terça-feira, 7 de maio de 2013

138. O que é o cérebro?? Uma pergunta que eventualmente se interroga...









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L.T. : Porque falei de cérebro como metáfora? Não me leves a mal, mas creio que, de tanto se falar hoje de cérebro, é como que quase coisificado, concretizado, digamos, mas paradoxalmente por força de tão abstraído. É uma estranha abstracção que coisifica, se não mesmo metaforiza, precisamente como uma figura de retórica. Se metáfora remete também para transporte e para movimento, há metáforas que se tornam por vezes em puras metáforas. Quer dizer, há uma coisificação, mas ela, contudo, move-se. Mas move-se, hélas, enquanto pura categoria, puro conceito, ou pura palavra, mantendo-se a separação com o real, mantendo-se a linguagem como instrumento, estatuto que tanto criticas e bem nos teus estudos.
Claro que o cérebro é real. Mas o que é o cérebro por si? E mais, porquê esta estranha relação entre um certo critério do cerebral e um certo critério da inteligência (de que deriva de alguma maneira a 'mente', a 'consciência', de que tanto hoje se fala nas ciências neurológicas, neurociências (Damásio) e em certas filosofias, e que escondem de alguma maneira essa mitificação da inteligência que tem já raízes no lógos, quer queiramos quer não)?
O Edgar Morin aí deu uma boa jogada, a do Homo sapiens-demens, argumentando por exemplo que a experiência, ou a "consciência da morte", para usar a expressão de Morin, é perturbadora na génese do humano, e que, por via de consequência, algo de louco, de demente (demens) desencadeou, com ela, a par de sapiens, a complexidade do devir e da evolução do humano, da hominização (vê o Paradigma Perdido; o Homem e a Morte). Mas não só sobre a questão da morte fala o Morin, também das sepulturas já no Neanderthal, da morte-renascimento, do duplo, e também dos excessos, a úbris dos extâses, quer sexuais quer mágicos tidos geralmente como desregramentos relativamente à consciência do sapiens, etc.
E a filosofia mantém-se ainda radicada num certo critério que hierarquiza as coisas tendo a inteligência no topo. Isto sem dúvida que se deve a uma herança talvez mal compreendida do teorético e do noético (inteligível) platónico. Convenhamos que há da parte da filosofia uma pretensão de superioridade que tem muito a ver com a chamada, fica bem dizê-lo, 'inteligibilidade'. Isso nota-se muito nos meios académicos...
E curiosamente, as ciências, principalmente as naturais não querem ficar atrás. E não há meio de se entenderem, filosofia e ciências, tudo categorias que podem ser tão abstractas, e tão coisificadas. As chamadas ciências humanas vão fazendo, no fundo, uma espécie de perspicaz leitura, mas inteligente também, das questões que atravessam aquelas disciplinas, e não só, quando elas não dão conta. Tais são p.ex., a Sociologia e a Filosofia da Técnica, a Sociologia e Filosofia da Ciência, como é o caso, entre outros, dos muito interessantes estudos do Hermínio Martins (Experimentum Humanum). Não é a filosofia uma ciência humana? E que pretenciosa generalidade é esta da palavra Filosofia parecer atribuir-se um estatuto à parte, qual persona autodenominando-se esse título? Pois, há filosofias, como costumas dizer.
O Carlos Fiolhais, figura simpática e sem dúvida inteligente, há dias comentou mais ou menos que "o que os jovens têm de melhor é o cérebro", talvez a propósito da chamada "fuga de cérebros para o estrangeiro". Mas não é uma estranha definição? Fulano tal é um cérebro!
Já reparaste na maneira como certas ciências dão importância ao cérebro?
Houve o Leonardo Coimbra que falava de 'cousismo' (ou coisismo). Não tenho medo de falar de certos nomes, de certos autores, mesmo que sejam praticamente esquecidos, desprezados por algumas pessoas, ao mesmo tempo que são louvados por outras. Não vou por aí. Posso dizer que o li há muitos anos, embora não faça parte das minhas leituras actuais. Não sei se sabes mas ele era um bom conhecedor de matemáticas. Mas, na minha opinião, esta noção de cousismo só deve ser tida em conta pontualmente a título de considerações de passagem. Pois não me parece que leve ela mesma a caminhos abertos. Para além do que, creio que retomada e tematizada frequentemente pode levar, pelo contrário, a caminhos um tanto perigosos, digamos assim...
Prefiro neste contexto os termos coisificação ou reificação.
Não me leves a mal, mas gostava de pôr-te a questão noutros termos, partindo ainda do cérebro. E espero que desperte alguma coisa nas tuas reflexões sobre o que te interessa e sobre quem lê estes textos. Pela minha parte leio as tuas respostas com atenção. Cito primeiro: "O que é o cérebro? é o conjunto dos neurónios, células da auto e hetero afectação, que se afectam umas às outras por via das sinapses, a maior parte das quais são abertas pela aprendizagem e fazem a nossa memória."
E os neurónios, como células, são coisas (a mensagem era para ir só com esta frase)?
Claro, também tento fazer a minha desconstruçãozinha

07/05/2013

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F.B. : Respondo telegraficamente, já que tenho escrito muito sobre as questões que me pões (blogue Filosofia mais ciências 2) e o Manifesto no Filosofia mais ciências). Verifico que é  das raras vezes, senão a primeira, em que pegas em questões de ciências.
Não creio que possa ser acusado de 'coisificação' do cérebro: coloco-o como órgão crucial na regulação do sistema de alimentação dos animais e do sistema de mobilidade na selva ecológica, órgão da articulação, juntamente com a boca, dos dois sistemas.
Quanto à diferença entre filosofia(s) e ciência(s): a primeira definiu-se no Ocidente pela invenção da definição e a segunda pela do laboratório científico, herdando a definição mas pondo-a à prova da medida dos movimentos dos graves. É enquanto herdeira que a(s) ciência(s) deve(m) à filosofia, que é capaz de lhe(s) avaliar teorias, motivos e métodos, o que ela(s) não sabe(m) nem pode(m) fazer com os seus métodos. Mas este ser(em) herdeira(s) deu-lhes uma dimensão filosófica, que Kant suspendeu e foi um bem para a autonomização delas em relação às questões metafísicas; foi essa dimensão que eu procurei recuperar para o projecto fenomenológico, um passo além de Kuhn e de Derrida.
Bem hajas sempre pelas tuas questões.

08/05/2013
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L.T. : Ok. Obrigado. Vou recarregar baterias...


09/05/2013


 Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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