sexta-feira, 22 de junho de 2012

90. Cristianismo. Apalpando terreno...



L.T. :
Apalpando terreno.
Estive ontem a escrever um texto, talvez especulativo ou abstracto demais, sobre uma passagem do Agamben citando o Paulo. Mas prefiro adiar um pouco e ver melhor se interessa. Entretanto envio umas questões sobre essa passagem e uma tua do blogue do Cristianismo.

1. « La Bible hébraï­que est autre chose, sans doute difficile à discerner par ceux qui sont de tradition chrétienne. J'étais parti moi aussi pour lire l'an­cien Testament; que ma lecture ait re­trouvé la Bible hé­braï­que est l'une des heureu­ses dé­cou­vertes de l'aventure qui fut l'écritu­re de ce texte. La Bible hébraïque, c'est la Bible des Juifs sans plus, c’est-à-dire la Bible 'sans' le christianis­me. Mais ce 'sans' est à lire à l'an­glaise, without,, comme Der­rida le fait quel­que part, à fin d'es­sayer d'éviter l'inévi­table tendance chrétienne de croire qu'il man­que quelque chose à la Bible hébraï­que: la Bi­ble hébraï­que est la Bible des Juifs plus (with) le fait de n'avoir pas (out) le christia­nisme
[3]. Le nouveau Testament, tout en ajou­tant des choses impor­tantes à l'an­cien Testament, lui a aussi en­levé d'autres, l'a appauvri, et du même pas s'est appauvri soi-même. Ce sera pour une autre fois.»

"[3] Le motif du paradigme a eu des avantages nets dans l'histoire de l'épisté­mo­logie des sciences de notre siècle: d'une part, il a permis de dé­pas­ser les con­ceptions autour des seuls énoncés théoriques et de leurs vé­rifica­tions, en ac­cordant la primauté au contexte, d'autre part il a étendu cette no­tion de con­texte aux instruments, aux murs des laboratoires, aux manuels de formations des scientifiques, à leurs stratégies (scientifiques et autres) dans les choix des problèmes, et ainsi de suite. Mais il l'a délimité aussi très vite: en opposant trop les paradigmes se succédant, en n'accordant pas d'attention aux ques­tions du contexte civilisationnel et philosophique, comme le faisait à la même époque M. Foucault, par exem­ple. Je l'utilise ici, à un stade d'introduc­tion, où ma stratégie est d'attirer le lecteur à pour­suivre une lecture de quel­ques centaines de pages, mais il sera facile de s'aviser que ce que je propose­rai voudrait déborder ces limi­tes paradigma­tiques."

in « Questions au christianisme»: http://phenomenologiehistorique.blogspot.pt/
2. “«comme sans loi, non sans loi de Dieu, mais dans la loi du messie» (hos anomos, me on anomos theou, all’ennomos christou) [Paul ,1 Cor 9, 20-23]. Celui qui se tient dans la loi messianique est non non-dans la loi” (Giorgio Agamben, Le temps qui reste, un commentaire de L’Épître aux Romains, trad., Judith Revel, Paris, Rivages, 2004, p.91)
Será viável algum diálogo entre estes dois trechos em termos por exemplo de “Bíblia hebraica” (cinco vezes no teu trecho), “cristianismo”, “’sem’ o cristianismo” (Belo), “sem lei de Deus”, “na lei do messias” (Paulo) e “lei messiânica”, “não não-na lei” (Agamben)?
Faz sentido perguntar como pensas estes motivos supondo que há alguns que poderão questionar-se entre si? Tentando simplificar, como se jogam estas e outras questões na compreensão do Cristianismo?
21/06/2012

