quarta-feira, 30 de maio de 2012

83. Imagens ... Corpo ...



"A disputa entre pensadores é a «disputa amorosa» da mesma questão. Ela auxilia-os alternadamente a penetrar na simples participação no mesmo, a partir da qual eles encontram a docilidade no destino do ser."

Martin Heidegger, Carta sobre o Humanismo, trad. Pinharanda Gomes, Lisboa, Guimarães Ed., 1987, p.61

L.T. :
1. Sim, um dia falando com o José Gil, sobre questões do corpo e das imagens a propósito do que me intrigava quanto ao facto de não haverem pinturas e gravuras de humanos tão realistas, ou melhor, tão expressivas (só há esboços ou figuras mistas, antropozoomórficas, e até umas que sugerem E.T's. – seres um pouco extraterrestres - , etc.) como as dos animais na arte do Paleolítico Superior (se bem que também haja extraordinários grafismos abstractos, o que não vem agora aqui para o caso) ele falou do "corpo próprio" e deixou no ar esse exemplo do Lenhardt entre o missionário e o Caledoniano.

É um dos exemplos radicais de como, embora em contextos supostamente diversos (opostos?), um indivíduo considera uma mesma coisa como x, quando um outro indivíduo a considera como oposta a x, isto a supor o corpo e o espírito em oposição, quando na verdade quer-me parecer que esse tipo de oposição e separação se manifestou a partir, e talvez no momento, da interpelação do missionário ocidental ao Caledoniano. A questão da 'diferença' é porém aqui fundamental. Até que ponto não se tratará aqui da "«disputa amorosa» da mesma questão" de que nos fala Heidegger citado na epígrafe desta mensagem?
2. Bem, isso do "corpo são vísceras", também o Sto. Agostinho disse mais ou menos assim: “um saco de vísceras”.
3. “O corpo é limitado ao que está dentro da pele, definido pela pele”. Creio que o José Gil não estaria de acordo. Segundo me parece a posição que ele sustenta é diferente, senão quase oposta: o corpo não se limita aos seus contornos no sentido de que estes se traduzem na pele, embora paradoxalmente a pele seja importantíssima no corpo.
O mesmo para o objecto de arte quanto aos limites em termos das suas dimensões materiais “concretas” . Para a questão do corpo, há p.ex. o livro dele Movimento Total, o corpo e a dança e o Metamorfoses do corpo que referiste. Para o objecto de arte, entre outros, «Sem Título», escritos sobre arte e artistas (p. ex. relativamente a Malevitch e Duchamp). Mas não é isto que quero questionar aqui. Foi só uma nota.
5. Que são para ti as imagens?

30/05/2012

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F.B. : O corpo são vísceras no Sto Agostinho é grande apreço pela alma, em mim a companhia incomoda-me, mas no fundo bate certo: limitado ao que está dentro da pele. Ou seja, é por isso que eu não falo do corpo. Não é possível, na nossa língua ocidental, incluir o 'eu' no corpo: eu 'tenho' um corpo, não 'sou' um corpo.
Se eu ´sou' no mundo, não posso ser só corpo. O indígena respondeu com Platão e Aristóteles: foram eles que trouxeram o 'corpo' com a 'alma', isso eles não tinham. O 'espírito' seria algo de parecido com as coisas do J. Gil, mas não tinham 'corpo' (porque também não tinham alma, mas podiam confundi-la com o espírito).
Se eu sou cozinheiro, o meu corpo diz isso? que sei conduzir automóvel? o meu corpo é diferente do corpo do que não sabe? Ou seja todos os usos que aprendi e me fazem, de fora e cá fora, nada disso - que é 'corporal' - pode ser dito pela palavra 'corpo' (enquanto que as vísceras dá para entender quando levo o meu corpo ao médico). Sobre isto do médico, lê o 1º subcapítulo do cap. 15 do Le Jeu, sobre a saúde entre duas homeostasias: não deves encontrar lá a palavra 'corpo'. É uma palavra físico-química e para carícias.

Quanto à questão da 'imagem', tenho uma noção corrente, sem a menor elaboração (excepto em relação ao Sofista e à comparação com o discurso). São coisas que dantes só os artistas faziam e agora qualquer pessoa com uma máquinazinha barata. Mas não as há na percepção nem na mente. Quando te vejo, vejo-te a ti, não a tua imagem na minha retina. Não é do meu vocabulário, mas por razões diferentes do 'corpo' ou do 'sujeito', pelo paradoxo do meu ofício e do meu nome.

30/05/2012

F.B. : Sobre as imagens, há qualquer coisa no cap. 12 do Le Jeu
31/05/2012
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L. T. : Ver o meu texto na sequência da resposta de F.B. à questão da imagem, "Imagens, máquinas, técnica, conceitos, categorias, oriente, ocidente, zen, arte…":

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