domingo, 21 de outubro de 2012

114. Com imaginário não vamos lá? Ainda a questão da definição






L.T. : Nem é tarde nem é cedo, e deixemos por momentos Ser e deuses e o passo célebre do Heidegger: "chegamos tarde de mais para os deuses e cedo para o Ser." 
Era a próxima pergunta que queria fazer-te. Como? Mas com a tua última resposta, eis que surge a oportunidade. "A minha dúvida acima é saber como é que a história da literatura, da música, da pintura, se articula com ela [a saber, 'definição']." Acrescentemos-lhe o cinema também. Estou a lembrar-me do belíssimo livro que li há quase 30 anos do Morin: O Cinema ou o Homem Imaginário (as questões do duplo, da projecção-identificação e da morte-renascimento, etc.). 
Também me lembro, por exemplo, do interessantíssimo As Estruturas Antropológicas do Imaginário de Gilbert Durand (a descida da taça mais difícil do que a subida) e do seu pequeno livro A Imaginação Simbólica que me foi dado a conhecer há muitos anos pelo Moisés de Lemos Martins.
E eu que escrevi há uns 3 anos um texto sobre o poeta Manoel (Manoel Tavares Rodrigues-Leal) publicado no site da SLP (Sociedade da Língua Portuguesa). Deixa-me cá dar um arzinho da minha graça: http://slp.pt/Variavel/Luis_Tavares.html
http://linguafone.blogspot.pt/search?q=o+outro+espa%C3%A7o (neste segundo link vem o texto com breves acrescentos). Nesse breve artigo abordo o ’alam al-mithâl  do Sufi Ib Arabi - "o grande sufi andaluz", escreve Agamben no seu texto Bartleby - ou Da Contingência no seu livro Bartleby - A escrita da potência (ed. Assírio & Alvim) a propósito do extraordinário texto literário Bartleby de Melville (com o célebre "I would prefer not to" - possível trad. : preferiria não fazê-lo). ’Alam al-mithâl, mundus imaginalis segundo Henry Corbin, primeiro tradutor do Heidegger em França.
Que é para ti o imaginário?


20/10/2012 

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F.B. : O 'imaginário' é uma categoria forte do Lacan (com o 'simbólico' e o 'real'), a que faço alusão no texto Linguagem e Filosofia, depois perdi a relação com ele, por um lado pelo predomínio do Derrida, por outro por ter-me cingido aos textos de Freud no que à psicanálise diz respeito. 
Por outro lado, toda esta zona do psiquismo e das faculdades da alma (percepção, imaginação, etc.) está eivada de mentalismos que torna muito difícil pegar num termo como 'imaginário' sem riscos de desentendimento logo à partida. O ser no mundo pede que se considerem as coisas que se vêem e as imagens que se pintam, fotografam, encenam em filmes. Mas nunca me senti capaz de grandes voos por aí, a estética sempre me foi vedada, paradoxo do meu nome. Enquanto que a linguagem é muito mais adequada a alguém que vem da engenharia (também nunca fui atraído por análises de poemas). O que apreciei no Derrida foi o ter-me permitido guardar a minha propensão para o sistemático com a singularidade, importante nas narrativas (meu interesse bíblico) e portanto também na história. Ora a imagem, como a entendo, desafia o sistemático, é singular dela mesma, donde a dificuldade das semióticas das imagens: nunca as houve.

Dito isto,reformulo a tua questão assim: de que falamos quando dizemos que imaginamos, que não é o mesmo do que pensamos? Dois exemplos para começar. Os sonhos são muito mais fortes como imagens da imaginação do que quaisquer outras que acordados imaginamos (excepto alucinações, que são primas dos sonhos), provavelmente fazem-se nos olhos (que mexem) e vêm dos rastos de antepassados reelaborados; pouco controláveis, a não ser o que Freud chamou 'elaboração secundária'. O outro exemplo é o dos artistas que desenham ou pintam, com ou sem modelo, imaginam, melhor ou pior, isto é, ou têm logo tudo ou vem-lhes a pouco e pouco à medida do desenho. Este segundo exemplo releva do eixo visão / mãos, em contraste com as frases que relevam do eixo audição / fonação, como predominâncias, obviamente. Estes eixos são grafados no cérebro com as aprendizagens fundamentais que fazem de nós seres no mundo da nossa tribo. Cá fora, pois, não saberia dizer nada da imaginação como interioridade.
Ora, o ser no mundo é feito de aprender os usos da tribo, com visão e mãos (e pés), com audição e fonação, que a tribo (os tais antepassados) repete e nos torna capazes de repetir singularmente, dizendo o que nunca ninguém disse ou pintando o que nunca ninguém pintou. O que vemos e mexemos e nomeamos são gentes e coisas variadas em seus contextos, vemos-lhes formas (eidos) que se alteram eventualmente no tempo, dizemos-lhes os nomes em receitas de fazer ou em narrativas. Eu diria que imaginarmos releva deste ver e manipular, pensarmos deste nomear como se ouviu, mas sem que possamos separar imaginar de pensar. Só que o que pensamos - com imaginação - podemos dizê-lo com bastante aproximação sem que o imaginar venha igualmente (como melhor vem o sentir), excepto nos que desenham e pintam, fotografam ou filmam, e disso que vemos podemos pensar coisas diferentes das dos autores. 
Se há um imaginar dos poetas - viva o Manuel António Pina que se foi -, que diria respeito à sonoridade em seus ritmos e aliterações (capaz de musicar-se), ele é indissociável do que no poema pensa. 
Gentes que somos, imaginamos imagens ainda que sem as ver mas pensamos em palavras, digamo-las em alta voz ou não. 
Mais do que estas fracas considerações não é para meu imaginar pensar.


21/10/2012 

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Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012

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