quinta-feira, 13 de junho de 2013

140. À luz de Kant ...?











L.T. : 
1. “Ao falar de objectos no tempo e no espaço, não falo de coisas em si, porque nada sei destas, mas apenas de coisas no fenómeno, isto é, da experiência, como de um modo particular de conhecimento dos objectos, que só é concedido ao homem. O que eu concebo no espaço ou no tempo, disso não posso dizer que existe em si mesmo, fora do meu pensamento, no espaço e no tempo; porque então contradizer-me-ia a mim mesmo; visto que o espaço e o tempo, juntamente com os fenómenos que contêm, nada são de existente em si mesmo e fora das minhas representações, mas apenas modos de representação, e porque é manifestamente contraditório dizer que um simples modo de representação existe também fora da nossa representação. Portanto, os objectos dos sentidos existem unicamente na experiência; em contrapartida, atribuir-lhes independentemente desta, ou anteriormente a ela, uma existência própria subsistindo por si mesma, equivale a imaginar que a experiência existe sem experiência ou antes da experiência.”

Immanuel Kant, Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura, Que queira apresentar-se como ciência, Trad. Artur Morão, Lisboa, Ed. 70, 2008, § 52 c

O Kant é levado da breca. Quando o lemos, ora estamos num ponto, ora estamos sempre já noutro. Mas em movimento. 

2. “L.T. : (…)
Aí vai ela: no tempo de Platão e Aristóteles havia [ou existiam] genes, por exemplo?


12/03/2013

-




F.B. : Os genes foram inventados pela célula, com a célula. Os biólogos (logos da vida) contemporâneos descobriram-nos, não os inventaram. E quando os descobriram, descobriram-nos como tendo para cima de 3 biliões de anos, portanto também os havia já no tempo de Platão e Aristóteles, que não sabiam disso, e nesse sentido, no 'tempo' deles não havia. O 'tempo' deles, sendo o duma ruptura importante na maneira de saber que permitiu, com muitas outras coisas, claro, que num 'tempo' 25 séculos mais tarde se descobrisse o inesperado.

(…)
12/03/2013
(bLogos, mensagem 129)
3. Gostaria de ler a tua opinião acerca das nossas mensagens acima à luz da citação de Kant. Ou ainda, neste quadro poderás dizer-me alguma coisa sobre o modo como vês estas considerações no contexto de Kant e no das nossas ciências contemporâneas (neste caso biologias e genéticas...) do ponto de vista da “nova fenomenologia” e “filosofia com ciências que propões”?
E poder-se-á considerar os genes, as células, etc. cientificamente numa perspectiva fenomenológica? Não sei se estas ciências pensam com seriedade a fenomenologia.
Espero que encontres a partir daqui alguma coisa para dizer juntamente com as respostas que se encontram nos teus livros.



10/06/2013

-

F.B. : O Kant fechou-se nas representações, isto é, pensou a relação dele com as coisas dentro da separação sujeito / objecto cavada (ou re-cavada) pelo Descartes, e não encontrou outra maneira, além de ter o azar de pôr como ponto de base as sensações: a cor, o som, o rijo, etc é o que eu 'tenho' da coisa, tenho que unificar, como? com espaço e tempo, etc. O Husserl, lembrava o J. Paisana, ao menos partiu da percepção da coisa ela mesma, de maneira que todas as sínteses a priori de Kant se tornaram inúteis. Mas assim como o Kant queria vencer a separação cartesiana, também o Husserl o tentou, com a intencionalidade da consciência que doa o sentido de objecto ao objecto que lhe está presente. A redução posterior da empiricidade da coisa pregou-lhe uma partida: veio ele também a fechar-se na consciência (ou já lá estava, a consciência é uma prisão, dirá o velho Heidegger). Foi donde o jovem Heidegger saltou para o ser no mundo, sem representações. Então, eu posso voltar ao Kant e dizer que eu só posso conhecer uma mesa e sentar-me a comer porque já tenho experiências de sentar-me a mesas e que são os grafos (Changeux) das mesas em mim, das mesas que aprendi como ser no mundo, que me permitem conhecer uma nova mesa no mundo e sentar-me para almoçar. Se vou a uma terreola japonesa, fico perdido, vejo muita coisa mas conheço muito pouco, tenho que me pôr a aprender, leva tempo. No fundo, quando é que eu conheço bem uma coisa? por exemplo, uma escova de dentes? quando lavo os dentes sem sequer dar por nela, a pensar na chuva dessa manhã e que tenho que sair. Vê o cap. 11, § 37 do Le Jeu, o que Condillac conta dum cego de nascença operado, como começa a ver: apaixonante.
Quanto aos genes, eu só os conheço de leituras, os biólogos têm uma série de mecanismos para os conhecerem em certos aspectos, parcelarmente, com critérios e experimentações, mas no laboratório são seres nesse mundo, aprendem, avançam, escrevem. Mas se têm um gato em casa, conhecem-no muito melhor do que aos genes, de outra maneira, pelo menos. Eu só leio e procuro lógicas entre as muitas e variadas coisas que leio, o meu ser no mundo enquanto filósofo é muito de leitor (mas gosto muito). Outro exemplo: o astrónomo mede distâncias entre astros, pode repetir as medições de Tycho Brahé e os cálculos de Kepler para formular as respectivas leis, depois a demonstração do heliocentrismo do Newton com essas leis e ficar a saber que é a terra que roda numa elipse com foco no sol. É o mundo em que ele é e onde a demonstração é possível. Mas de madrugada e ao pôr do sol, ele vê o sol nascer e pôr-se como ser no mesmo mundo que qualquer de nós.

12/06/2013
-


Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

Sem comentários:

Enviar um comentário