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F.B.: Excelente questão! Essa citação foi escrita há quase vinte anos e na altura não saberia explicar-me como agora me desafias a tentar. Do ponto de vista da interpretação de textos, do que se chama hermenêutica, é um fenómeno espectacular: as mesmas letras da Bíblia hebraica tornam-se noutro texto no Antigo Testamento da Bíblia cristã...
Terei que ser breve, o texto donde tiraste essa citação, no meu blogue,poderá ajudar a compreender quem estiver interessado. Nós laicizámo-nos, separámos religioso e social, político, mas antes dos séculos XVIII-XIX, isso não existia, senão talvez no helenismo romano. Religioso e político eram indissociáveis. A propósito do I século, o exegeta judeu Folker Siegert escreveu lapidarmente que “o Judaísmo não é uma religião, é um povo”. A Bíblia hebraica é um livro político, em que Deus e os profetas são os actores principais, em vista da reforma ética e espiritual da sociedade hebraica (a 'aliança', no livro do Deuteronómio). Essa reforma segundo a justiça, que deveria fazer de Israel uma nação justa e autónoma face às outras nações vizinhas, falhou e desde o início do séc. VI a.C que Israel foi parte de impérios mais fortes, até aos Romanos no sec. I aC. Esse falhanço punha em causa a promessa de Yahvé, o Deus hebreu, e foi por acreditarem que a única maneira dele mostrar que 'era' o Deus de Israel (como hoje se fala em Deus existir ou não) era ele próprio intervir na história através dum 'ungido' (como o rei David), em aramaico 'messias', que surgiu a literatura apocalíptica ou escatológica. Tanto João Baptista, como Jesus e Paulo perceberam que os Romanos eram invencíveis (e de facto foram-no durante mais alguns séculos) e portanto acreditaram firmemente que o Reino definitivo de Deus estava para breve, Paulo enquanto era vivo, Marcos durante a geração dos que conheceram Jesus. O novo Testamento também é político (conflito permanente com as autoridades, manifestação messiânica em Jerusalém que leva à prisão e execução de Jesus), de maneira diferente da nossa de conceber a 'política', é claro.
O 'fim do mundo' em que eles acreditavam é totalmente político, Reino. A diferença entre Jesus e Paulo, é que aquele só pensou em termos de Israel e Paulo levou a escatologia para os Gentios também, desligando-os da parte 'antropológica' hebraica, da dita Lei. Sem que Agamben dê importância a esta fé escatológica, o que ele caracteriza no seu lindíssimo livro é a maneira de viver usando como se não se usasse, desligando das riquezas e glórias do mundo que estava para acabar 'no tempo que resta', hebreu que ele era e não grego (embora com cultura helenista).
Ora esta concepção foi arrasada, as duas ou três gerações seguintes tiveram que se organizar de modo a durarem historicamente sem que a escatologia se tivesse realizado como se esperara: a nova aliança também falhou, o evangelho de João relançou-a. E depois veio o Platão de Orígenes que 'salvou' o cristianismo, tornando-o grego, despolitizando-o e desmaterializando a Bíblia. Ora, só considerando a Bíblia hebraica me parece possível restituir estas coisas.
Acrescento apenas que não sou um nostálgico do cristianismo primitivo, apenas um leitor interessado, mais intelectual do que espiritual, digamos (o que pode levar a reticências legítimas de quem seja crente).

23/06/2012


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Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares


quinta-feira, 21 de junho de 2012

89. Continuação: a 'trace' (rasto) e o silêncio...



F.B. : A questão da 'trace' (rasto) e do silêncio é uma boa questão. Implica saber o que é 'silêncio'.
Por um lado, é a ausência de sons, mas uma ausência, em regra, intermitente, temporária (em todo o lado há ruídos). Define-se em relação ao som, como o seu outro, e nesse sentido releva também do que se chama o sensível (como o escuro releva da luz). Em relação a esta definição de silêncio, o rasto derridiano não é nem sonoro nem silencioso.
Limitando-nos à questão da linguagem, o rasto é o (não) movimento - espaço-temporalização - que produz as diferenças significantes, diferença entre sensíveis: portanto não é 'sensível', é nada. Nada não é luminoso nem escuro, nem sonoro nem silencioso.

A outro nível, acima desta diferença no Sofista (tua primeira questão neste bLogos), o silêncio é algo que as escolas místicas, do pouco que delas sei, cristãs, buscam e têm muita dificuldade em conseguir, há métodos de evitar devaneios para prosseguir em meditação, mas na 'contemplação', chegar a um verdadeiro silêncio, sem pensamento, é extremamente difícil, busca-se durante anos e anos. Ora bem, se se chegar lá, talvez não muito tempo, que sei eu?, pode-se dizer que o jogo do rasto se interrompe? que esse silêncio seja silêncio do rasto? Não tenho a certeza. Complexa questão. Uns dias depois leio nas Marges do Derrida, p. 21 da ed. fr., que "não há rasto consciente", o que me parece indicar que, o silêncio relevando sempre da consciência, não haverá silêncio do rasto. Aliás, para haver, seria necessário diferenciar 'rastos' segundo a neurologia: o do jogo anatómico e fisiológico dos neurónios, que obviamente nunca se interrompe, mesmo depois de morto enquanto não houver decomposição bioquímica, e o do que se inscreveu e inscreve neles como consciência e memória; ora, se há muitos 'rastos', claro, num mamífero vivo eles enxertam-se uns nos outros de maneira que não podemos saber. Complexa questão ainda mais, mas esclarecida porventura a de que algum silêncio possível a um humano (também há o do sono lento sem sonhos) escape ao jogo do rasto.


20/06/2012


L.T. : Sim, também me parece uma questão complexa. Mas a tua resposta abre boas pistas. Para já não sei falar mais disto. Deixo só uma última nota curiosa. Ontem, antes de receber esta tua resposta, lembrei-me de consultar o texto do Derrida "La voix qui garde le silence" (cerca de 20 páginas) no La voix et le phénomène, PUF, 1993. O que é curioso é que - e sem tirar quaisquer conclusões - nesse texto, a palavra 'silêncio' só é empregue uma vez, se não estou em erro. É certo que não é frequente. Vem na primeira frase sendo a segunda palavra seguindo-se ao artigo definido: "Le «silence» phénomènologique..."

21/06/2012

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Imagem: foto-escultura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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segunda-feira, 18 de junho de 2012

88. A 'trace' e a questão do silêncio...



L.T. :
Pegando por exemplo no § 35 do La Philo e no § 22 do Seja um texto de paixão. neste segundo caso sei que tratas disto noutros textos, mas não encontrei as minhas notas que o assinalam e assim recorri a este livrinho.
Para não estar a transcrever tudo cito só umas partes:

"Só os vestígios ou marcas nos são dados, o traço ou movimento nunca se dá como tal, nem presente em si ou no passado que passou, nem ausente, já que traça (...), é nada que deixa rastos (...) (sublinhei)" S.T.P., §22

"Seules les différences comptent. Or ces phonèmes et ces lettres sont retirés strictement de la scène du sens de la comunication, d'eux mêmes ils ne veulent rien dire, ne sont non plus l'image de rien (...)" La Philo avec Sciences, §35

Pode-se dizer que nas repetições de diferenças significantes, por exemplo dos fonemas (letras na escrita) que compõem palavras, etc., que não são imagens de nada e não significam nada também se inscrevem ou se traçam o que poderíamos chamar 'silêncios'. Por outras palavras, como que é se pode - se se pode - considerar a questão do 'silêncio', ou melhor dos silêncios naquele jogo de repetições de diferenças que assinalei acima nas suas caracterizações conforme mostras nos trechos citados a par da questão da trace? Porque é que faço esta pergunta? Porque do meu ponto de vista, a questão do 'silêncio', ou dos 'silêncios', se quiseres, é crucial a vários títulos nos dias de hoje, bem como o 'ruído' que com ele tem afinidades... E já o Platão o aborda noutro contexto ( Sofista, 263 e) com o diálogôs aneu phônês (διάλoγoς ἂνευ φωνῆς).

Em poucas palavras, como pensas a possível questão do 'silêncio' ou dos 'silêncios' no movimento da trace nos contextos que se distanciam do fonocentrismo e do logocentrismo inaugurados por Platão segundo Derrida (ver também F.B., Filosofia e ciências da linguagem, Lisboa, Colibri, 1993, p.87)?

17/06/2012



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F. B. : Vou ter que pensar um pouco, nunca me ocupei da questão.

19/06/2012

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L.T. : Talvez não tenha grande interesse para essas abordagens.

19/06/2012

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Imagem: escultura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

sexta-feira, 15 de junho de 2012

87. Cristianismo e Platonismo



L.T. :
Para não complicar muito cito um manual simpático: Juan. M.N. Cordon e Tomas Calvo Martinez, História da Filosofia, 3 Vol. Ed.70: “A concepção cristã do homem incluía três elementos fundamentais: que o homem foi feito à imagem de Deus, que a alma é imortal e que, no fim dos tempos os corpos ressuscitarão. Esta última afirmação revelava-se particularmente estranha para o pensamento grego.” (p.82)
(…) “A incompatibilidade com o Platonismo procede de dois elementos específicos da doutrina cristã: em primeiro lugar, é o homem completo e não apenas a alma que foi feito à imagem de Deus; em segundo lugar, a doutrina da ressurreição dos corpos não permite afirmar que o estado natural e definitivo da alma seja o de uma existência desencarnada.” (p.88)
O pensamento de Platão sustenta a imortalidade da alma assente na sua pré-existência bem como na sua existência para além da morte (Fédon, 77b-78a). Imortalidade e separação, mas na condição de reencarnação, como por exemplo também no Fédon (80a-82b), em animais, deuses e homens consoante a variedade das circunstâncias, e no mito de Er no final da República (614b-621d), ambos os livros com algumas variantes que não vem para o caso explicitar. Ao passo que no Cristianismo é um todo alma-corpo que está em questão, tudo me levando crer, nas minhas limitações nestas matérias, que o tema cristão da ‘pessoa’ é aí fundamental.
Como é que lês as diferenças entre o Platonismo e o Cristianismo quanto à reencarnação das almas no primeiro e à ressurreição dos corpos no segundo?
14/06/2012
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F. B. : A questão posta assim implica que há duas coisas separadas e diferentes, o Cristianismo e o Platonismo. Aceitando que o platonismo é susceptível de ser caracterizado sem grandes dificuldades na sua existência de 4 a 6 séculos anteriormente ao cristianismo, este é muito mais difícil de ser caracterizado 'sem' o platonismo, sobretudo a partir do início do séc. III, de Orígenes de Alexandria.
Por um lado, julgo que os textos do novo Testamento ignoram a oposição alma / corpo típica do platonismo e insistem em algo que lhe é estranho radicalmente, a noção digamos 'comunitária' que é ilustrada pelo motivo pauliniano do Corpo do Messias (Cristo) e, creio eu, pelo do Filho do Humano nos evangelhos sinópticos (mais do que o 'homem completo', é a terra, as refeições, os justos que 'subirão aos céus', cf. 1 Tessal. 4.15).
Mas por outro lado, o motivo do Filho de Deus em Paulo é apresentado em Romanos 1.4 com um particípio do verbo horizô, que é o verbo de Platão para dizer a definição (das Formas ideais celestes): Paulo faz passar uma figura celeste hebraica (o Messias ressuscitado que virá escatologicamente) numa figura grega estranha à Bíblia (Filho de Deus). Mas depois dele, e contra ele, aparece uma outra figura que creio de índole grega (mas não platónica), a da incarnação desse Filho de Deus, ou do seu Verbo, Palavra, no homem Jesus. O problema é que esta incarnação vai predominar sobre a sua ressurreição.
Ora, o que se passa com Orígenes é que o platonismo, que na época tem uma tradição espiritual e intelectual de 6 séculos, apodera-se do discurso (bárbaro) oficial cristão até ao sec. XIII, em que o Aquino o substitui por Aristóteles. A alma imortal entrou nessa época no cristianismo de maneira tal que a perspectiva da ressurreição dos mortos foi engolida na prática, tal como a de Jesus, que continuou a festejar-se na Páscoa mas desapareceu quase do discurso teológico; o mesmo sucedeu à ressurreição dos mortos que continuou no Credo mas praticamente não na teologia: foi 'redescoberta' nos anos 1950!
Quero dizer com isto que, sendo obviamente incompatíveis, a alma imortal e a ressurreição, aquela, isto é, o platonismo, é que vingou, mesmo em Tomás de Aquino, e por isso é que comecei por duvidar da separação entre cristianismo e platonismo.
Podes perguntar a qualquer pessoa, vá ou não à missa, seja ou não crente, todos te confirmarão que a alma que vai para o céu depois da morte é essencial ao cristianismo (os padres e teólogos também), e só gente culta será capaz de dizer algo sobre a ressurreição (mas não sei o que dirão nem como a compatibilizam com a alma).
Quanto à reencarnação, ela tem uma lógica matemática: existentes desde sempre e imortais, o número de almas é constante e portanto vão e voltam, às mortes sucedem nascimentos, humanos ou animais. Não te sei dizer quanto tempo se acreditou nisso nas escolas platónicas, mas rapidamente o platonismo cristão rejeitou a ideia.

Disse o Nietzsche que o cristianismo é o platonismo dos pobres. Acrescento eu: a imortalidade da alma no Fédon é só para os filósofos, virtuosos e amigos do saber. O cristianismo estendeu-a aos escravos, mulheres, crianças.
14/06/2012

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Imagem: desenho-pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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quarta-feira, 13 de junho de 2012

86. 'Fonema' e 'monema' são categorias? E o 'dizer-(que)-pensa-o-ser'...




L. T. :
Hoje fala-se a torto e a direito de 'categorias'. É categoria para aqui, categoria para ali, categoria para acolá... Tão banalizado está esse uso que se tornou como que uma nova 'muleta' do discurso, como se costuma dizer. No campo das ciências sociais ou humanas incluindo as filosofias ou a filosofia que também é uma ciência humana como as outras - para não cair em certas presunções-, nas chamadas crítica e teoria da cultura, na arte e não sei mesmo se nas ciências físicas, ou pelo menos nos cientistas quando escrevem os seus textos, todos estes campos do saber e do pensar estão carregados de categorias e de alusão às categorias.
Suponhamos então que te diziam numa conversa ou num debate por exemplo "um 'fonema' e um 'monema' são categorias como muitas outras".

12/06/2012

F. B. : Citando Derrida, que discute um texto do grande linguista E. Benveniste (“Catégories de pensée e catégories de langue”): “As categorias de Aristóteles são ao mesmo tempo de língua e de pensamento: de língua enquanto elas são determinadas como resposta à questão de saber como o ser se diz (legetai); mas também como se diz o ser, como é dito o que é, enquanto é, tal como é: questão de pensamento, o pensamento, a palavra ‘pensamento’ que Benveniste utiliza como se a sua significação e a sua história fossem óbvias, não tendo nunca querido dizer nada fora da sua relação ao ser, à verdade do ser tal como ele é e enquanto ele é (dito). O ‘pensamento’ – o que vive sob esse nome no Ocidente – nunca pôde surgir ou anunciar-se fora duma certa configuração de noein (pensar), legein (dizer) e einai (ser) e dessa estranha mesmidade de noein e de einai de que fala o poema de Parménides”[1]. Mesmidade, acrescento eu, que se pode enunciar como ‘dizer (que) pensa o ser’.
Não sei se conheces esta citação. Ela mostra como um grande linguista baralha a categoria grega de 'categoria'. O Aristóteles é neste ponto parmenidiano, o logos é linguagem, pensamento e o ser que ele diz. O Platão também. Enquanto se filosofe em grego, no helenismo, julgo que não houve alterações de maior. Os problemas vieram com o nominalismo medieval, com o Occam que pensa em latim mas é inglês, sabe da diferença de línguas (que os Gregos clássicos ignoraram, as línguas 'bárbaras'!) como já os Estoicos que introduziram o motivo do 'signo', com nome, significado (lekton) e coisa nomeada. Ora o Occam, lógico e conhecedor da psicologia de Avicena, misturou as duas coisas (que creio que o Aristóteles deixara autónomas) e eliminou a linguagem, ou melhor, secundarizou-a em relação ao 'nome mental' que para ele, lógico, não tinha equívocos (polissemia, a bête noire de lógicos e filósofos, contra a qual se inventou a definição). Ora, três séculos mais tarde, via Suarez, esta 'separação' entre o 'nome mental' (inteligível) e a coisa sensível encontrou o seu pensador, Descartes e as duas 'res', a cogitans como reino das 'ideias' nomeadamente. Os clássicos, desde ele até Kant, tanto racionalistas como empiristas, divertiram-se a inventar maneiras de ligar sensações, ideias, imaginações, etc. E as ciências beneficiaram muito disso, até hoje: o que significa que a tua pergunta não tem resposta senão: 'depende' do que se trata.
Penso poder dizer pacificamente, em relação à minha proposta fenomenológica, que 'fonema' e 'monema' são categorias do laboratório linguista estrutural, e que outros laboratórios têm as suas. É claro que também tal e tal escola filosófica ou tal e tal autor, terá as 'suas' categorias.
Por mim, que desconfio desta idealidade europeia, ideia, conceito, noção, categoria, e não sei que mais, prefiro falar de 'motivo', que é 'causa que dá movimento'.


[1] “Le supplément de copule, La philosophie devant la linguistique”, Marges, de la Philosophie, Minuit, 1972, p. 218. Benveniste propôs-se ler a lista das dez categorias como um bom “documento” para demonstrar que essas célebres categorias não eram categorias da língua grega (o que são, mas não de todas!).
13/06/2012

L.T. : Eis uma resposta com categoria! Já tinha lido aquela citação mas acho que não lhe dei a devida importância...

13/06/2012

segunda-feira, 11 de junho de 2012

85. Um pouco de cristianismo...




L.T. : 1. Às vezes parece que a palavra é sacrificial: ela mata e dá vida. Faz no fundo parte da linguagem esse carácter sacrificial. Utilizando uns motivos que prezas, direi que a linguagem dá e re-tira(-se), doando. Mas isto não sei bem se reenvia já para a dimensão do sagrado da palavra. E aqui poderias ajudar-me com as tuas leituras do Cristianismo?

2. Porque é que no teu texto "Questions au christianisme" do blogue http://phenomenologiehistorique.blogspot.pt/ desenvolves longos e importantes textos sobre Sócrates, Platão e Aristóteles?

31/06/2012

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F. B. : À segunda questão é fácil de responder: esses três fazem parte do cristianismo, se ele tivesse ficado só judaico ou bíblico, teria desaparecido (houve algumas formas assim que duraram até ao séc. IV). Vê os que considero 'antepassados do cristianismo', na I parte do texto que te enviei:
De resto quanto às questões que deixo de fora, as tuas por exemplo, não as deixo, elas é que não vieram ter comigo, não me importunam. Tão pouco vejo o cristianismo como 'sagrado', excepto o medieval e sequente, o menos interessante, com o livro fechado em latim.

01/06/2012