sábado, 20 de agosto de 2011

12. Uma abordagem ao Cristianismo


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L.T. : Aqui vai um trecho talvez um pouco desgarrado mas que pensava enviar-to há uns tempos. Vem também a propósito das questões do índíce do teu livro que me enviaste. Uma pessoa falou-me de: Georges Didi-Huberman. Não tenho nenhum livro dele. Só dei uma vista de olhos em dois artigos dele na Revista de Comunicação e Linguagens e achei que a seguinte passagem me parece interessante, mas não sei bem porquê. Não sei o que acharás ou se terás algum comentário a fazer. Não sei se conheces o texto:
"De um certo modo, a morte de Deus, muito antes de ser a bem conhecida provocação nietzschiana (e sabe-se mesmo que o autor de Ecce Homo procurava fixar um dia para a "fête de la mort de Dieu"), a morte de Deus é um dogma cristão, dos mais importantes que existem, e tem mesmo o seu dia de festa, que é a Sexta-Feira Santa. É evidente que uma tal proposição é teologicamente aberrante, no sentido em que Jesus-Cristo morre non secundum quod Deus, sed secundum quod homo (32). No entanto, a morte do Cristo na cruz é encarada por toda a ortodoxia na sua acepção mais realista, mais radical: é necessário que Jesus esteja morto e bem morto para que o seu sacrifício possa levar ao sentido último e redentor que se lhe dá; para que o milagre da sua ressurreição, por outro lado, possa constituir o milagre por excelência, ou seja o acto mais incrível que existe ao mesmo tempo que o fundamento absoluto de um credo. Imaginar um Cristo que não estivesse verdadeiramente morto equivaleria a inscrever o seu agir, portanto a sua pessoa, na área duvidosa e inaceitável da simulação, da ilusão, portanto da mentira (33). Assim, o cristão exige "constitutionnellement" um Cristo morto e absolutamente morto, durante o famoso lapso dos três dias, o triduum sepulcral ."
(32) Thomas d'Aquin, Suma Teológica, III, 50.1.
(33) A heresia do docetismo que se desenvolveu até ao séc III, consiste precisamente na afirmação, que não foi o próprio Cristo, mas uma aparência, um fantasma, uma imagem que foi sacrificada na cruz em vez da sua "pessoa" real. Agradeço a Giorgio Agamben ter chamado a minha atenção para este facto. Cf.G. Bardy, "Docétisme", Dictionnaire de spiritualité, tomo III..........
Georges Didi-Huberman, G., 1988, "A paixão do visível segundo Georges Bataille", Revista de Comunicação e Linguagens.........
29/7/2010
F.B. : Não conheço o senhor que citas, vamos à questão. Dizer que Deus morreu na cruz, implicando que o homem que morreu, Jesus, era Deus, é algo que só é possível a partir do que Orígenes (início do 3º séc) propôs como 'comunicação de idiomas', isto é, sendo ele homem e Deus, pode-se dizer dele quer o que compete à natureza dum quer à do outro. O que significa que isso só tem sentido em termos da filosofia grega platónica que nessa época se apoderou do discurso cristão. A questão, para mim, é que essa filosofia só tem interesse histórico, não nos é possível pensar nos seus termos. Mas pode-se acrescentar que toda a teologia, desde Paulo e os evangelhos, não é senão elaborar a resposta à terrível palavra de Jesus antes de morrer: 'meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?'
A questão de Nietzsche (a secularização) é obviamente outra e mais interessante, pois que verificada cada vez mais na dificuldade crescente das pessoas cultas actuais acreditarem no cristianismo, ou mesmo de saberem do que se trata. Enquanto que até Kant e Hegel, claramente, daí para diante menos claramente, o cristianismo era referência da cultura europeia, ainda quando sob forma crítica.
Crença privada ainda? De muitos, talvez, mas como lastro tradicional porventura. Mas muito pouco de forma 'civilizacional', de forma pertinente para as questões de pensamento de hoje. Se quiseres, como Platão e Aristóteles, que quase ninguém conhece mas é reconhecido por especialistas, nós que andamos nestas coisas, como tendo um peso imenso na construção do Ocidente, que se 'desconstruiu' (Heidegger e Derrida). O que me parece que é sinal importante: que haja movimentos espirituais fortes e empenhados que dele se reclamem e se revelem fecundos, ainda que, como sempre foi, minoritários.
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3/8/2010
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