quinta-feira, 2 de maio de 2013

136. Sobre o princípio de não-contradição, etc.









L.T. : Diz-te alguma coisa o famoso princípio de não-contradição de Aristóteles (também chamado "de contradição", Metafísica, 1005 b 19) que diz mais ou menos: "uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto"?
O Aquino também fala dele.

28/04/2013

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F.B. : Respondo-te em dois tempos, agora o primeiro apenas, primeira reacção. Claro que é um princípio necessário à razão, à argumentação. 'Sob o mesmo aspecto', é verdadeiro. O problema é ele ser em geral, ter sido na história do pensamento ocidental, creio que quase sempre depois dos Gregos clássicos, após a separação entre pensamento e coisas, interior e exterior, o que terá tornado o princípio um rígido auxiliar da separação entre contrários, opostos, em que o ' termo rico' ganha ao 'oposto pobre', a alma ao corpo, à matéria, etc. Até no chamado materialismo, invertendo e fazendo da matéria o termo rico e tornar o espírito pobre (o estalinismo é isso também).
Para não contradizeres tens que separar. O Magritte: 'isto não é um cachimbo', quando é óbvio que é um cachimbo, como o teu retrato és tu e o mapa de Portugal é Portugal. É e não é, é sob um aspecto e não é sobre o outro. Não vai contra o princípio, mas Magritte e um teórico da informática que foi um dia palestrar à faculdade "o mapa não é o território". O que saberíamos nós de Portugal sem os mapas? Claro que não é só mapas, como tu não és só os teus retratos. E lixa completamente a linguagem, as coisas contra as palavras. Os actos contra os discursos, como se os discursos não fossem actos. As palavras colhem as coisas que dizem e colocam-nas no discurso diante de ti, como um rapaz colhe flores e oferece um ramo à namorada. 
O princípio da não contradição admite tudo isto, os seus defensores acérrimos é que não. Amanhã virá o 2º tempo.
Vai em forma de pergunta sobre a noção de 'significante' em Saussure. Se bem te lembras, ele não consiste, como se julga habitualmente nos sons (ou nestas grafias que estou a escrever), já que o som duma frase varia com as vozes, de criança, de adulto ou adulta, de velho, de doente, etc., assim como as letras de cda um variam, as tipografias. Então, o significante consiste nas diferenças entre sons de vozes variadas serem as mesmas, serem elas que se repetem. A pergunta é: uma diferença que é repetição, uma repetição feita de diferenças, é ou não compatível com o princípio da não contradição? Julgo que o aspecto em que se vê uma e outra não será o mesmo, a diferença é entre sons da mesma voz, a repetição é de diferenças em vozes diferentes, o princípio será respeitado. E estará um lógico de acordo? Não creio que Derrida estivesse 'contra' a lógica ou contra a razão ou sequer contra a definição. Mas estava interessado no que as excede, no que excede as repetições (económicas), em mecanismos de escrita que não tinham sido descobertos. Por outro exemplo. Houve uma altura em que ele escrevia 'a vida a morte' para evitar opô-las (só os vivos morrem, e todos morrem, a vida inclui a morte. Este exemplo permite perceber que o que ele tentou, após Husserl e Heidegger e tematizando pela primeira vez a escrita, foi desfazer contradições fáceis e perenes no pensamento ocidental, desconstruí-las. Tendo nomeadamente em conta o tempo, além da linearidade. Talvez se possa dizer que ele despediu o princípio da não contradição, como aliás o conceito de 'princípio', que é histórico, filho da definição. Ele confessou uma vez, não me lembro aonde, mas foi numa entrevista, que a palavra que ele mais detestava era a de determinação, que, acrescento eu, repete a de 'definição' juntando-lhe a causalidade (e me parece boa para dizer a operação do laboratório científico). O velho Aristóteles já foi um quase desconstrutor do platonismo, mas ficou-lhe discípulo. E Derrida, não será o fiel discípulo de ambos, infiel como qualquer discípulo digno desse nome? Porque ser 'fiel' discípulo será repeti-lo tal qual ou repetir-lhe de maneira diferente a infidelidade que já o mestre foi para ser mestre? Contradição da fidelidade na relação entre mestre e discípulo?
30/04/2013



L.T. : Já li a tua resposta. Vou reler com mais atenção. Para já, tenho mais duas questões a fazer, cada uma por si, indepentemente destas, mas ainda vou ver se interessam.
Mas esta tua resposta poderá eventualmente suscitar-me alguma outra questão. Logo verei.
Se quiseres dizer mais alguma coisa no segundo tempo de que tinhas falado, será recebida com atenção!


02/05/2013

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