quarta-feira, 9 de maio de 2012

75. Recuando à mensagem 65. Textualismo, textualidade e pragmatismo.




L. T. : Quanto à mensagem 65, onde se fala da metalinguagem, poder-se-á colocar a questão em termos de textualismo em Derrida segundo o Rorty? Por outro lado, Eduardo Lourenço tece umas críticas ao que chama de textualidade no seu livro O canto do signo.
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F. B. : Confesso que não sei o que é que "Rorty afirmou do Derrida no que diz respeito ao textualismo". Logo se vê.
O Espelho da natureza do Rorty, único livro dele que li, era muito claro e foi lá, há uns 30 anos, que percebi a crítica da 'mente' como uma 'cena', foi um passo importante na minha lenta e longa caminhada, devo-lhe isso (na altura fiz-lhe uma recensão). Mas o que me espantou foi ver como ele utilizava o Heidegger (com o Dewey que não conhecia) para criticar a filosofia analítica donde vinha para depois ficar em 'conversa', recusa absoluta de qualquer pensamento filosófico. O que mostra que fora da F. A. ele não ficou vazio, o que é extremamente eloquente sobre a filosofia americana.

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L. T. : Sobre a crítica do Rorty ao textualismo em Derrida confesso que conheço muito pouco. Nem sei se é uma questão relevante. Mas se o Umberto Eco algures escreve que qualquer texto, seja ou não de um autor de nomeada, encontrado até num lugar esconso de um alfarrabista, pode a dada altura ser oportuno e servir melhor ou pior uma argumentação, citação ou leitura, recorro ao texto que segue (encontrei-o Google) parecendo-me útil para este propósito. Por exemplo, pode ler-se nas páginas 12 e 13 do texto de Henrique Miguel de Melo Carvalho numa tese orientada por António Feijó algumas linhas que segundo me parece ajudarão neste sentido. O link é indicado de seguida:
Deixo somente algumas linhas desse texto com uma frase de Rorty:
“(…) a posição comum para que tanto a filosofia analítica como a metafísica tendem pode, de acordo com Rorty, ser agrupada sob a designação comum de “textualismo” e que é a posição partilhada por:
«people who write as if there were nothing but texts» [acrescento uma possível tradução: aqueles que escrevem como se não houvesse nada mas apenas textos; não consegui identificar a obra, pois faltava a bibliografia]
Ao grupo dos textualistas Rorty junta nomes como os de Derrida ou De Man (cf. idem: idem). Isso indica-nos que o que designámos anteriormente por desconstrucionismo poderá corresponder ao que Rorty designa por textualismo. Além disso, se seguirmos a mesma ordem de ideias, o conceito de pós-modernidade corresponderia nesse caso ao conceito negativo de filosofia que a filosofia analítica produz a partir do momento em que decide assumir todas as consequências da teoria dos jogos de linguagem, adoptando para isso uma configuração pragmaticista; uma hipótese que é entretanto reforçada pelo facto do conceito de pós-modernidade, ele próprio, também surgir como um aceitar das consequências da teoria de Wittgenstein. Torna-se assim possível fazer equivaler o formato da posição textualista ao do desconstrucionismo e a noção de pós-modernidade à situação de pós-filosofia que, de acordo com Rorty, surge como uma condição necessária do pragmatismo em que a filosofia analítica tombou.”
Virando a página: Sobre outras questões vou citar uns bocadinhos do livro do Rorty após reler algumas páginas (Richard Rorty, A Filosofia e o Espelho da Natureza, trad. Jorge Pires, Lisboa, Dom Quixote, 1988):
