sábado, 20 de agosto de 2011

27. Wittgenstein



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“Acerca do que não se sabe é melhor calar-se”
Wittgenstein, Tractatus


"A linguagem descreve [mostra], mas não diz" Wittgenstein
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3.5
O sinal proposicional empregue e pensado é o pensamento.
4
O pensamento é a proposição com sentido.

4.001
A totalidade das proposições é a linguagem.

4.01
A proposição é uma imagem da realidade.
A proposição é um modelo da realidade tal como nós a pensamos.

4.015
A possibilidade de todas as analogias, de toda a pictorialidade do nosso modo de expressão, fundamenta-se na lógica da representação pictorial.

4.016
Para compreender a essência da proposição pensemos na escrita hieroglífica, que representa pictorialmente os factos que descreve.
E dela proveio a escrita alfabética, sem perder o que é essencial à representação pictorial.

4.023
A realidade tem que ser fixada pela proposição em sim ou em não.
Para isso ela tem que ser completamente descrita pela proposição.
A proposição é a descrição de um estado de coisas.

4.06
A proposição só pode ser verdadeira ou falsa por ser uma imagem da realidade.

Wittgenstein, L., Tratado Lógico-Filosófico, Trad. M.S. Lourenço, Lisb. Gulbenkian, 1987.

1
(…)
“Agora pensa na seguinte aplicação da linguagem: eu mando uma pessoa às compras. Dou-lhe uma folha de papel na qual se encontra escrito o seguinte: «cinco maçãs vermelhas». Entregue a folha ao empregado, este abre a gaveta sobre a qual se lê «maçãs»; a seguir procura a palavra «vermelhas» numa tabela e encontra-a diante de uma amostra desta cor; a seguir diz a série dos números inteiros – suponho que ele a sabe de cor – até ao número «cinco» e, à medida que diz cada um dos números, tira a maçã da gaveta que tenha a cor da amostra. – É assim, e de outras maneiras análogas a esta, que operamos com palavras. «Mas como sabe ele onde e como deve procurar a palavra «vermelho» e o que tem a fazer com a palavra «cinco»? «Bom, eu suponho que ele actua como eu descrevi. Todas as explicações chegam algures a um fim. – Mas qual é a denotação da palavra «cinco»? – Aqui não se falou disso, mas apenas de como a palavra «cinco» é usada”.
15
“A palavra «designar» é talvez usada da maneira mais directa quando o símbolo que designa o objecto está em cima deste. Supõe que as ferramentas que A utiliza na construção têm certos símbolos. Quando A mostra ao servente um destes símbolos, este traz-lhe a ferramenta que tem o símbolo correspondente.”
“Damos nomes às coisas e assim podemos falar acerca delas, referirmo-nos verbalmente a «elas». – Como se com o acto de dar um nome já fosse dado aquilo que faremos a seguir. Como se «falar de coisas» fosse univocamente determinado, quando de facto fazemos as coisas mais variadas com as nossas proposições. Pense-se apenas nas exclamações e nas suas funções completamente diferentes.
Água! Fora! Ai! Socorro! Belo! Não!
Ainda te sentes inclinado a chamar a estas palavras «designações de objectos»?
Wittgenstein, L. , Investigações Filosóficas, I parte, Trad. M. S. Lourenço, Lisb. Gulbenkian, 1987.

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L.T. : Voltando a Wittgenstein no teu último e-mail. Estive a consultar o teu livro Conversa, Linguagem do Quotidiano. Mas eu percebo pouco do Wittgenstein, embora o meu trabalho de Seminário de fim de licenciatura tenha sido feito com ele sob orientação de Luísa Couto Soares : Wittgenstein, L., Filosofia, de The Big Typescript, na revista 'Crítica', trad. de António Zilhão. Como escreves no e-mail ele pensava a linguagem nos seus usos de palavras, jogos e contextos. Mas, se assim posso dizer, parece-me que os pensava como se as palavras (nomes?) se pudessem separar umas das outras. Ele fala de gramática de contextos, de uma lógica dos usos, de representação, denotação e de um certo critério da descrição vindo ainda do I Wittgenstein com a teoria da 'linguagem retrato da realidade' do Tractatus. O que quero dizer com esta estranha e, aparentemente, tosca expressão: 'separar as palavras'? Por exemplo, " Quando os filósofos usam uma palavra - «saber», «ser», «objecto», «eu», «proposição», «nome» - e procuram captar a essência da coisa [...]" (Investigações Filosóficas, I parte, secção 116). Será porque lhe escapa a questão da dupla articulação da linguagem?
10/5/2011

