mZ3LtH1nRFdlKb_xBo6lQ

Vj. blogue:






Imagem: obra plástica digital por Luís de Barreiros Tavares








quinta-feira, 24 de outubro de 2013

148. O que é para ti a Filosofia?










L.T.: Pelos 4 anos de mensagens na Net.

O espanto da tal questão tão simples!?

O que é para ti a Filosofia?

19/10/2013

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F.B. : 1. A Filosofia ?  é um nível precioso, embora bastante abstracto, para compreender as coisas em geral do universo, do universo terrestre (os astros e as galáxias são vistas da terra), nós humanos incluídos privilegiadamente, claro. Mas não tanto eu, FB. Isto é, não tenho uma busca predominantemente existencial, ao contrário de boa parte da gente nova que tive como alunos. Creio que a razão disto é eu ter chegado à filosofia muito tarde, pelos meus 23 anos e num contexto pessoal em que o cristianismo era predominante: ele foi-se esvaziando, laicizando se posso dizer assim, mas as questões existenciais não vieram nunca à baila da minha curiosidade. O meu ponto de partida foi mais de ordem histórica e civilizacional, implicando as ciências e o cristianismo. E como cheguei tarde e com um grande interesse, uma grande paixão espiritual não filosófica, aconteceu que as minhas primeiras questões foram teológicas (sobre o que sabia Jesus, humano e divino: a tese teológica que me ensinaram era inadmissível) e que para lhes responder li o primeiro dos evangelhos em Paris, no momento mais forte do estruturalismo.
2. Ora o estruturalismo foi a irrupção das ciências humanas – a linguística, a antropologia, a história, o marxismo, a psicanálise – na filosofia, o que implicou em mim o deslocamento progressivo da teologia para a linguística e semiótica, articulada esta com a antropologia e a história (como já fora a leitura do evangelho de Marcos), deslocamento que foi acelerado pela entrada na faculdade de Letras que me obrigou a largar a teologia pela filosofia da linguagem. A tese de doutoramento que aí fiz foi sobre a linguística saussuriana, já sob a égide de Derrida, o qual entrou em filosofia com uma questão inédita, a da escrita, para a qual, além de Husserl e Heidegger, convocou Saussure, Lévi-Strauss, Freud, e muita literatura da mais difícil. Esta, eu não a consegui, não tive nunca quem me iniciasse, rapaz novo, à estética, paradoxo do meu nome, assim como a ética nunca me interessou por razões de ter sido ‘existencial’ a minha entrada no mundo intelectual, me ter ficado ‘resolvida’ na sua problemática com o chamado ‘discurso da montanha’ (Mateus, cap. 5-7), o que chamei uma ética da fecundidade além do que podemos, uma ética de santos e de grandes apaixonados. Mas tanto o peso da teologia na primeiro período e o da história e da semiótica, como a influência da minha passagem pelo estruturalismo e a continuação pela desconstrução derridiana me deram como imagem de marca o coxear de quem tem sempre um pé na filosofia e outro fora. Foi na filosofia com ciências que este percurso desembocou.
3. A filosofia que faço é pois derivada de Heidegger e sobretudo de Derrida: um dos seus pontos chave é a consideração, em vez das ideias, das palavras no seu peso histórico, não se pensa senão por elas e pela tradição anterior ao pensador, interpelado pelas questões da actualidade. Foi por isso que me apareceu que o truque da filosofia, o que a distingue da restante literatura, foi a invenção da definição por Sócrates, Platão e Aristóteles, que inauguraram assim um texto gnosiológico aliado à geometria, destacado quer das narrativas quer dos discursos em torno do ‘eu / tu’ e do ‘aqui / agora’ (Benveniste), o que vim a caracterizar como cena da inscrição, com uma história ocidental relativamente autónoma em relação às cenas da alimentação (a evolução dos vivos) e da habitação (a história das sociedades humanas), com uma história – a história da escola –  que teve dois momentos decisivos, o encontro desta com a teologia cristã (Orígenes de Alexandria, Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino) e com o laboratório científico no século XVII. O primeiro teve como consequência que a filosofia, juntamente com a geometria e o direito romano, esteve no berço da Europa antes desta existir, o que é algo de rigorosamente inédito em toda a história das sociedades humanas, tanto quanto posso saber, o que deu à filosofia um lugar de instauradora da civilização moderna, alterado pelo segundo encontro, que teve como consequência a universalidade histórica da técnica, que domina esta mesma modernidade.
4. Esta dominação veio a dar um acabamento à história da filosofia greco-europeia, ao seu dualismo constitutivo – dentro / fora, alma / corpo, sujeito / objecto – pelo ser no mundo heideggeriano e sua viragem para o Ereignis, obrigando-a a sair da sua ‘interioridade’ gnosiológica resultante da definição para abraçar com Derrida a imensidade da sua ‘exterioridade’ civilizacional. Procurar compreender as coisas do universo terrestre, a matéria e a energia, os vivos, as sociedades, os textos, a gente, é a isto que eu brinco.


