terça-feira, 8 de maio de 2012

74. Sujeito / Objecto - oposição e / ou separação



-

L. T. : Uma questão que gostaria de colocar-te. Se há a pretensão de superar (mesmo em termos de Hegel: aufheben; por exemplo, o Derrida aborda este tema em Posições) a separação e/ou oposição "sujeito/objecto", ainda (recuo; passado), por um lado, e (avanço; futuro), por outro, se está a enunciá-los. Ou, no mínimo, a supô-los enquanto cada um de cada vez. Por via de consequência, está-se a opô-los, a separá-los? O 'recuo' e 'avanço' que referi tanto podem remeter para o tempo num registo cronológico, mas também espacial (mais propriamente em termos de extensão (?)), bem como, noutra perspectiva, para o espaço e o tempo kantianos, condições a priori de possibilidade, formas a priori da sensibilidade.

Claro que talvez se possa responder perante esta questão: "E daí? E então? Não percebo a questão. Aonde queres chegar?" Ou supondo-a como objecção, contra-objectar: "Com isto, por tua vez [eu, que neste caso é quem põe a questão] pretendes pensar sem oposição e/ou separação sujeito/objecto? E assim por aí fora?"


07/05/2012
-
F. B. : Excelente questão. A minha ideia é que a oposição sujeito / objecto é filha natural da alma / corpo e alma / mundo, todas resultantes da definição. E foi historicamente uma excelente coisa, a ontoteologia: Platão, Aristóteles, os espirituais, Agostinho, Tomás, e Occam, Descartes, Kant, Husserl. Mas não Galileu nem Newton, ou melhor não a Fìsica onde o 'sujeito' não está, na experimentação, nem esta é 'objecto', mas movimento que se mede.
Em filosofia, Marx, Nietzsche, Freud, Heidegger, são várias maneiras de pensar mais ou menos 'fora' dessa oposição.
O 'ser no mundo', que vem do Husserl mas lhe dá uma volta, é regressar (hoje, é claro) ao 'antes da definição' e ao 'antes da oposição' alma / corpo, alma / mundo, antes da ontoteologia, isto é, antes de se ser filósofo. Quando comemos, dormimos, nos apaixonamos, brincamos, rimos; quando lemos ou estamos no cinema, 'somos' o que lemos, o filme. Os miúdos ainda não estão nessa oposição, é no liceu que vão entrando nela, tanto mais quanto levarem os estudos a sério.
A dificuldade que tu pões é a de saber se podemos ou não 'sair' dela, que está em nós. Completamente? Não sei, o que será 'sair' completamente de oposições que nos estruturaram? Mas há coisas que se podem fazer.
Pensar como 'ser no mundo': é mais fácil para o que está longe de nós, pensar coisas de ciências, biologia, história, acontecimentos, sem privilegiar um 'ponto de vista', dos 'animais' ou dos 'actores'. Não é fácil, pede tempo para mudar perspectivas a completarem-se umas às outras. Por exemplo, tens filmes ou romances do ponto de vista dum personagem, se bem me lembro, o Sartre defendia que era a única maneira, não se ser romancista 'omnisciente' que conhece o íntimo de cada um deles. Mas há quem não perfilhe pontos de vista, espraiando a narrativa.
O mais difícil é a questão do dentro / fora, pois que é óbvio que, se fomos construídos assim, feitos pela escola 'sujeitos' que olham para o 'mundo lá fora', os outros e as coisas que usamos, não podemos renunciar ao privilégio que para nós é esta interioridade, que defendemos acima de tudo, que é a nossa maior evidência. Por vezes temos que sacrificá-la um tanto por alguém que amamos, uma coisa urgente a fazer, etc (pensando bem, muita gente anda o dia todo em corrida, fora de si, o 'man' do Heidegger). Ora, a questão do Ser e Tempo é que nós 'somos fora', somos no mundo. Isto é, a nossa interioridade, que privilegiamos (narcisicamente?), foi construída pelo mundo da nossa tribo. Os tais 'objectos' que estão fora, um copo que encho de água e bebo ou um automóvel em que me assento para o guiar, são pré-compreendidos, isto é, aprendemos (com outros copos e outros carros) a usá-los, somos já sujeito - com - objectos como condição de vivermos. É deste ponto de vista que acho que penso fora da oposição sujeito / objecto, porque não os há fora do contexto, nem eu nem os meus que amo nem a minha casa ou as coisas que utilizo todos os dias. O motivo do 'cuidado' também tem que ver com isto, e para começar, o Heidegger nunca o disse, tem a ver com sermos animais que têm que comer todos os dias, e em regra com outros.
É um pouco como a noção de campo em física, que é teoricamente prévia aos graves que o formam: o campo do sistema solar, os planetas e o sol, é feito pelas forças de atracção mútua deles; ou uma espécie biológica é prévia teoricamente aos indivíduos, sem ser nada fora deles; no nosso caso, é a sociedade que nos é prévia, os seus usos, a língua, só sendo em todos os que a compõem, ela que os faz 'sujeitos' mas sem nunca os deixar serem 'almas' isoladas (em nós ela constrói essa 'alma narcísica'). A sociedade não existe, dizia a Margaret T., de facto não se vê, mas é poderosíssima.
O que eu não posso fazer, creio, é dizer 'eu penso', 'eu digo', 'eu escrevo', 'eu faço', portanto na minha evidência de distante do mundo, fora dele, na chamada 'primeira pessoa' e simultaneamente saber-me ser no mundo como toda a gente, isto é, na '3ª pessoa'. Ou Descartes ou Heidegger.

07/05/2012
-




Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

Sem comentários:

Enviar um comentário