sexta-feira, 18 de maio de 2012

79. Filosofia e ciências. O dentro e o fora. A definição e o antes da definição. A fala e a escrita...




L.T. : 1) Expliquei-me mal sobre a definição no Heidegger (ver mensagem 77), pois já era claro para mim, com as nossas conversas e os teus textos, que ele não a defendia. O que queria principalmente dizer é que dás importância à definição, quando ele, pelo contrário, não dava, como já mo havias dito.
2) " (...) porque eles andaram sempre, apaixonadamente, dentro e fora da filosofia." Quanto ao andar dentro e fora da filosofia, esse parece-me ser um dos seus problemas também (precisamente da filosofia), pois ela mesma tende a andar dentro e fora. O que por si só não dificulta. Dificulta quando essa pretensão se opera por vezes um pouco como se não o fosse. Mas não sei se é bem isto. É o tal problema dos filósofos e pensadores serem muitas vezes acusados de quererem meter o nariz aonde não são chamados e caírem em generalidades. Estas acusações porém, são feitas o mais das vezes por gente pouco capaz. Mas nem sempre. E a tendência destas discussões é a de perder o nível. Os cientistas especialistas devem pensá-lo frequentemente pela calada, ou até mesmo inconscientemente, relativamente a uma certa figura do que supõem ser o 'intelectual', o 'filósofo'. E porque não principalmente a respeito do epistemólogo, na sua cumplicidade de trabalho, o dito filósofo das ciências? Para já não falar nos filósofos e pensadores entre eles que também se vêem uns aos outros como tais sem se aperceberem, e que nas suas demarcações e territórios não dão por que são o mesmo nessa quase obsessão de se diferenciarem e até de se oporem. É curioso também que a maior parte dos cientistas hoje nas suas hiper-especializações, digamos, como que padecem de uma espécie de cegueira, tão virados que estão para a universalidade (seguindo o que diz o Aristóteles) quando quase só vêm a sua hiper-especialidade. Mas acho esta questão muito delicada, e para já não consigo e não disponho de argumentações fortes. Por outro lado não sei francamente se ela leva a algum lado. O que me parece é que quando se funciona assim e se discute assim, é o pensamento que fica principalmente a perder. Isto foi mais um desabafo.
No entanto, queria só sublinhar as duas primeiras linhas deste ponto 2) que creio tratarem de uma questão importante.
3) Não percebo bem quando dizes "lugar fulcral da definição, como operação violenta da escrita" quando a definição advém, segundo me parece, do germinar desde Sócrates e Platão (culminando em Aristóteles esse germinar e prosseguindo como tradição ocidental; mas não quero focar aqui o Estagirita) com o logocentrismo e fonocentrismo analisados pelo Derrida. Logocentrismo e fonocentrismo decisivos na definição tendo em conta a célebre teoria dos eide no Platão (Idea, Eidos...). "Eide celestes", como fazes questão salientar. O meu problema é que me parece que não estou a ver o alcance do que queres dizer quando mencionas aí a 'escrita'. Ou talvez não esteja a situar bem a questão. Mas isso talvez seja problema meu. De qualquer modo deixo aqui a dúvida.
4) Qual era o debate com o Fernando Gil?

16/05/2012


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F.B. : De forma muito geral e rápida, a questão do 'dentro e fora' da filosofia põe-se porque ela 'pariu' quase tudo na civilização actual, deitou de 'dentro dela' para fora, ciências e administrações. E hoje todos estes 'filhos naturais' não sabem que o são, acham-se pois 'de fora', autónomos (o que é bom para eles). Se os filósofos querem meter o bedelho no paradigma das ciências, no que é deles, filósofos, obviamente que serão mal vistos... Comigo, tenho uma defesa, meti as ciências também na filosofia que indaga.
3) a questão da escrita é simples: a definição é uma operação de linguagem, de escrita (se tivesse ficado na oralidade do Sócrates, não saberíamos dela, não tinha havido nada). A violência manifesta-se, por exemplo, na instituição da escola, da Academia e do Liceu, na dificuldade pedagógica imensa que é a 'abstracção' que ela provoca: sem definição, não passaria de literatura, que já havia, muita e boa, antes da definição e não precisou nunca de escola. É o meu ponto aliás em relação ao Heidegger, não sou nenhum nostálgico do antes da definição (nem creio que ele o fosse, mas com o japonês, quase parece)
4) O debate com o Fernando Gil foi sobre uma conferência que ele fez na Faculdade defendendo que as ciências sociais tinham como objecto o 'singular', que as ciências naturais não. Respondi-lhe e ele respondeu-me, vem no livro dele Mediações (INCM), sem o texto inicial dele. Constou-me que terá dito, quando editou este livro, que eu tinha mais razão do que ele.

17/05/2012

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L.T. : Porquê a relação que estabeleci entre definição e a oralidade? O que me traz perplexidade é saber se o "diálogo interior e em silêncio [o aneu phônês, que abriu este blogue como ponto de partida] que a alma tem consigo mesma, recebendo o nome especial de pensamento" (Platão, Sofista, 263 e) reenvia para o que é considerado 'oralidade'. Veja-se no Fedro a prioridade do oral, ou da fala sobre a escrita -, tendo a oralidade relação com a alma, esta remetendo por seu turno para os eide celestes, e estes para a definição.
Mas agora creio perceber melhor a tua resposta. É que quando escreves "lugar fulcral da definição como operação violenta da escrita" subvertes, de uma assentada - num duplo gesto - qualquer possibilidade de pretensão radical de opor 'escrita' e 'fala'. Mais ainda, subvertes o gesto que, de uma maneira ou outra, pretende instituí-las (numa doxa filosófica?) enquanto separadas segundo uma certa tradição.


18/05/2012

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Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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