F.B. : Quanto ao Wittgenstein, personalidade fascinante, a sua filosofia, tanto quanto me apercebi, tem os limites da separação entre o sujeito (a linguagem) e a realidade, que tentou superar com a noção de 'usos'.
Assim "Quando os filósofos usam uma palavra - «saber», «ser», «objecto», «eu», «proposição», «nome» - e procuram captar a essência da coisa", parece não saber que, se eles não usarem essas palavras e outras do mesmo estilo, não são filósofos. Faz parte da ideia dele de tirar a mosca (a filosofia) de dentro da garrafa: fora dela, a mosca não é 'mosca'. O salto do Heidegger, em relação ao Husserl, foi voltar ao 'antes da definição', o que, em certo sentido, é o que W. quereria. Mas o Heidegger tinha os pés na história, como o Derrida, desconstruir é dos textos históricos, o W. ignorou soberbamente a história, o que julgo ser normal na filosofia analítica. Julgo que ele é interessante para gente que justamente joga com proposições e coisas dessas e ignora a história, quer a história em geral, quer o lugar da filosofia nessa história. Pessoalmente, leitor que sou de filosofia francesa e alemã, é por aqui que encontro coisas interessantes para compreender o nosso mundo, a filosofia analítica que li, incluindo Wittgenstein, não me dá que pensar (mas também nunca me interessei por lógica).
Personagem fascinante: a vida dele, em que só a filosofia conta, em sua errância, é muito mais interessante do que a dos filósofos universitários correntes. E tem algo de muito notável: fez na sua juventude, nas trincheiras da guerra!, uma síntese filosófica e lógica admirável, como se fosse um matemático (é a disciplina da precocidade). E depois duma pausa como professor primário, jardineiro e arquitecto, voltou à filosofia passando o resto do seu tempo a demolir a síntese que fizera.
Vi uma vez um filme francês cuja heroína era uma professora de filosofia e tinha no estúdio dela um poster do Wittgenstein, e pensei: só ele poderia estar ali.
Mas já agora, vai o retrato fascinado que o filósofo croata brasileiro Z. Loparic faz de Heidegger, de quem frequentou um seminário durante 4 meses nos anos 60.
Nos seminários sobre o Heráclito (1966/67), eu estava diante de um homem totalmente tomado, não sobrava dele nada que não fosse iluminado por aquilo que ele dizia e como ele o dizia. Ele era aquele que falava aquelas coisas. Havia nele uma extrema concentração; toda figura dele, no dizer, no estar presente, era filosofia. Isso eu nunca havia visto antes em outras figuras brilhantes, em Henrich ou em Gadamer. Este era um homem de espírito que cuidava das palavras. Heidegger, ainda aos 77 anos, era homem vigoroso, totalmente diferente: era filosofando que ele existia. Isto pode ser em vários aspectos um defeito. Seja como for, diferentemente de Heidegger, eu mesmo nunca me identifiquei com nenhuma carreira filosófica, nem mesmo com a carreira acadêmica, nem mesmo com a atividade de ser filósofo. Sempre achei que, qualquer coisa que você faça, não deixa de haver em você algo que sobra. Tem sempre uma sobra. Sempre havia sobras em mim, mesmo quando me entregava a algo, sem reservas. Em Heidegger, não. Mesmo assim, a centralidade da filosofia na vida e na figura dele me marcou, confirmando meu ímpeto inicial de que a Filosofia é algo sem o qual não posso andar por ai.
URAM - Por isso, anos inesquecíveis.
ZL - Para mim, fazer filosofia é tão natural como ser bípede ou respirar. Filosofia faz parte da vida, num sentido trivial: acordo; durmo. Da mesma forma que para o dançarino, imagino, ou para o músico seja essencial viver no mundo dos sons. Devo isso em boa parte a Heidegger. Mas, como disse, há sobras também!
AAS - Ele existia no mundo?
ZL - O mundo dele se fazia a partir do que ele dizia em termos da filosofia. Isso é algo que só vi em Heidegger. Essa centralidade da filosofia, que nos põe frente a estruturas abstratas e não comunicáveis facilmente. Ele era aquela fala que ele produzia.

12/5/2011



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