terça-feira, 16 de outubro de 2012

113. Definição, escrita, inscrição





L.T. : Citações tuas:
1. "Sem a invenção da definição o que seria da filosofia? Impossível responder. Tanto que nem sequer tem jeito dizer que se 'defende' a definição, ela não precisa de ser definida. De qualquer forma, eu fui descobrindo a pouco e pouco o lugar fulcral da definição, como operação violenta da escrita, desde um debate com o Fernando Gil que ele não leu. E espanto-me um pouco de nem o Heidegger nem o Derrida, tanto quanto eu saiba, terem diagnosticado esse lugar da definição (nem li ninguém que o fizesse, devo dizer). Com algum espanto meu, em La Philosophie avec Sciences au XXème siècle, no índice da I parte, vêm definições, de automóvel, mamíferos, sociedade, linguagem, ciência (a minha primeira formação foi de engenheiro, nunca o reneguei). Mas não são definições de 'objectos', nem o automóvel sequer o é, ao guiá-lo eu sou levado por ele, tive que aprender, como se aprende a andar a cavalo. E então, pode-se dizer que, com muitas pinças, o Derrida procura definir a 'différance' no texto com esse título nas Margens. E talvez também o Heidegger o 'mot', no livro citado acima." (bLogos, mensagem 77) (meti itálicos)

2. "A questão da escrita é simples: a definição é uma operação de linguagem, de escrita (se tivesse ficado na oralidade do Sócrates, não saberíamos dela, não tinha havido nada). A violência manifesta-se, por exemplo, na instituição da escola, da Academia e do Liceu, na dificuldade pedagógica imensa que é a 'abstracção' que ela provoca : sem definição, não passaria de literatura, que já havia, muita e boa, antes da definição e não precisou nunca de escola. É o meu ponto aliás em relação ao Heidegger, não sou nenhum nostálgico do antes da definição (nem creio que ele o fosse, mas com o japonês, quase parece)." (bLogos, mensagem 79) (meti itálicos)

3. "Quanto ao Derrida, o motivo da escrita era 'maldito' pela filosofia, justamente por ser literário e cheio de ambiguidades, foi donde a definição saiu; o que ele fez foi levar esse motivo a sério, o motivo de texto e de diferença, e revolver a filosofia relendo a escrita dos textos filosóficos..." (meti itálicos)

Questões:
Um imbroglio parece ocorrer quando Platão escreve a partir da oralidade de Sócrates, defendendo a segunda como prioritária em relação à primeira (Fedro, 274b-274c). Todavia, esse mesmo problema é condição de possibilidade de compreender como viável a escrita enquanto necessária, no tempo, para a oralidade de Sócrates que nunca escreveu e que nós lemos. Só assim este poderia ser lido. Lido no tempo? Não tenho competência para fazer uma análise da questão do Tempo em contraponto à escrita segundo, por exemplo, Heidegger : temporalidade, historialidade, etc. E também não com o Derrida: différance, trace, espaçamento, temporalização... Mas qualquer coisa da ordem do Tempo garante, por seu turno, 25 séculos depois de Platão, que possas afirmar justa e pertinentemente, creio: "o lugar fulcral da definição, como operação violenta da escrita"; "dificuldade pedagógica imensa que é a 'abstracção' que ela provoca"; "o motivo da escrita [...] , foi donde a definição saiu."A  inscrição, e não só a escrita  - ou serão a mesma coisa? - parece-me decisiva na consideração temporal da definição. Também não é raro empregares o conceito de 'inscrição'. Sendo assim, até que ponto inscrição e escrita diferem, embora possam ir a par, quanto à questão do pensar a definição que não deixa de ser abstracta, ou de 'provocar abstracção', como dizes? Quer dizer, simplesmente: quais as relações, não só entre escrita e definição, mas entre inscrição e definição?
Se não te importares de responder, claro.

15/10/2012

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F.B. : A inscrição é o gravar e portanto perdurar duma instituição, que precisa de ser decifrada, compreendida, significada, "A inscrição como habitação em geral" (Derrida, cit Le Jeu des Sciences, cap. 2, § 43). Um prédio, por exemplo (cena histórica da habitação). O ADN, outro exemplo (cena  histórica da alimentação).
Por mim, chamei cena histórica da inscrição à que se destacou da cena da habitação, no Ocidente, e ganhou uma história própria. Matemática, filosofia, ciências (e com elas talvez também, não sei para poder dizer com certeza: música, pintura, fotografia, cinema,  literatura. Trata-se de inscrições numa matéria de empréstimo.

Quanto à escrita em sentido corrente é uma das muitas formas de inscrição, cuja forma alfabética foi muito importante no Ocidente, para a filosofia nomeadamente (meu texto sobre os caracteres chineses). Em sentido derridiano ('écriture') por vezes escrito 'arquiescrita', é muito perto de 'différance', 'trace' (rasto) e outros: movimento de 'inscrever' espacializando e temporalizando, relação ao outro, origem da linguagem (e, acrescento eu, da 'interioridade'): o que disse acima como 'inscrição' são 'resultado' deste jogo que não 'aparece', se dissimula, retêm e difere; mas quando lemos uma inscrição, um texto, um problema, uma música ouvida, essa leitura repete o jogo, e excede essa repetição, segundo a capacidade do leitor.

Em relação à definição, escrita e inscrição em alfabeto entendem-se como sinónimos, digamos. A definição é uma operação de escrita, o tal arranque criador de essências intemporais e incircunstanciais e argumentação sobre elas: o que chamei texto gnosiológico, que se destacou dos narrativos e discursivos correntes e que inscreveu a escola (Academia, Liceu, Porta estoica, Jardim epicurista) como instituição da sua tradição. Mais tarde as universidades medievais, os laboratórios científicos. É a sua história com efeitos na transformação das sociedades , da cena da habitação, que mostra como ela se destacou da cena da habitação (a que pertence, como à da alimentação e à da gravitação) como cena histórica. A minha dúvida acima é saber como é que a história da literatura, da música, da pintura, se articula com ela.

15/10/2012

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 Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012

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