segunda-feira, 23 de julho de 2012

99. Aneu phonês - Platão, Sofista, 263e




L.T. : Não esquecendo por exemplo os §§ 35-38 do Filosofia com ciências no séc.XX. Não pretendendo separar 'fonema' de 'letra', por uma questão de etapas, a minha análise vai aqui mais no sentido da questão do fonema do que da letra. Ver mensagem 2 com a pergunta inicial do bLogos. Ver também 88 e 89.
Embora já tenhas analisado estas questões, gostaria de reformulá-las. Sendo os fonemas unidades discretas (designação pouco usual nos teus textos, creio), "não querendo dizer nada nem sendo imagens de nada" (op.cit., §35), por si mesmas, eu diria, como os distingues, então, do aneu phonês (Platão, Sofista, 263e), não só em termos de inteligibilidade - que com ela não têm que ver, como mostras (idem, § 38) - mas principalmente em termos de silêncio, do sem voz, que é o que me interessa de momento? É que, segundo me parece, os fonemas apesar de serem da ordem da voz e da fala (tal como as letras são da ordem da escrita), não são propriamente voz, ou som. Pois eles são sempre nas suas diferenças na fala. A saber, não são voz nem som. Daí terem uma componente de silêncio, de sem voz, me parece.
Por assim dizer, não me refiro só ao 'imagem de nada' nem ao 'não quererem dizer nada' (não significam nada, podendo assim remeter para a tal confusão com o plano do inteligível, quer dizer, de uma pretensa hierarquia de significação superior) nem ao sensível (idem, § 38). Mas sim, refiro-me ao âmbito da voz, do som, da fala (embora não se deva confundir 'som' com' voz' e 'fala', mas tu saberás isto muito melhor do que eu). Não pretendia aqui estender a questão preferencialmente para o Fedro de Platão (274b-275c) para não complexificar ainda mais estas dificuldades que sinceramente para mim ainda são muitas. Basta-me por agora perguntar-te segundo o famoso passo que referi do Sofista de Platão, e que tem sido motivo importante neste bLogos. Mas se achares necessário analisar segundo a famosa história egípcia em Tebas, de Teuth e Thamus no Fedro, a par da extraordinária leitura do cap. "La pharmacie de Platon" no La dissemination do Derrida, por mim tudo bem.
Mas não deixo de perguntar-te, debruçando a análise no aneu phonês, como entendes que se poderá enquadrar estas questões no âmbito do que Derrida pretende desconstruir como fonocentrismo e logocentrismo na tradição da metafísica ocidental europeia?
No entanto preferia que a questão fosse agora mais nesta linha, sem esquecer a anterior, se assim achares: Partindo do pressuposto, se assim se pode dizer, de que o fonema - unidade discreta - não é propriamente voz, mas da ordem da voz, da fala, e tendo por conseguinte a componente do 'silêncio' e do 'sem voz' enquanto estruturais, como diferenciá-la do aneu phonês ventilado por Platão?

23/07/2012

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F.B. : O "sem voz" do Sofista implica que a dianoia (pensamento da alma consigo mesma) não se ouve de fora, como sucede ao logos (discurso com voz), por um lado, mas por outro Platão diz que são o mesmo (tauton, salvo erro), pensamento e discurso. Foi este 'mesmo' que me interessou, o que penso ser o parmenidianismo de Platão (como o mesmo termo ousia em Aristóteles, que os latinos traduziram por substância, a primeira, e essência, a segunda). E a ti interessa-te em que é que são diferentes: o 'sem voz' diz a separação dentro / fora, interior (alma) e exterior (corpo, voz) em Platão, e como a alma é o correlato dos Eidê celestes, as Formas ideais, a dianoia releva do inteligível (como a alma, incorruptível, imortal, divina nisso), a voz do sensível, como o corpo. O 'silêncio' do pensamento da alma teve larga descendência, mística e não só.
Ora, é o privilégio da voz, como perto da alma, em relação à escrita (mortal, sobrevive a quem escreve), que Derrida chamou logocentrismo: não apenas o inteligível (o pensamento, o teu silêncio, tudo isso, claro), mas também o discurso. Se se relesse o Crátilo, poder-se-ia ver se Platão considera ou não o fonema como significando qualquer coisa (na Poética, cap. 20, elemento - stoicheion -, claramente que não), julgo que não; mas joga na sua relação com a palavra, num sentido perto do 'arbitráro' do signo: será este que desqualifica a língua (grega, única que conta para ele) para o conhecimento e o leva a propor pela primeira vez a hipótese (veio-lhe como um sonho) das Formas ideais. Mas tanto num como noutro, o fonema é 'positivo', da ordem do sonoro, apesar do 'sem voz' e não da diferença, que é a grande descoberta de Saussure: "na língua não há senão diferenças, sem termos positivos". O exemplo que eu dava nas aulas era o seguinte: se cada aluno disser a mesma frase em suas vozes diferentes empiricamente, só se trata da 'mesma' frase porque as diferenças de sons elementares em cada voz são as mesmas do que nos outros: a essas diferenças o Saussure chamou fonemas. Derrida com ele: aplicou a esta diferença entre o plano dos sons, das vozes, e o plano dos fonemas ('significante') a redução fenomenológica do Husserl, aqueles, empíricos, são reduzidos, estes, puramente diferenciais, 'nada' (diria Heidegger) de 'substância, de sensível. Não necessariamente 'silêncio', já se viu.


24/07/2012


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 Imagem: desenho montagem digital - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares
Vídeo de instalação de Luís de Barreiros Tavares

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