quinta-feira, 2 de outubro de 2014

157. "O vivo é e não é o seu meio ecológico"






Grande síntese, Fernando!

E “ …o vivo é e não é o seu meio ecológico[1]” ao mesmo tempo?


Boas coisas

21/09/2014




[1]  Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida, Tomo I, Cap. 3, § 30. 



terça-feira, 16 de setembro de 2014

156. Sobre nova fenomenologia e filosofia 'com' ciências







LT : Estou a dar umas espreitadelas no 3º capítulo do Jogo das ciências com Heidegger e Derrida.
Isto dá pano para mangas. Saiu-me isto agora, um bocado "meia-bola e força":



Digamos que o epistemólogo, enquanto filósofo das ciências, procura pensar e conhecer os pressupostos filosóficos e/ou metafísicos (foi assim que me ensinaram nas Universidades, também se encontrando nalguns compêndios; quanto ao metafísico temos de pensar em Kant com a tal libertação das ciências relativamente à metafísica) que regem as investigações e os modos cognitivos das ciências. Ao passo que o novo fenomenólogo, na linha da filosofia com ciências - proposta tua -, dir-se-ia que pensa e tenta conhecer, não o que propriamente subjaz (os pressupostos que regem) filosoficamente às ciências; outrossim, o que estrutura, desconstruindo, no tempo, os modos - modus operandi? - operativos de pensamento no processo explicativo e cognitivo dos fenómenos científicos. Quer dizer, aquilo que estrutura esse próprio processo enquanto tal. Daí a importância que dás ao movimento, não só das físicas - aristotélica e galilaica - e das bilologias, etc., mas também, filosoficamente, da mesmidade do dizer, ser e pensar remontando a Parménides e que tanto assinalas (o "dizer-que-pensa-o-ser", conceito teu). Será esse um dos múltiplos sentidos em que o novo fenomenólogo não só desconstrói, mas reconstrói?

Saiu-me duas vezes a palavra 'modos'. Neste momento não posso elaborar melhor estas questões. Tinha programado para esta noite outras leituras e interrompi porque me ocorreram estes pontos sobre os teus textos. Volto a elas. O que é que tens a observar, corrigir e criticar quanto a estas observações escritas agora? Gostava que me ajudasses um bocadinho aqui. Há muita asneirada? Precisarei de ler melhor, certamente.

15/09/2014

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FB : A filosofia das ciências é um capítulo duma filosofia. A filosofia com ciências é uma filosofia, que também tem um capítulo das ciências (o cap. 9, sobre o laboratório). 
É uma fenomenologia inspirada em Heidegger e Derrida, um retorno às coisas, como já o houve em Aristóteles (a sua Física, em relação a Platão) e em certo sentido, em Aquino (a Agostinho) e Kant (a Descartes). A sua peculiaridade em fenomenologia é ter em conta que o 'sujeito' da filosofia europeia não tem corpo nem sociedade nem língua nem sexo e procurar estas 'dimensões', como se diz, nas ciências, para 'completar' o ser no mundo heideggeriano, usando o motivo derridiano de duplo laço. Nem Heidegger nem Derrida são fenomenólogos, mas ambos passaram pela fenomenologia de Husserl e ficaram com ligação a ela; mais problemática é a minha relação com este.
17/09/2014
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Imagem: Estudo livre (2002 - óleo sobre tábua - 25x39cm + -) segundo "Nu sentado em divã" (1917 - Modigliani), por Luís de Barreiros Tavares - colecção privada.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

155. A 'mente'?...



LT: No outro dia estava num almoço após uma sessão do Seminário da Antena do Campo Freudiano, dirigido pelo José Martinho. Ao meu lado estava o Jorge Gonçalves (IFL da UNL), entre outras pessoas. Confirmou-me que se tem debruçado sobre o conceito de Self – o ‘Si’ , como é traduzido - de tradição anglo-saxónica… No seguimento da conversa disse-me que também lhe interessava a chamada filosofia continental, mais no âmbito da fenomenologia. E acrescentou ainda que, relativamente à outra vertente, a questão da mente também era importante. 

Que é a mente?