22/10/2013 

Vj. :   http://filosofiamaisciencias2.blogspot.pt/


Sobre a leitura do Evangelho de Marcos:

http://www.youtube.com/watch?v=ul4mRnzT57E&list=TLoXtpk9U0BRSZU_stj-P3L11g6A09nCwp




Imagens: obras plásticas de Luís de Barreiros Tavares

quarta-feira, 31 de julho de 2013

147. Nietzsche?









L.T. : Gostava de falar um pouco do Nietzsche. Porquê? Porque também escreveste e falaste sobre ele nas tuas aulas (em livros Leituras de Aristóteles e Nietzsche, Gulbenkian, 1994; artigos, etc.). Heidegger, que tanto aprecias, tem longos textos sobre ele.
A propósito, gostava de fazer uma breve referência ao José Pedro Serra e às suas muito interessantes aulas de Cultura Clássica sobre o Nietzsche e A Origem da Tragédia na UCP. O seu entusiasmo, digo bem, era tal, que o timbre da sua voz chegava a ressoar, vibrar levemente nos tampos de madeira das mesas. Sem estridência. As bacantes, Diónisos, Apolo, etc. Eu, pelo menos, dei por isso. Isto foi em finais da década de 80 do século passado.
Por que deixaste o Nietzsche, conforme uma vez me disseste numa conversa em Sintra?

Ver link:


 


27/07/2013

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F.B. : Gosto do José Pedro Serra, mas não me lembro de o ter ouvido (foi meu aluno) nem lido.
O problema do Nietzsche é que é difícil de o tratar devido à sua maneira literária, é preciso lê-lo muito. O Deleuze foi-me precioso, mas já lá vão 40 anos que o li. Na minha tese, digo algures que ele [Nietzsche] é perigoso e que estou ali para ser professor. Ou seja, creio que ele arriscou tudo, completamente, e acabou por a cabeça lhe explodir ou implodir. Li em tempos um livro sobre o dossier médico dele, não me pareceu que fosse possível encontrar uma 'doença' diagnosticável e tratável, foi o pensamento dele, a sua vontade de pujança (M. G. Llansol) que rebentou com ele: é um assombro, no sentido também que mete medo. Mas tudo o que escreve é fabuloso, só que tem uma zona 'anti' povo que eu detesto, de quem gosta de escravos.

29/07/2013
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sábado, 13 de julho de 2013

