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" Os homens dão sempre mostras de não compreenderem que o Logos é como eu o descrevo, tanto antes de o terem ouvido como depois. É que, embora todas as coisas aconteçam segundo este Logos, os homens parecem-se com as pessoas sem experiência, mesmo quando experimentam palavras e acções tal como eu as exponho, ao distinguir cada coisa segundo a sua constituição e ao explicar como ela é; mas os demais homens são incapazes de se aperceberem do que fazem quando estão acordados, precisamente como esquecem o que fazem quando a dormir."
Heráclito, fr.1
Kirk e Raven, Os filósofos pré-socráticos, 2ª edição, Trad. Carlos A. L. Fonseca, Beatriz R. Barbosa, Maria A. Pegado, Lisboa, Gulbenkian, 1982.
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"Será num dos seus últimos textos, o Sofista, que Platão definirá: « o signo que se aplica às acções, nós chamamos-lhe verbo » e « o signo vocal que se aplica àqueles que as fazem chama-se nome » (Sof ., 261 d). Aristóteles precisará depois, num conjunto de definições das « partes da expressão » (o elemento - vogal, semivogal e muda -, a sílaba, a conjunção, a articulação, o nome, o verbo, o caso e o enunciado) : « o nome é uma voz composta significante, não indicando o tempo, de que nenhuma das suas partes é por ela mesma significante », e «o verbo é uma voz composta significante, indicando o tempo, de que nenhuma das suas partes significa por ela própria, como com os nomes » (Poet., 20, 1457 a, 10-12, 14-16)."
Belo, F., Linguagem e Filosofia, algumas questões para hoje, Lisboa, INCM, 1987, p.103.
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L.T. : Já agora não perco o balanço. Cito: "(...) o 'a' introduzindo como 'signifié' [...] o tempo que différence não contém (...)" [pois implica o diferir, adiar - tempo - com o 'a', e portanto diferente significado]; "(...) e o significante é o mesmo nestes sons não idênticos." Tentativa de leitura: O 'a' na différ( )nce marca-se como tempo, e o mesmo (mesmidade?), que é o significante nestes sons não idênticos, é da ordem do tempo?
Falaste da 'voz' e será oportuno colocar a terceira e última das questões principais daquele trabalho, que me lembre, pois perdi o plano e o texto. É a questão da 'voz significativa'. Pode-se falar da phonê semantikê (voz significativa, voz significante, Aristóteles) ligada aos nomes (sem tempo) e aos verbos (com tempo). Não encontrei de momento a Poética do Aristóteles para consultar. Mas consultei o teu Linguagem e Filosofia, p.103. E o Peri Hermeneias também fala disso. Nos medievais, há por exemplo os modi significandi, as voces, vox, os modus, dictio, os modistas e mais coisas como estas de que pouco ou nada sei. Estou a reler La Voix et le Phénomène do Derrida, principalmente o Cap. La voix qui garde le silence.
Escreves no mail anterior: "O que Derrida consegue através duma redução fenomenológica do 'empírico' sonoro, o significante sendo, lição de Saussure, a diferença entre os sons, a qual é a mesma, repete-se em qualquer voz." Sim, de acordo, mas não está em todas as vozes? E que articulações poderá haver entre aquelas questões que já vêm dos gregos e as que referiste, nomeadamente a questão do significante reformulada nos nossos tempos?
2/03/2011
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F.B. : As duas coisas importantes: o significante, por um lado, é uma inscrição ('empreinte'), trace, recebida no cérebro até que nele fale uma voz nova (que diz significantes); por outro, é diferença entre sons (ou grafias, letras), se estes são 'substância' (sonora, gráfica), o significante não é nada (como o Ser de Heidegger, também não é ente, é Nada).
É claro que é temporal, qualquer palavra ou frase dura um certo tempo, tem que ser retido o que já foi dito para se entender o que falta dizer, há pois uma temporalidade de retenções e protenções, sem que se possa dizer que o 'pensamento' da frase está em tal ou tal momento, está no todo temporal da frase, o já dito e o ainda por dizer (não é só o significante: tudo é temporal, tanto quanto espacial). O 'pensamento' da alma, ou ideia, aquilo que penso 'presente' à minha consciência, foi sempre pensado como sem espaço nem tempo: ora, quando 'penso', faço-o em frases espácio-temporais, numa ou noutra das línguas que sei falar.
O mesmo: se 3 pessoas de vozes muito diferentes, uma criança, um adulto, um velhinho, disserem a mesma frase (por exemplo teu, 'já agora não perco o balanço'), as vozes são empiricamente não idênticas, mas a frase é a mesma nas diferenças entre as suas palavras em cada voz. Entre o 'já' e o 'balanço' da voz A há a mesma diferença que entre o 'já' e o 'balanço' da voz B e que entre o 'já' e o 'balanço' da voz C. Essa 'mesma' diferença, é o significante, diferença repetida.
À diferença entre Gregos e Europeus e o Derrida, este chamou-lhe logocentrismo: este é a 'ignorância' de que a fala é inscrição (grafo, disse Changeux) e não 'instrumento', 'meio', 'expressão' do pensamento ou ideia; e é o privilégio destes perto da alma (ou no cérebro, na 'mente' do Damásio), vindo da alma, ou de Deus, ou de inspiração, e não aprendidos (como é que se pode 'aprender' uma ideia? só palavras e frases, isto é, os seus significantes), não vindo de outros (a minha crítica do Damásio repousa nisso, apesar do 'científico' dele, ainda não suficiente). A reminiscência de Platão, as ideias inatas de Descartes, o ocasionalismo de Malebranche, a monadologia de Leibniz, as formas a priori de Kant, são formas diferentes de tentar explicar a espontaneidade das grandes experiências de pensamento que obviamente se não aprenderam de pais ou mestres, são fortes de mais, sabe-se que não se aprenderam. Só que o que se aprendeu foi esquecido enquanto aprendizagem na própria experiência da espontaneidade de se falar, e sobretudo de se pensar pela própria cabeça.
O problema é que é claro que isto tem a ver com o que nós temos de mais precioso, tu por exemplo, que levas uma vida difícil economicamente por dares uma grande importância ao que lês, pensas, escreves: sempre isso foi precioso, donde que fosse pensado como logocêntrico, o 'centro' no logos, no pensamento, as palavras e a escrita secundarizadas.
Quanto à Poética, cap. 20. Os nomes e os verbos são as partes do discurso (logos: frase ou texto, nos 2 exemplos que a Poética dá dele) que têm sentido (phonê semantikê, voz significativa), não o fonema ou letra nem a articulação, conjunção, etc: porque referem ou 'coisas' (sem tempo, isto é, o nome não diz nem passado nem futuro nem presente) ou 'acções' (com marcas de tempo). As palavras que têm sentido, significam (verbos e nomes, tanto substantivos como adjectivos, advérbios), os Medievais chamavam-lhes categoremas (signos também), às preposições, conjunções, artigos, chamavam sincategoremas, ou seja palavras que con-juntam categoremas.
2/03/2011
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