07/08/2014 

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FB:  Em geral, a 'mente', opondo-se ao cérebro, reduplica a oposição alma / corpo, com a vantagem de poder ter em conta os estudos sobre o cérebro e com o inconveniente de este não chegar e precisar de uma 'mente' além dele. Isto é em geral, caricatura minha. Por isso, não gostava da 'mente', por causa do dualismo. Mas o Livro da Consciência do A. Damásio deu um outro sentido à palavra 'mente' que não a opõe ao cérebro nem aos neurónios, e que me fascinou por vir dele. A mente segundo ele é a rede de neurónios enquanto só o próprio tem acesso a ela, não os neurologistas. É o saber de si que a rede neuronal proporciona ao 'animal' neuronal. Eu havia anos que defendia que os neurologistas não tinham acesso ao saber neuronal (contra o próprio Changeux, uma vez que veio a Portugal e entrevistado pela Ana Gerschenfeld. (carta de leitor no Público, no meu blogue). Mas a autoridade do Damásio e a clareza da posição, e até a reabilitação possível da 'mente', fascinaram-me. Explico isso no meu blogue Filosofia mais ciências 2 de 8 de 12 de 2012.

12/08/2014



Imagem: Estudo segundo "Mulher nua" de Modigliani (1916), por Luís de Barreiros Tavares
Acrílico sobre tábua - 23cmx38cm+ - 2002 + - - colecção particular

terça-feira, 22 de julho de 2014

154. Continuação sobre o 'silêncio' e os 'silêncios' ... O budismo, a ciência, os cientistas, etc...








LT:




1.

Este primeiro ponto é mais um desabafo.

Sendo eu um leigo nestas coisas de meditações, gostaria no entanto de assinalar o seguinte relativamente à meditação, não sei se “espiritual” ou não. Não penso aqui na espiritualidade mística cristã, por exemplo, mas no budismo Zen (que também não é simplesmente rotulável de místico, como muitos pensam), que é coisa que te interessa muito pouco ou mesmo nada. O silêncio no budismo Zen pode dizer-se que é correlativo do chamado “não-pensamento” ou “pensamento não dual”. Na meditação Zen, os chamados pensamentos, sensações, percepções, imagens, etc., vão passando. Todavia, o exercício ou prática de meditação consiste em deixá-los passar, decorrer, digamos assim, ao ponto de, pelo facto de não lhes resistirmos, quer sejam agradáveis ou não, eles nem passam nem deixam de passar. Não se trata de indiferença, como quem se demarca. Mas antes da passagem para um outro estado de consciência, ou da mente, como os praticantes preferem dizer. Digamos que a meditação sentada e a prática da respiração (embora a meditação se possa fazer até ao varrer o chão de uma cozinha, por exemplo, ou no meio da turbamulta de uma grande metrópole) tomam o lugar de qualquer interferência que possa ainda ocorrer e que contudo já não se interpõe. Mas também não se opõe uma barreira. Porquê? Porque o exercício meditativo assimilou a própria passagem das imagens, dos pensamentos, etc. Estes já não passam nem deixam de passar devido à fluidez da sua passagem, sendo que ainda possam ser visados, mas já alteradamente. Não se trata de um impasse; mas agora o fluxo já é outro num simplesmente estar-se (sentado, a andar, etc.). O plano do não-pensamento é o plano em que se atinge um certo silêncio nessa prática corporal-respiratória. Nas minhas limitações, diria que o silêncio meditativo será um pouco isso. Pois pode-se ouvir um pássaro a piar ou um trovão a ribombar, mas isso já é algo que, na condição que tentei descrever, constitui de alguma maneira o silêncio.

Acho que temos muito a aprender com certas vertentes orientais. E elas também não usam conceitos!



2.

Por exemplo, o chamado “ruído fóssil” ou “vibração cósmica” - de que os cientistas astrofísicos tanto falam – que atravessa o universo enquanto eco da explosão inicial do Big-Bang não será um silêncio?



3.

Não haverá silêncio no sussurro, rumor ou murmúrio do il y a de que nos fala Lévinas a partir da experiência da insónia no silêncio da noite (silenti nocte)? “L’Impossibilité de déchirer l’envahissant, l’inévitable et l’anonyme bruissement  de l’existence se manifeste en particulier à travers certains moments où le sommeil  se dérobe à nos appels” (cap. "L'insomnie" em De l’Existence à l’Exitant).



4.

Como último ponto que deve mais  interessar-te.

Ainda por falar em silêncio, num artigo da Ana Gerschenfeld sobre neurociências no Público de ontem, 16/07/2014.

"Os bebés treinam mentalmente a fala meses antes de começarem a falar"


Deixo aqui uma passagem.