146. Corpo, linguagem, arte, etc.







L.T. : 1. “"O que o Caledónio entende como ‘corpo’ é provavelmente o que o missionário ocidental, que o interpela, entende como ‘espírito’, e vice-versa. Opera-se uma troca. Só uma troca? Não. Esta troca, por si só, não esclarece a diferença. Não se trata só de uma troca, menos ainda de uma troca simétrica". Não entendo o que te levou a escrever isto.”
Porque se fosse uma mera troca simétrica estaríamos num registo categorial, de um modo geral, ou mantendo o binómio sujeito/objecto, ou mais propriamente corpo/alma (vj. também espírito). Poder-se-ia objectar a quem sustenta uma filosofia ou filosofias do corpo o seguinte: “o senhor está a pensar categorialmente o corpo.” Mas pode surgir a contra-objecção: “Mas quem está a adiantar com o argumento de que a minha tese assenta no categorial é o senhor e não eu. Não falei disso. Você é que falou e está falando de categorial e da categoria corpo…” É que hoje usa-se muito o termo categoria para referir binómios, dicotomias e oposições, p. ex., a do sujeito /objecto.
Mas isto não me parece suficiente. O que me importa é perceber outras formas do aparecimento da linguagem. Por exemplo, o Agamben quando diz, acerca da linguagem, que é o dispositivo talvez mais antigo entre aqueles que enumera (“peut-être le plus ancien”): “…e, porque não, a própria linguagem, talvez o mais antigo dispositivo no qual, há vários milhares de anos já, um primata, provavelmente incapaz de dar conta das consequências que o esperavam, teve a inconsciência de se fazer tomar por ela (“ l’inconscience de se faire prendre” (?))” (Agamben, G.; Qu’est-ce qu’un dispositif?, trad. Martin Rueff, Payot Rivages Poche, 2007, p.32).
Como quando, por exemplo - isto parece-me muito importante - se processa o milenar trabalho do corpo, da linguagem e do pensamento – mesmo um trabalho milenar da ordem do espiritual, do meu ponto de vista – na arte do Paleolítico Superior. Não sei se sabes, fiz em tempos alguma pesquisa plástica sobre arte pré-histórica, acompanhada de alguma investigação bibliográfica. Trabalho milenar, com um jogo de distanciação e aproximação até à demarcação da dimensão do que é da génese espiritual do humano relativamente à realidade dos outros animais na sua estranha familiaridade connosco, por um lado, e na sua estranha distância, abissal distância, separação, em relação a nós, por outro. É a figuração ou configuração – para não falar nos signos esquemáticos e abstractos daquela arte – dos animais pintados traçados e esculpidos. Mas não é curioso que as figurações humanas são caricaturais, raras, e se produzem em esboços ou mistos zoo-antropomórficos (p.ex. xamanes camuflados com peles de animais, ou transfigurados neles)? E não é curioso que os animais naquelas produções artísticas tem expressões com algo de humano? E porque é que os homens não se figuraram? Chegam a fazer essa pergunta ao Leroi-Gourhan em entrevista ao realizador e entrevistador Paul Seban. Está num vídeo que fui buscar ao INA, praticamente esquecido, até por um distinto arqueólogo que conheço, o Vítor Oliveira Jorge, e que não tinha conhecimento desses vídeos. Evidentemente que lá por ele não conhecer aqueles vídeos não quer dizer que não saiba muito mais de arqueologia, paleontologia e muitas outras coisas que eu.
Embora Gourhan diga que se trata de um dos grandes enigmas da arte do Paleolítico Superior, acaba por resolver a questão, um tanto evasivamente do meu ponto de vista, dizendo que não havia destreza suficiente para trabalhar a fisionomia, as figura humanas, etc. Sinceramente, com todo o respeito e admiração que nutro por ele, não me convence esse argumento. Basta olhar para as linhas extraordinárias das gravuras, por exemplo de Foz Côa, bem como as pinturas de Altamira, Lascaux, para não falar nas esculturas, etc. Mas isto pede muito trabalho e é só um desabafo para já. Aliás já te tinha falado disto. Há uns anos, em conversa breve com o José Gil sobre estas questões, ele disse-me que tinha a ver com o corpo próprio. E de seguida deu o exemplo de Leenhardt com o Caledoniano de que falámos há pouco na mensagem anterior e noutras. Antes já tinha dito numa aula que era uma questão muito delicada e não podia ser tratada em minutos. E ficámo-nos por aí.
2. “… tive uma vez uma amostra com o João Resina Rodrigues, físico e filósofo, professor de relatividade e mecânica quântica (livros sobre ambas) no IST e doutor em filosofia por Lovaina, muito mais inteligente do que eu, sem dúvida nenhuma, e que não era fisicalista, é claro, não foi capaz de entender o duplo laço dum automóvel: para ele as peças jogam umas sobre as outras, causa e efeito, e mais nada, era o laboratório a raciocinar. “
Não percebo por que dizes que o João Resina Rodrigues é muito mais inteligente do que tu e depois acrescentas que “não foi capaz de entender o duplo laço dum automóvel: para ele as peças jogam umas sobre as outras, causa e efeito, e mais nada, era o laboratório a raciocinar. ” Não sei se interessa explicar esta passagem melhor.
3. Para já é só isto sem grandes elaborações. Depois vejo se posso desenvolver algumas coisas que me interessam sobre o corpo próprio, proprioceptividade (Merleau-Ponty), corpo-sem-orgãos (Artaud, Deleuze), se o corpo é o que está dentro da pele (“encorpado”, Damásio, segundo a tua observação na mensagem anterior) ou se ele não se limita aos seus contornos (Gil), etc.
Penso que já é texto suficiente para suscitar-te algumas questões.


8/7/2013



F.B. : Nem tanto. De paleo-história, arte ou não, não sei praticamente nada. Diria apenas, a propósito da linguagem como dispositivo mais antigo, que não creio que se trate só dela, mas que o primitivo será o par receita / uso, a linguagem dizendo coisas que se fazem, ou seja os usos fazem parte do dispositivo. 
Quanto ao J. Resina não compreender o duplo laço, não implica menos inteligência mas outro paradigma, em que o laboratório de física predomina. Aliás, ouvi-o uma vez  dizer, após uma conferência sobre qualquer coisa de filosofia das ciências (já não sei o quê, foi há muitos anos) dizer na conversa que se seguiu que não sabia nada de ciências sociais e humanas. Grande vantagem, saber o que se sabe e o que não se sabe. 

Continua as tuas questões sobre o 'corpo', é sempre em torno das questões que temos que convém trabalhar. O 'corpo próprio' foi um tema do Lacan e tinha a ver justamente com o corpo ocidental, o da alma, do sujeito, da consciência, o tal que o indígena não conhecia, que para ele seria 'comunitário', segundo o J. Gil. O ser no mundo do Heidegger acho que sai desse corpo próprio mas creio que falei disso na última vez, o Freud também ajudou fortemente a sair mas guardou-o em parte.
13/7/2013




Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares