quinta-feira, 21 de junho de 2012

89. Continuação: a 'trace' (rasto) e o silêncio...



F.B. : A questão da 'trace' (rasto) e do silêncio é uma boa questão. Implica saber o que é 'silêncio'.
Por um lado, é a ausência de sons, mas uma ausência, em regra, intermitente, temporária (em todo o lado há ruídos). Define-se em relação ao som, como o seu outro, e nesse sentido releva também do que se chama o sensível (como o escuro releva da luz). Em relação a esta definição de silêncio, o rasto derridiano não é nem sonoro nem silencioso.
Limitando-nos à questão da linguagem, o rasto é o (não) movimento - espaço-temporalização - que produz as diferenças significantes, diferença entre sensíveis: portanto não é 'sensível', é nada. Nada não é luminoso nem escuro, nem sonoro nem silencioso.

A outro nível, acima desta diferença no Sofista (tua primeira questão neste bLogos), o silêncio é algo que as escolas místicas, do pouco que delas sei, cristãs, buscam e têm muita dificuldade em conseguir, há métodos de evitar devaneios para prosseguir em meditação, mas na 'contemplação', chegar a um verdadeiro silêncio, sem pensamento, é extremamente difícil, busca-se durante anos e anos. Ora bem, se se chegar lá, talvez não muito tempo, que sei eu?, pode-se dizer que o jogo do rasto se interrompe? que esse silêncio seja silêncio do rasto? Não tenho a certeza. Complexa questão. Uns dias depois leio nas Marges do Derrida, p. 21 da ed. fr., que "não há rasto consciente", o que me parece indicar que, o silêncio relevando sempre da consciência, não haverá silêncio do rasto. Aliás, para haver, seria necessário diferenciar 'rastos' segundo a neurologia: o do jogo anatómico e fisiológico dos neurónios, que obviamente nunca se interrompe, mesmo depois de morto enquanto não houver decomposição bioquímica, e o do que se inscreveu e inscreve neles como consciência e memória; ora, se há muitos 'rastos', claro, num mamífero vivo eles enxertam-se uns nos outros de maneira que não podemos saber. Complexa questão ainda mais, mas esclarecida porventura a de que algum silêncio possível a um humano (também há o do sono lento sem sonhos) escape ao jogo do rasto.


20/06/2012


L.T. : Sim, também me parece uma questão complexa. Mas a tua resposta abre boas pistas. Para já não sei falar mais disto. Deixo só uma última nota curiosa. Ontem, antes de receber esta tua resposta, lembrei-me de consultar o texto do Derrida "La voix qui garde le silence" (cerca de 20 páginas) no La voix et le phénomène, PUF, 1993. O que é curioso é que - e sem tirar quaisquer conclusões - nesse texto, a palavra 'silêncio' só é empregue uma vez, se não estou em erro. É certo que não é frequente. Vem na primeira frase sendo a segunda palavra seguindo-se ao artigo definido: "Le «silence» phénomènologique..."

21/06/2012

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Imagem: foto-escultura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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