“Segundo eles [uma equipa de cientistas nos Estados Unidos], mesmo quando os bebés ainda são incapazes de articular qualquer palavra, o seu cérebro já está a tentar imitar, mentalmente, os sons que eles ouvem. E assim fazendo, está a construir, em silêncio, as bases neuronais motoras que irão possibilitar a locução pelo bebé, a partir do segundo ano de vida, das palavras da sua língua mãe. Os resultados foram publicados na edição desta semana da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.” (itálicos nossos)






O que achaste deste artigo? Como o perspectivas à luz da dupla articulação, sendo que me pareceu que ela foi pouco tida em conta?



17/07/2014

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FB: os silêncios que quiseres, eu sou miseravelmente ocidental e racional. 
Quanto a esses ditos cientistas, confesso que acho aquilo bastante primitivo. Que os bebés estejam atentos a escutar aos 10 0u 11 meses como não aos 7, tudo bem, têm aparelhos para saber isso. Chamar a isso 'ciência', é como chamar poesia a uma quadra de desgarrada. Que os bebés 'tentem imitar mentalmente os sons que ouvem', é a fantasia dos tais 'cientistas': como é que sabem? Acham que sim. Provavelmente só ouvem mais ou melhor do que antes, não vejo que se possa conclUir algo mais. 

Gosto da Ana G. mas ela engole muita americanada...
21/07/2014 



LT: Concordo contigo, também gosto da Ana Gerschenfeld. E é muito importante que haja jornais com artigos de divulgação científica como os dela. E ela às vezes também sabe fazer um pouco de ironia e é espirituosa com certos assuntos e em certas entrevistas que faz…


Mas sobre os orientes não te esqueças que o Heidegger andou a falar com um monge budista...
24/07/2014

FB: Gosto muito de Ana Gerschenfeld, mas o jornalismo não habilita a critérios de avaliação epistemológica do que os cientistas proclamam como ciência.
24/07/2014

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Imagem: Estudo  (2002 + -) segundo "Nu com braços ao alto (a pentear-se)" de Georges Roault (1907).

Acrílico sobre tela - 25x33cm - por Luís de Barreiros Tavares

quinta-feira, 17 de julho de 2014

153. Voltando ao passo de O Sofista, 263 e, de Platão, que iniciou este blogue, mas retraçando outras questões.








LT: Há uns dois meses ou mais estava para enviar-te umas questões destas. Mas o teu último texto no filosofiamaisciências 2, “Pensamento e Linguagem”, espevitou-me.




Aqui vão as questões à maneira de esboço e por retrabalhar…

Voltando ao passo de O Sofista, 263 e, de Platão, que iniciou este blogue, mas retraçando outras questões.

“Pensamento (dianoia) e discurso (lógos) são o mesmo (taútón), salvo que o diálogo (diálogos) interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma (aúten) recebeu o mesmo (aútó) nome de pensamento (dianoia).” (Tradução de Auguste Diès, ed. bilingue, Les Belles Lettres, 1925)

1.
Parece-me que, em parte, a resposta já lá está no teu texto. Mas gostaria de retomar a questão. Como é que entendes este mesmo ou esta mesmidade? Pois, ele defende de início que pensamento e discurso são o mesmo, ou a mesma coisa; mas em seguida diferencia este “mesmo” de um outro “mesmo”, a saber: o diálogo interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma (curiosamente emprega o termo “aúten”); tendo este diálogo o mesmo (aútó) nome: pensamento (dianoia).

Mais à frente, conforme citas também: “mas a corrente sonora que sai da boca recebeu o nome de discurso (lógos)." Ele parece proceder a diferenciações e rediferenciações do pensamento e do discurso. Mas preciso ver melhor estas questões noutra altura…

Mas voltando à primeira citação. Este passo dá pano para mangas. Não é curioso que o nome se mantém (dianoia) para aquela diferença?
Tentando ser sucinto. Diánoia e lógos são o mesmo (taútón). Todavia, no dia-lógos  interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma, o nome permanece o mesmo: dianoia. Isto não é espantoso?

