quinta-feira, 19 de abril de 2012

60. A procura da verdade?

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L.T. : Lembrei-me de pôr esta citação retirada da mensagem 33, curiosamente da tua resposta à minha última pergunta da primeira parte do bLogos:

" (...) o lema da filosofia é o debate entre pensadores que consideram errado o que outros escreveram, convencidos de ser verdade. (...) Apesar de tudo, quem escreve tem noção de que deve escrever 'verdadeiro', ou 'certo'. A textualidade, como qualquer conversa, está sujeita à lei da verdade, dê-se ou não por isso. Qualquer 'erro' só passa por parecer verdade, até que alguém o discuta. Igualmente a mentira tem que parecer verdadeira para funcionar, e a ficção deve ser verosímil, excepto para os surrealistas, mas mesmo estes só puderam vingar por transgredirem a lei da verdade!"

Uma nota: creio que a palavra "verdade" no fim do subtítulo do segundo volume do Jeu des sciences pode provocar reacções menos favoráveis, e até alguns dissabores, principalmente por parte de eventuais detractores, que hás-de tê-los, como todos os nós os temos, e ainda bem.

Citação mote: "(...) menos Filosofia, mas mais desvelo do pensar (...)" Heidegger, Carta sobre o Humanismo, trad. P. Gomes, Guimarães ed., p.97

Pergunta breve: pensador ou filósofo, procuras a verdade?

14/04/2012
F.B. : A pergunta é breve, a resposta mais dificilmente o seria. O 7º capítulo do Jeu inclui 4 teses de que a última é sobre a verdade e que o 13º capítulo demonstra longamente. O que está aí em questão é a verdade da proposta feita, que é histórica, como qualquer proposta filosófica ou científica, e portanto relativa à história do pensamento ocidental. Pretende aliás, pela força de pensamento do trio fenomenologista e dos cientistas das diversas ciências, ser um certo 'acabamento' da filosofia com ciências ocidental, resposta actual à Physica do Aristóteles. Portanto, a ambição quanto à verdade é muito grande, a minha modéstia é não ter de meu senão os alinhavos.
Mas quem quer que escreva e publique em filosofia como em ciências não pode deixar de pretender à verdade, que é a lei da linguagem, como tu citaste. Ainda que diga que não (o Derrida duvidou bastante do conceito de verdade), não pode deixar de pretender, chame-lhe como queira (certeza, correcção, convicção, até opinião), se pretende ser entendido e discutido por leitores, só o registo da verdade o permite, dentro dos paradigmas em que esse debate se joga, é claro. É como, noutro registo, o problema da língua e das correcções sintácticas e semânticas, sem o que não nos entendemos. Uma escola de pensamento institui as suas regras de argumentação, chame-lhe ou não verdadeiras, são para ser seguidas por todos.
O 3º ponto, já inerente a este 2º, é que tu não podes escrever nada de sério para outros se não estiveres convencido da verdade do que escreves, de maneira quase 'absoluta', embora acrescentando 'probabilidade', ou outras nuances de incerteza, 'acho que'. Se despachas de qualquer maneira, não és 'sério', e essa seriedade tem a ver com a lei da verdade. Ou seja, nunca escreves convencido de que é erro ou mentira. Até para contestares que haja verdade, só é aceitável se tal contestação for verdadeira. A grande tradição de pensamento greco-europeia seria impossível se os seus filósofos e cientistas não estivessem animados duma grande paixão pela verdade no que descobriam ou propunham.
A lei da verdade é, para a cena da inscrição, o que a lei da gravidade é para a da gravitação, a lei da selva para a da alimentação e a lei da guerra para a da habitação. Está portanto submetida a uma dupla lei, indissociável e inconciliável: não podes escrever sem quereres escrever verdade (é a lição do Cogito cartesiano), mas estás sujeito à discussão impiedosa das diversas tradições de pensamento que pões em causa, que implicam diversidade de verdades. O que não há, excepto para o Vaticano, é A Verdade, só há verdades, múltiplas, sem mestres infalíveis.
Dito isto, o que é que considero 'verdade' no que propus? Que os motivos fenomenológicos de 'duplo laço' e seus retiros (Derrida) bem como doação retirada (Heidegger) permitem compreender, de maneira paralela apesar das suas irredutibilidades, os vivos, as sociedades de humanos e as suas línguas, as moléculas, graves e astros, as máquinas, laboratórios, escola, cidade, mercado, médias. Uma tabela fenomenológica, no final do 2º volume, permite uma visão sinóptica desta 'verdade', que é sempre uma verdade de re(pro)dução. Mas permite em seguida, já que essas verdades são de regras de reprodução através de outros, regras das cenas, que se possa afirmar a verdade da afirmação de cada ente com diferimento da sua morte, tanto quanto é conseguido em condições aleatórias das trocas ou conflitos com outrem.

15/04/2012

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Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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