terça-feira, 7 de agosto de 2012

103. O abstracto em Heidegger


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L.T. : Há uns tempos falávamos de Heidegger, de Ser e Tempo e outros livros dele. Mas recordo-me de falares com alguma perplexidade do 'abstracto' em Heidegger, nomeadamente em Ser e Tempo. Fiquei a pensar nisso e também curioso.
Que querias dizer com o 'abstracto' em Heidegger?

05/08/2012
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F.B : A única coisa que me parece poder ser em relação a perplexidade, em termos de admiração, de achar admirável, no Heidegger, menos no Ser e Tempo, mais na continuação, tem a ver com a questão dos exemplos que foi discutida na Fábrica de Braço de Prata, a 30 de março. É a maneira de ele escrever sempre de forma 'filosófica', lendo e relendo alguns textos gregos e outros europeus, algumas palavras gregas e algumas palavras do alemão antigo, de ter desprezado praticamente todos os seus contemporâneos, e com isso ter conseguido um pensamento fortemente adequado ao que se precisa hoje, como me parece (e tenho multiplicado os exemplos científicos de vária ordem em que ele de certeza nunca pensou). O exemplo que me vem é o dos matemáticos, e não dos físicos, que estes procuram equações adequadas a experiências laboratoriais. Enquanto que há matemáticas que são inventadas de forma puramente especulativa, por razões de lógica imanente à matemática, sem que os seus inventores tenham alguma ideia de que aquilo sirva para alguma coisa. Depois outros encontram lá utilidades para as coisas em que andam metidos. Não sei suficientemente para te dar exemplos, digamos que é um pouco uma maneira minha de 'imaginar', de 'ficcionar', quer o trabalho matemático, quer o de Heidegger.

05/08/2012


L.T. : Não vou mais longe, vale a pena citar Aristóteles traduzido por Tricot: "Quant à ce qu'on appelle les abstractions, l'intellect les pense comme on penserait le camus: en tant que camus, on ne le penserait pas à l'état séparé, mais, en tant que concave, si on le pensait en acte, on le penserait sans la chair dans laquelle le concave est réalisé: c'est ainsi que, quand l'intellect pense les termes abstraits [ta en aphairesai legomena], il pense les choses mathématiques, qui pourtant ne sont pas séparées, comme séparées. Et, d'une manière générale, l'entellect en acte est identique à ses objects mêmes."

Aristóteles, Da Alma, 431 b

Aristote, De L'Ame, trad. nouvelle et Notes par J. Tricot, Vrin, 1934

"Quanto ao que se chama abstracções, o intelecto pensa-as como se pensaria o nariz achatado (camus - nariz achatado, curto): enquanto achatado, não o pensaríamos no estado separado, mas, enquanto concâvo, se o pensássemos em acto, pensá-lo-íamos sem carne na qual o concâvo é realizado: é assim que, quando o intelecto pensa os termos abstractos [ta en aphairesai legomena], pensa as coisas matemáticas, que no entanto não são separadas, como separadas. E, de uma maneira geral, o intelecto em acto é idêntico aos seus próprios objectos. " Trad. LBT

19/08/2012
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Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2002 + -

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