2.
Ora, em ‘diálogos’, se não erro muito, o prefixo ‘dia’ reenvia para o sentido de um para o outro lado e vice-versa, ou um através. Dir-se-ia que isto remete para um como que eco e também - não sei se ao mesmo tempo - para uma certa auto-escuta, digamos assim, mas sem voz (aneu phônês) e em silêncio (entós) da alma.
Mas não será que não é só uma auto-escuta da alma mas também da voz? Tentarei abordar a questão mais à frente.
Também no passo do Teeteto 189 e que vai nessa linha, é dito que “opinar é falar, e a opinião é um discurso pronunciado, não, seguramente, a um outro e de viva voz, mas em silêncio e a si mesmo” (da edição francesa traduzido por Chambry; não disponho da versão no grego). E antes, no mesmo passo, sem que Sócrates esteja ainda bem seguro do que diz: “Mas parece-me que a alma, quando pensa, não faz outra coisa que não seja entreter-se com ela mesma, interrogando e respondendo, afirmando e negando.” Ou seja, o tal diálogos.

3.
Talvez pudéssemos partir daqui para a “Voz que guarda o silêncio” em A Voz e o Fenómeno do Derrida. Mas não estou de momento à altura para dizer mais coisas sobre isto. Um tanto sem contexto, embora já tenha rondado várias vezes este texto difícil e muito interessante, gostaria de lembrar que ele escreve: “a voz escuta-se” (“la voix s’entend”). Não indo mais longe: se a voz se escuta, isto não é compreender, de alguma maneira, que nela, na voz, há sempre já um silêncio, no qual e através do qual ela escuta, se põe à escuta?
Quais as implicações destas questões para o pensamento e a linguagem?

Mas tu conhecerás muito melhor estes textos do que eu…

Isto dá para mais, mas para já vai assim. Até por que ando a fazer uma pausa com o computador e net.
Questões que me ocorreram há uns tempos, se te interessarem.

14/07/2014

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FB: Dia-logos e dia-noia, em que logos e dia-noia são o mesmo: se há um problema, será justamente a diferença entre a 'alma' (phuchês), inteligível, imortal, portanto sem contaminação com o sensível, que a este pertence a voz. Há algo que resiste a esta 'separação' crucial entre o inteligível (lembrar o noein) e o sensível, que se poderá encontrar aliás também no tratado sobre a Alma de Aristóteles, em que julgo que o logos não aparece nunca (seria preciso ver o grego com atenção) por justamente haver o problema entre o corpo a que a alma está ligada (hylemorfismo) mas aonde se mantém o carácter inteligível dela e a separação do sensível, questão que creio que Aristóteles não conseguiu resolver (mas não o conheço suficientemente). Esta separação manifesta-se claramente no signo tripartido dos Estoicos, com o lekton acrescentado aos tradicionais nome (onoma) e coisa (pragma), sendo o que o estrangeiro não entende, em clima pois de bilinguismo e tradução, que nem Platão nem Aristóteles conheceram.

Derrida foge a esta 'separação' entre o inteligível e o sensível, como disse ne texto que citaste. "A voz que se escuta" é a sua definição de 'consciência', significa que falar ou pensar só é possível 'sabendo-se' (scire) de si (con-), porque  falar e pensar implicam escutar-se, a um nível a que justamente só o próprio tem acesso, como diz A. Damásio, falando dos neurónios de que o próprio humano (ou 'animal'), e só ele, sabe do conteúdo (é a mente, segundo Damásio). Não vejo lugar para nenhum silêncio aqui, muito menos um silêncio 'através' do qual algo se faça. Acho aliás que o silêncio é muito difícil de se conseguir, a experiência de meditação espiritual tem sempre esse problema, chegar ao silêncio. Também não vejo que haja que opôr 'voz' e 'escuta', activa aquela e passiva esta, já que 'aprendida', a voz e o pensamento são passividade activada.

16/07/2014


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Imagem: pintura de Luís de Barreiros Tavares
Estudo-versão-cromática-azul-avioletado a partir de 'bodegón' (natureza morta, 1946) de Picasso. Acrílico sobre prancha de cartão entelado, 23x35+-, 2002.
Colecção privada.

"Os flancos e o fundo - aquilo em que consiste a vasilha e pelo qual ela se mantém de pé - não são, propriamente falando, o que contém. Mas se o continente reside no vazio da vasilha, então o oleiro, que, sobre o seu torno enforma os flancos e o fundo, não fabrica, propriamente falando, a vasilha. Ele somente dá forma à argila. Que digo eu? Ele dá forma ao vazio. É para o vazio, é nele e a partir dele que enforma a argila para dela fazer uma coisa que tem forma. O oleiro alcança primeiro e alcança sempre o inalcançável do vazio, ele o produz como um continente e lhe dá a forma dum vaso."

"A coisa" in Martin Heidegger, Essais et conférences, trad. André Préau, Paris, Gallimard, p.199, 1995.
Tradução do trecho: Luís Tavares