terça-feira, 20 de março de 2012

50. Nomes.




What did your face look like before your parents were born?

Zen Koan

"Conheces o nome que te deram,
não conheces o nome que tens" (Livro das evidências)

Inscrição de abertura de Todos os Nomes de José Saramago



“ Pessoa conhece uma «glória» verdadeiramente universal. Devemos exultar diante de um fenómeno que toca a idolatria ou deplorá-lo? Muitos reflexos desta glória não nos aproximam nem da obra, nem da figura (em suma, humana) do poeta da Ode à Noite” (Fernando Pessoa, Rei da Nossa Baviera, Lisboa, Gradiva, 2008, p. 46)

"O mundo recompensa com mais frequência as aparências do mérito do que o próprio mérito." La Rochefoucault


L.T.: Eu voltaria à questão do 'nome', ou dos 'nomes'. Parece-me bastante importante. Algo me diz que importa pensar, repensar esta questão que já vem de Platão, pelo menos. Mas hoje os contextos são outros, embora eu ainda consulte atentamente o Crátilo. Eu diria que um nome por si só pode ganhar 'aura', tal como a obra de arte (vj. W. Benjamin). Pode ganhar até uma 'mais valia'. E, sendo sonante - a sonância do nome, digamos -, à partida (embora esta condição não seja obrigatória), pronunciá-lo, citá-lo, proferi-lo, acresce frequentemente ao valor real do seu portador. Com efeito, às tantas, o nome pode ultrapassar - e de longe! - a obra em causa. Também se pode dar o contrário.
Estou em crer que o mundo actual em que vivemos, cujos media e multimedia são globais (a 'Teia global' como disseste no outro dia) produzem efeitos decisivos não só no 'nosso modo de percepção do real' como defendem e bem certos autores, mas no modo como somos pensados. O que é muito estranhamente inquietante é que muitas vezes andamos à volta de nomes. E às vezes usam-se como self service, mesmo os grandes. Muitas ilusões andam à volta disto. Mas estou só a levantar questões...
Não há dúvida de que gostamos de pronunciar nomes, nomes conceituados, seja jogadores de futebol, pensadores, etc., dependendo do nosso 'estar-no-mundo'. Mas gostamos da sonância de nomes estrangeiros. Veja-se, p.ex., os adeptos de futebol e jornalistas da televisão ou da rádio quando entram nomes novos e esquisitos de pronunciar; qual não é a sua excitação! Mas nos intelectuais também acontece. Em qualquer parte do globo, claro. E um nome pode subir e descer. Pode estar praticamente apagado durante a vida e eclodir postumamente. Pode estar na ribalta em vida e esbater-se depois. Pode não valer um chavo para uns e valer muito para outros. Pode ser o “Sócrates histórico e o Sócrates de Platão” (Vasco de Magalhães-Vilhena, O Problema de Sócrates). E o Cristianismo? Mas um nome também pode ser o de uma qualquer pessoa, anónima, que viveu dignamente e foi pessoa e mais nada, e isso é muito, mesmo, mesmo muito! Enfim, sei lá mais o quê?
Numa palavra: o que é isto - de os nomes?
P.S.: Vem a calhar dizer que o formidável livro Todos os Nomes de José Saramago é uma das minhas leituras literárias actuais.
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O nome “Damien Hirst”
A primeira retrospectiva na Tate Modern em Londres dedicada a Damien Hirst “…intitulada, simplesmente, Damien Hirst…” (no Público, por João Laia revista Ipsílon de 06/04/2012). Por mais estranho que pareça, este efeito de explosão da(s) imagem(s) acompanha-se de um outro efeito, inaudito e estranho também de implosão. Resultado: pode já não se estar a ver nada nessa ocasião. Isto não é platónico.
Ora, o problema que pomos aqui não é o mérito ou demérito da obra de Hirst, mas da necessidade de reequacionar as questões das imagens e dos nomes. E aí, Hirst é mais um no rol de milhares, milhões mesmo de nomes e imagens. Eis o que faz a diferença da nossa época em muitas coisas ainda impensada. Pensar aonde o pensamento falha. “Não se pode evitar”, escreve Nuno Crespo num texto da mesma edição do Público. E acerta. Mas eu acrescentaria: sim, mas isso faz parte da roda-viva de imagens e nomes que circula nos nossos dias, e que de facto não podemos evitar.

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Poderemos ler ainda a frase de La Rochefoucault do seguinte modo: o mérito de um autor, ainda que o tenha, e mesmo muito, pode não corresponder, ao mesmo tempo, ao mérito, sendo embora equivalente, que o mundo lhe dá. Por outras palavras, o nível de compreensão do mérito de um autor, ainda que seja devido e legítimo, pode não corresponder, ao que o mundo lhe dá, mesmo que este lhe seja equivalente. Trata-se provavelmente de tentar compreender como é que o "mesmo", tido como o não "aparente", pode, de algum modo, todavia, sê-lo, pelo que importa triar esta outra aparência do "mesmo", compreendendo de outro modo, agora, um outro "mesmo".
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"Perguntou-se como iria viver a sua vida daqui para diante, se voltaria às suas colecções de gente famosa, durante rápidos segundos apreciou a imagem de si próprio, sentado à mesa ao serão, a recortar notícias e fotografias com uma pilha de jornais e revistas ao lado, a intuir uma celebridade que despontava ou que pelo contrário fenecia, uma vez ou outra, no passado, tivera a visão antecipada do destino de certas pessoas que depois se tornaram importantes, uma vez ou outra tinha sido o primeiro a suspeitar que os louros deste homem ou daquela mulher iam começar a murchar, a encarquilhar-se, a cair em pó, Tudo acaba no lixo, disse o Sr. José, sem perceber naquele momento se estava a pensar nas famas perdidas ou na sua colecção."

Todos os Nomes (José Saramago)
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Imagem: pintura sobre madeira - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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