L.T. : Certamente o teu percurso académico pela engenharia e a respectiva componente das matemáticas, e outras, aliado aos outros caminhos que já fizeste (linguística, forte empenho e aprofundamento na filosofia ao longo de muitos anos, etc.), creio eu, permite-te um desenvolvimento singular, digamos assim, destas e outras questões que analisas. Isto para ficarmos por aqui, para não irmos para a teologia. O meu percurso é mais curto, dada a idade, e, quanto às matemáticas, de vez em quando espreito um compêndio antigo até às equações e inequações. E ainda assim dou uns tropeções. Portanto, acompanho alguns dos teus textos tanto quanto posso. Estou em crer que essas tuas bases sustentam e atravessam esses teus textos, a tua escrita, e são estruturais ao teu pensamento, embora não possa dizer como, dada precisamente a minha incompetência nessas matérias. Mas ao menos valha-me que já compreendo um pouco que não compreendo bem certas coisas. Portanto, é possível que, de vez em quando, o nível baixe no que me toca. Espero a tua compreensão, desde que por vezes eu consiga alguma questão interessante, como, de quando em vez, acontece. Passo a outra questão. Adio outras duas que germinaram com a última que enviei, pois por enquanto não consigo estruturá-las. Foi talvez esta dificuldade que me fez escrever as linhas acima: "(donde que não haja que esperar da parte deles grande aceitação)" (§38). Não direi que é frequente, mas costumas ter uns comentários deste género nas nossas conversas e mesmo nos teus textos. Isto é um sinal de: 1. conformação perante algo em que não há volta a dar? 2. uma subtil advertência de que estás consciente da dificuldade de compreensão (tão cedo, pelo menos) por parte de certos investigadores e mesmo filósofos relativamente aos teus textos? 3. ou uma incitação que lhes fazes à leitura dos teus textos, para não dizer um desafio, uma pro-vocação? E porquê?
02/03/2012
F.B. : É simples a resposta. Está contida em parte no que evocas do meu percurso variado. Também por não ser filósofo de formação (a não ser uma muito básica mas excelente no 1º ano do seminário, com um homem excepcional, o P. Honorato Rosa que chegou a ser professor convidado da Faculdade de Letras, sobre as Origens do Cristianismo sem ter um único diploma oficial, nem ter ido à faculdade, só estudou o curso geral dos seminários de 12 anos), isto é por ter chegado à Filosofia por via de questões.
Por outro lado, verifico que as pessoas, em ciências como em filosofia, são cada vez mais especializadas e têm grande dificuldade em sair para questões fora do que sabem, dificuldade em compreender, julgo que por causa do que aprenderam nos liceus, da filosofia imanente aos programas das várias disciplinas (dualismo tradicional do sujeito / objecto). E cada vez se lê menos, lê-se disperso e pouco. Ora, o que tenho feito implica não só essa saída por várias regiões em que as pessoas perdem o pé e podem também perguntar, legitimamente, 'mas o que é que este gajo sabe disto?' como uma reviravolta da maneira de pensar, como o Heidegger provocou e o Derrida, reviravolta essa que é muito difícil. Esta situação podia ser ultrapassada, claro, mas só com muito trabalho e portanto interesse nele, mas para isso seria preciso ser-se estimulado para tal, para lhe dar tempo, o que se faz para obras que são valorizadas por leitores que as leram e se empenharam com elas. O que talvez os meus textos não mereçam, mas que em qualquer caso é da ordem gratuita do acontecimento. Sem isso, os textos nem sequer são conhecidos, nem sequer um futuro póstumo se apresentará sem esse tipo de 'acontecimentos'.
2/3/2012
Imagem: pintura - obra plástica de Luís de
Barreiros Tavares
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