quinta-feira, 17 de julho de 2014

153. Voltando ao passo de O Sofista, 263 e, de Platão, que iniciou este blogue, mas retraçando outras questões.








LT: Há uns dois meses ou mais estava para enviar-te umas questões destas. Mas o teu último texto no filosofiamaisciências 2, “Pensamento e Linguagem”, espevitou-me.




Aqui vão as questões à maneira de esboço e por retrabalhar…

Voltando ao passo de O Sofista, 263 e, de Platão, que iniciou este blogue, mas retraçando outras questões.

“Pensamento (dianoia) e discurso (lógos) são o mesmo (taútón), salvo que o diálogo (diálogos) interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma (aúten) recebeu o mesmo (aútó) nome de pensamento (dianoia).” (Tradução de Auguste Diès, ed. bilingue, Les Belles Lettres, 1925)

1.
Parece-me que, em parte, a resposta já lá está no teu texto. Mas gostaria de retomar a questão. Como é que entendes este mesmo ou esta mesmidade? Pois, ele defende de início que pensamento e discurso são o mesmo, ou a mesma coisa; mas em seguida diferencia este “mesmo” de um outro “mesmo”, a saber: o diálogo interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma (curiosamente emprega o termo “aúten”); tendo este diálogo o mesmo (aútó) nome: pensamento (dianoia).

Mais à frente, conforme citas também: “mas a corrente sonora que sai da boca recebeu o nome de discurso (lógos)." Ele parece proceder a diferenciações e rediferenciações do pensamento e do discurso. Mas preciso ver melhor estas questões noutra altura…

Mas voltando à primeira citação. Este passo dá pano para mangas. Não é curioso que o nome se mantém (dianoia) para aquela diferença?
Tentando ser sucinto. Diánoia e lógos são o mesmo (taútón). Todavia, no dia-lógos  interior e em silêncio que a alma tem consigo mesma, o nome permanece o mesmo: dianoia. Isto não é espantoso?

2.
Ora, em ‘diálogos’, se não erro muito, o prefixo ‘dia’ reenvia para o sentido de um para o outro lado e vice-versa, ou um através. Dir-se-ia que isto remete para um como que eco e também - não sei se ao mesmo tempo - para uma certa auto-escuta, digamos assim, mas sem voz (aneu phônês) e em silêncio (entós) da alma.
Mas não será que não é só uma auto-escuta da alma mas também da voz? Tentarei abordar a questão mais à frente.
Também no passo do Teeteto 189 e que vai nessa linha, é dito que “opinar é falar, e a opinião é um discurso pronunciado, não, seguramente, a um outro e de viva voz, mas em silêncio e a si mesmo” (da edição francesa traduzido por Chambry; não disponho da versão no grego). E antes, no mesmo passo, sem que Sócrates esteja ainda bem seguro do que diz: “Mas parece-me que a alma, quando pensa, não faz outra coisa que não seja entreter-se com ela mesma, interrogando e respondendo, afirmando e negando.” Ou seja, o tal diálogos.

3.
Talvez pudéssemos partir daqui para a “Voz que guarda o silêncio” em A Voz e o Fenómeno do Derrida. Mas não estou de momento à altura para dizer mais coisas sobre isto. Um tanto sem contexto, embora já tenha rondado várias vezes este texto difícil e muito interessante, gostaria de lembrar que ele escreve: “a voz escuta-se” (“la voix s’entend”). Não indo mais longe: se a voz se escuta, isto não é compreender, de alguma maneira, que nela, na voz, há sempre já um silêncio, no qual e através do qual ela escuta, se põe à escuta?
Quais as implicações destas questões para o pensamento e a linguagem?

Mas tu conhecerás muito melhor estes textos do que eu…

Isto dá para mais, mas para já vai assim. Até por que ando a fazer uma pausa com o computador e net.
Questões que me ocorreram há uns tempos, se te interessarem.

14/07/2014

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FB: Dia-logos e dia-noia, em que logos e dia-noia são o mesmo: se há um problema, será justamente a diferença entre a 'alma' (phuchês), inteligível, imortal, portanto sem contaminação com o sensível, que a este pertence a voz. Há algo que resiste a esta 'separação' crucial entre o inteligível (lembrar o noein) e o sensível, que se poderá encontrar aliás também no tratado sobre a Alma de Aristóteles, em que julgo que o logos não aparece nunca (seria preciso ver o grego com atenção) por justamente haver o problema entre o corpo a que a alma está ligada (hylemorfismo) mas aonde se mantém o carácter inteligível dela e a separação do sensível, questão que creio que Aristóteles não conseguiu resolver (mas não o conheço suficientemente). Esta separação manifesta-se claramente no signo tripartido dos Estoicos, com o lekton acrescentado aos tradicionais nome (onoma) e coisa (pragma), sendo o que o estrangeiro não entende, em clima pois de bilinguismo e tradução, que nem Platão nem Aristóteles conheceram.