"Devemos a noção de uma «teoria do conhecimento» baseada na compreensão dos «processos mentais» ao século dezassete, especialmente a Locke. Devemos a noção de «mente» como entidade distinta em que ocorrem «processos» ao mesmo período, especialmente a Descartes. Devemos a noção da filosofia como tribunal da razão pura, sustentando ou negando as pretensões do resto da cultura, ao século dezoito e especialmente a Kant, mas esta noção kantiana pressupunha o assentimento geral às noções lockianas de processos mentais e às noções cartesianas de substância mental. No século dezanove, a noção da filosofia como uma disciplina fundamental que «funda» as pretensões ao conhecimento foi consolidada nos escritos neokantianos. Os protestos ocasionais contra esta concepção de uma cultura que precisa de ser «fundamentada» e contra as pretensões de uma teoria do conhecimento em efectuar essa tarefa (por exemplo, em Nietzsche e em William James) ficaram, na sua maior parte, por ouvir. A «Filosofia» tornou-se, para os intelectuais, um substituto da religião. Era a área da cultura em que se tocava o fundo, em que se encontrava o vocabulário e as convicções que permitiam explicar e justificar a actividade própria como intelectual, e descobrir assim o significado da vida pessoal.
No início do nosso século, esta pretensão foi reafirmada por filósofos (nomeadamente Russell e Husserl) que se preocupavam em manter a filosofia «rigorosa» e «científica». Mas havia uma nota de desespero nas suas vozes, uma vez que, por essa altura, era quase completo o triunfo dos laicos sobre as pretensões da religião. Assim, o filósofo já não se podia ver a ele próprio na vanguarda intelectual, como protector dos homens contra as forças da superstição. Além disso, ao longo do século dezanove, havia surgido uma nova forma de cultura - a cultura do homem de letras, do intelectual que escrevia poemas, novelas e tratados políticos, e críticas aos poemas, novelas e tratados das outras pessoas. Descartes, Locke e Kant tinham escrito num período em que a secularização da cultura era tornada possível pelo sucesso da ciência natural. Mas, nos primórdios do século vinte, os cientistas haviam-se distanciado da maioria dos intelectuais, tanto como os teólogos. Os poetas e os novelistas tinham ocupado o lugar dos pregadores e dos filósofos como educadores morais da juventude. Em resultado, quanto mais «científica» e «rigorosa» se tornava a filosofia, menos ela tinha a ver com o resto da cultura e mais absurdas pareciam as suas pretensões tradicionais." (da introdução, p.16)
(...)
"Wittgenstein, Heidegger e Dewey concordam em que a noção do conhecimento como representação exacta, tornada possível por processos mentais especiais e tornada inteligível através de uma teoria geral da representação, deve ser abandonada. Para os três, são anuladas as noções de «fundamentos do conhecimento» e da filosofia centrada na tentativa cartesiana de responder ao cepticismo epistemológico." (da introdução, p.17)
(...)
"As discussões em filosofia da mente começam habitualmente por assumir que toda a gente sempre sempre soube como dividir o mundo em mental e físico - que esta distinção é de senso comum e intuitiva, mesmo se aquela entre duas espécies de «substância», material e imaterial, é filosófica e desconcertante. Assim, quando Ryle sugere que falar de entidades mentais é falar de disposições para o comportamento, ou quando Smart sugere que o mesmo é falar de estados neurais, eles têm contra si dois ataques. Por que razão, caso seja verdadeiro algo como o behaviorismo ou o materialismo, eve haver algo como esta distinção intuitiva?" (Cap. I, A invenção da mente, 1. Os critérios do mental, p.25)

