Este blogue reúne na sua maior parte e-mails com perguntas e respostas em torno de pontos filosóficos precisos de textos de Fernando Belo e de outros autores. Acrescentaram-se entretanto alguns vídeos. Um blogue de Fernando Belo e Luís de Barreiros Tavares
quarta-feira, 25 de julho de 2012
100. Duas notas a propósito de questões das duas mensagens anteriores. Nada, diferença e Ser - Heidegger
L.T. : Gostaria de deixar só duas notas a propósito das questões anteriores:
1. Platão nessa citação (Sofista 263e) usa, por um lado, o mesmo termo, pensamento (dianoia) enquanto o mesmo (tauton) que discurso (logos), e por outro, o mesmo que o diálogo (diálogos) interior (entós) e em silêncio (aneu phonês) que a alma tem consigo mesma (auton), estabelecendo no entanto diferença. A questão da mesmidade parece-me importante neste passo, mas a questão do dia de dia-logos no jogo com o dia de dia-noia também.
O que me parece interessante é a relação entre o 'dia' de diá-logos como pensamento (dianoia) e o 'dia' de pensamento (dianoia) como discurso (logos).
2. "Or, ces phonèmes et ces lettres sont retirés strictement de la scène du sens de la communication, d'eux mêmes ils ne veulent rien dire, ne sont non plus image de rien (...)" (La philosophie avec sciences, § 35).
a) Eu estaria tentado a dizer que a afirmação "não são imagem de nada", implicando também "não quererem dizer nada", marca-se já enquanto imagem de alguma coisa, de algo. Porquê? Porque se emprega o termo, a palavra 'imagem'. Embora esta observação remeta para questões metalinguísticas como já tiveste oportunidade de chamar a atenção noutro momento deste blogue.
b) Mas a par disso, no 'imagem de', o 'de', a preposição 'de', seja no sentido predicativo (lógico) ou não - sem esquecer a questão semântica (significação, sentido) para ambas as alíneas - não relevará já de 'imagem de algo' e ao mesmo tempo de 'algo de imagem'? Não haverá algo de imagem na linguagem verbal, embora ambas não sejam a mesma coisa?
Questões que aparecem agora mais claras e que estou em crer algumas pessoas gostariam de colocar-te mais ou menos assim...
25/07/2012
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F.B. : Creio que a tua dificuldade tem a ver com a noção de 'diferença'. A diferença, entre duas côres, duas mesas, etc., não é nada, nem cor nem mesa, nem visível nem audível, não sensível. Por isso não é silêncio, nada a ver: silêncio é não som, não voz.
Se olhares para o Heidegger, ajuda a perceber que a diferença ontológica, entre o Ser e o ente, não é um ente (nem som nem voz nem cor nem mesa), isto é, o Ser é a diferença, que ele dirá 'nada'. Nada de ente, de substância. Portanto diferente de 'ente', o Ser. Está longe de ser evidente.
Aqui é o semelhante: a diferença entre sons ou letras não é 'nada', é o significante. Não apenas o fonema e a letra, mas também a palavra, a frase, o texto. A mesma frase do início dos Lusíadas em várias tipografias ou na letra dum aluno de liceu: são sempre empiricamente diferentes, mas lemos sempre a mesma frase nas diferentes grafias. Porque as diferenças entre as letras de uma tipografia (as / armas / e / os / varões) são as mesmas entre elas do que são noutra tipografia (as / armas / e / os / varões), ou noutra (as / armas / e / os / varões). Transpõe este exemplo para uma voz aguda, outra grave, outra infantil, outra tremida de velhote, e tens o mesmo exemplo.
É este nada - diferença que permite que nos entendamos com vozes e letras diferentes, aprendemos a ouvir vozes diferentes e entender as mesmas palavras, a ler grafias diferentes e entender as mesmas palavras. Foi para atingir este 'nada' que Derrida recorreu à redução do Husserl, o nível 'transcendental' sendo a única maneira de evitar o empirismo (que só vê sons); depois, rasurou essa passagem que faria do rasto, da différance, um eidos, por exemplo, e ficou apenas com a diferença nada, mas com o tempo ('a') e a estrutura da relação ao outro (que é a linguagem aprendida dos outros). Mais uma vez, não é evidente, percebo que tenhas dificuldade.
Não tem nada a ver com silêncio, que é ausência de substância, não diferença. Em Platão: dia-logos: de logos para outro logos, através (dia); dia-noia, de nous para outro nous da mesma alma. A diferença entre ambos é um ser com voz e o outro sem voz, em silêncio interior; o mesmo: Platão não nega que o pensamento seja de palavras e frases, de sintaxe, etc, embora não fale nisso (nem tinha ainda gramática de jeito; é nesse mesmo Sofista que pela primeira vez, nos textos que temos, aparece a distinção nome / verbo). Nada a ver com fonemas, palavras, significantes.
25/07/2012
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