F.B. : Voltando à questão (antes de ter lido o teu § 45 - mensagem 45), 'porquê fenomenologia?'. É certo que a Fenomenologia de Husserl pode ter implicações estéticas, por exemplo, de descrição de obras de arte, ou noutras maneiras de abordar o mundo; isto é, o que chamo Fenomenologia é muito limitado, à aliança com as ciências na sua dimensão filosófica. Também é certo que, quer de Heidegger, quer de Derrida, tendo passado inicialmente pela Fenomenologia, não se pode dizer que sejam fenomenólogos (foi o que me objectaram dois filósofos perto de Derrida), mas nenhum deles 'cortou' com ela, que ficou lugar de passagem obrigatório do pensamento deles (tenho citações nesse sentido no Jogo das Ciências, § 13. 55,58). O que pretendo é que, com as ciências, eles prestam-se a reelaborar o campo da Fenomenologia fora do campo da consciência, do sujeito / objecto, de Husserl, como de Hegel, embora este com uma abertura à história que Husserl não. Mas ambos tinham as ciências em vista, só Heidegger se desinteressou delas, embora admitindo que o seu trabalho pudesse ter efeitos sobre elas. Derrida trabalhou essencialmente com Linguística, Psicanálise e Antropologia, teve em conta a Biologia molecular (tem um seminário sobre Fr. Jacob que não foi publicado, só a Física é que ficou fora da sua alçada, porque não tinha competência para tal) e visou, na De la Grammatologie, uma "ciência da escrita" de que a leitura de Rousseau na 2ª parte desse livro prodigioso, seria um exemplo. Ora, aconteceu-me há algum tempo pensar que o que eu fiz corresponde a esse desiderato que ele abandonou: no fundo, trata-se duma 'teoria da cena da inscrição' que a Gramatologia abriu, com desontologização ou des-substancialização em relação às cenas 'substanciais', digamos, da gravitação, alimentação e habitação (em vez das mentalidades, representações, sujeitos e objectos, tudo coisas ontoteológicas, intemporais). E corresponderia ao lugar da Physica em Aristóteles, filosofia com ciências. Resumindo: porquê Fenomenologia? porque vem na sequência de Husserl, Heidegger, Derrida, regressando ao desiderato do primeiro a) duma aliança entre Filosofia e Ciências, mas não 'fundadora' aquela destas, porque estas também intervêm 'filosoficamente', e b) dum retorno às coisas (que não se pode dizer que fosse ainda o de Heidegger nem de Derrida). Mas estas 'coisas', são o quê? Tudo o que seja 'objecto' de ciências, com a dificuldade de quando chegamos aos vivos, depois às sociedades e textos, as coisas complicam-se, as ciências são várias para uma só 'coisa', um humano ou uma máquina, que jogam em várias cenas, donde a dificuldade de dizer que se trata de 'descrever' fenómenos. Só que justamente não se trata de 'uma' coisa singular, já Aristóteles dizia que não há ciência do particular, com os seus acidentes, apenas da sua ousia, substância / essência. Ou seja, não há ciência de coisas singulares, mas das respectivas cenas: o que as ciências descobrem são regras de circulação dos singulares em cenas aleatórias.
11/03/2012
F. B. : Fiquei a pensar que pode achar-se presunçoso fazer a minha proposta de renovação da Fenomenologia corresponder ao projecto de gramatologia como 'ciência da escritura', do 'rasto', que Derrida abandonou. Acrescento a seguinte observação. No que eu fiz, a chave mestra é o motivo do duplo laço de Derrida. Ora, acontece que este motivo foi descoberto por ele em Glas (sobre Hegel e Genet) de 1974 e em La Carte Postale (sobre Freud) de 1980 e foi-o em termos gramatológicos, pelo que me parece claro ser um outro nome da 'différance', 'trace', 'suplemento', etc, dos tempos gramatológicos. Só que, nos anos 80, ele está mais polarizado por questões de ética e de política e menos de gramatologia e o seu uso do duplo laço faz-se em textos de ética e de política (quando o conheci, em Lisboa, em 1984, disse-me que os seus textos preferidos eram aqueles dois que citei e como eu só conhecia os primeiros, chamou a estes 'académicos'). É provável que não o tenha entusiasmado a ideia de voltar a pegar em questões gramatológicas. Portanto o que pode parecer presunçoso não é senão tentar preencher (à minha modesta medida, claro!) uma lacuna importante (a meus olhos).
11/03/2012
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Imagens: pinturas - obras plásticas de Luís de
Barreiros Tavares
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