2. Quando à crítica de Eduardo Lourenço à textualidade, quero fazer uma rectificação. Do seu ponto de vista trata-se antes de uma crítica a uma certa crítica literária com base sobretudo numa cientificidade linguística, não se reportando à questão da linguística (fundamentalmente saussuriana) nas suas relações com a filosofia, etc., sendo esta perspectiva um dos estudos que fizeste, creio, na Epistemologia do Sentido, entre outros textos. Seria portanto um mal entendido relacionar a crítica do Lourenço a uma certa textualidade fundada na linguística com as tuas reflexões onde a dita linguística é mais uma disciplina, decisiva diga-se, entre outras nas suas articulações filosóficas propondo-se e abrindo-se caminho para o que designas por "nova fenomenologia". Por assim dizer são caminhos, linhas de pensamento diferentes.
Neste sentido, no que diz respeito à essência da literatura, do imaginário literário e crítica de uma certa crítica literária, conforme referi acima, gostaria de deixar aqui uns extractos extraordinários do texto “Crítica textual e morte do texto” (escrito em 1975) no livro de Eduardo Lourenço O Canto do Signo, existência e literatura (1957-1993), Lisboa, ed. Presença, 1993.
“A realidade do texto é esgotada pela operação que reconstitui a lei imanente da sua produção textual. O conhecimento que esta conversão do texto à sua textura permite pode comparar-se ao do histologista em presença de uma célula morta. Ou melhor ainda, ao conhecimento palpável que tem um cego de um tecido tornado familiar pelo percurso táctil, indefinidamente reversível. É que, justamente, a redução do texto à textura acaba por ser uma espécie de conhecimento cego, prisioneiro da pura materialidade textual, a qual está longe de coincidir com o texto. Na realidade, a textura não é o texto. A crítica hipnotizada pela textualidade é, ao fim e ao cabo, mais opaca (ou em sentido lato, alienante) que a antiga crítica impressionista, crítica do prazer do texto, tradiamente reabilitada por um homem a quem a textualidade pura, aliás, nunca fascinou [E. Lourenço refere-se a Roland Barthes, autor de O prazer do texto]. O que a textualidade, oferecida como realidade literária, recalca é a essência mesma de todo o texto literário, quer dizer, a sua natureza fictícia, quer dizer ainda, a sua imperativa irrealidade.
A mitologia da textualidade, com as suas consequências formalistas, consiste em tratar como realidade objectal o acto através do qual nós nos separamos do real nomeando-o, isto é, a linguagem mesma. Isso permite o recurso ao modelo linguístico como se tal recurso fosse o único pertinente e científico. Mas a linguística só é ciência da linguagem objectivada e ritualizada. Não abre o espaço onde o texto literário nasce como texto, espaço que não é propriamente linguístico mas imaginário. A operação própria da invenção literária não consiste em qualquer actualização verbal e muito menos na sua redistribuição segundo um código explicitável, mas na recusa do possível verbal. É uma operação de certo modo inversa da que cumpre a linguagem enquanto instância que nomeia ingenuamente a realidade.p.67
(...)
“ Só a linguagem não-literária (que no limite só ao enunciado científico corresponde) é realmente texto, produção e produto de um enunciado em função de um sentido prévio e intencional.” p.68
(...)
“Garrafa deitada ao mar para a sede imaginária e futura de um outro, só na sede simétrica da origem (inacessível) a mensagem bebida (e não apenas decifrada) alcança o estatuto da ficção, morte do texto por excesso de vida.” p.69
Finalizando o texto assim: "«L'écrivain ne sait jamais si l'oeuvre est faite» escreveu Maurice Blanchot. Os que se hipnotizam sobre a textualidade declaram acabado o inacabado e inacabável. Assim se instalam na ficção crítica. Ou antes, na pseudoficção pois se toma pelo discurso da realidade mesma. A verdade (a da Obra) fica onde está e sempre esteve: na ficção que é a forma suprema de tomar a realidade a sério. A realidade real, não a dos «textos»." p.69

Vídeo: Entrevista a Derrida - On American Attitude
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Vídeo: Entrevista a Rorty - Pragmatism



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Cortesia Youtube: http://www.youtube.com/watch?feature=endscreen&NR=1&v=VDGHiZxcR8c


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O final extraordinário de uma entrevista concedida por Eduardo Lourenço a António José Teixeira em Agosto de 2011, sobre o Catolicismo, o Cristianismo, Europa, Mundo, a crise actual, a questão da morte hoje, etc:



Cortesia Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=ANtzoCadnOY&feature=relmfu





Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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