Derrida foge a esta 'separação' entre o inteligível e o sensível, como disse ne texto que citaste. "A voz que se escuta" é a sua definição de 'consciência', significa que falar ou pensar só é possível 'sabendo-se' (scire) de si (con-), porque  falar e pensar implicam escutar-se, a um nível a que justamente só o próprio tem acesso, como diz A. Damásio, falando dos neurónios de que o próprio humano (ou 'animal'), e só ele, sabe do conteúdo (é a mente, segundo Damásio). Não vejo lugar para nenhum silêncio aqui, muito menos um silêncio 'através' do qual algo se faça. Acho aliás que o silêncio é muito difícil de se conseguir, a experiência de meditação espiritual tem sempre esse problema, chegar ao silêncio. Também não vejo que haja que opôr 'voz' e 'escuta', activa aquela e passiva esta, já que 'aprendida', a voz e o pensamento são passividade activada.

16/07/2014


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Imagem: pintura de Luís de Barreiros Tavares
Estudo-versão-cromática-azul-avioletado a partir de 'bodegón' (natureza morta, 1946) de Picasso. Acrílico sobre prancha de cartão entelado, 23x35+-, 2002.
Colecção privada.

"Os flancos e o fundo - aquilo em que consiste a vasilha e pelo qual ela se mantém de pé - não são, propriamente falando, o que contém. Mas se o continente reside no vazio da vasilha, então o oleiro, que, sobre o seu torno enforma os flancos e o fundo, não fabrica, propriamente falando, a vasilha. Ele somente dá forma à argila. Que digo eu? Ele dá forma ao vazio. É para o vazio, é nele e a partir dele que enforma a argila para dela fazer uma coisa que tem forma. O oleiro alcança primeiro e alcança sempre o inalcançável do vazio, ele o produz como um continente e lhe dá a forma dum vaso."

"A coisa" in Martin Heidegger, Essais et conférences, trad. André Préau, Paris, Gallimard, p.199, 1995.
Tradução do trecho: Luís Tavares 





segunda-feira, 21 de abril de 2014

152. "Porreger", "porrecção"? Em "Tempo e Ser" (Zeit und Sein), de 1962 - Heidegger










LT : Como vais? Como vês a questão da 'porrecção' tão pensada em Tempo e Ser (Zeit und Sein) de 1962?
Boas coisas

19/04/2014

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FB : Para dizer com franqueza, não digo nada. O termo tem a ver com a família de 'reger', mas eu já li várias vezes o texto, que - ao colocar o Ereignis no lugar que antes era o do Ser e irmanar este com o Tempo como ambos doados, voltando pois o 'ser' ao lugar tradicional de 'ser do ente' e este embora essencialmente temporal - dá um acabamento fabuloso ao caminho de floresta, ou senda, do Heidegger. Ora, nas várias vezes que o  li, sempre o que ele tenta dizer com essa 'porrecção' me escapou. Ou não tenho filosofia que chegue, pelo menos a heideggeriana, ou a senda da  'porrecção', ao contrário da do Ereignis é uma senda inacabada, impasse, sem saída uma vez que ele morreu. Também é certo que não costumo ler exegetas de Heidegger e também confesso que a leitura de Derrida deste texto em Donner le temps me admirou não ter dado pela 'minha'  novidade do Ereignis.  Dito isto, é possível que essa tentativa da porrecção seja mais ou menos falhada por depender do que em Heidegger permanece de logocentrismo, que se mostra na maneira como nos textos de Questions IV, que começam justamente com Tempo e Ser, o Dasein permanece sem ser dom do Ereignis, ainda com uma espécie de cordão umbilical ao 'sujeito' husserliano, sem as consequências que me parecem poder ser tiradas do ser no mundo, da 'vinda à presença' ser o nascimento (enquanto que Ser e Tempo privilegiava a morte). Ou ainda, o pensamento do Heidegger permanence no nível do 'entes', não espreita dentro deles, ignora as ciências como também a linguística. Isto é, a minha leitura dele, que o ser no mundo implica a aprendizagem dos usos e portanto a transformação do 'sujeito' de cada vez que aprende um uso (e estamos sempre a aprender), isso só me foi possível por ler Heidegger contando com o Derrida. Então, na minha limitação filosófica, desisti de entender a 'porrecção', achando que era um impasse com o tempo, antes da différance, que é não apenas a temporalidade dos entes entre passado, presente e futuro ou vice-versa, mas a sua constituição desde o não ser, dado como ser vivo ou como coisa fabricada ou instituição humana ou texto, etc. dado como ciclo temporal que é também imbricação com outros entes, em cena que é sempre de muitos e com muitos, de comer e de aprender. O tempo é gestação e crescimento com fim adiado, este adiamento sendo o que dinamiza o crescer. Qual porrecção, qual carapuça!
Aleluia, em dia de Pàscoa

20/04/2014
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FB : Para dizer com franqueza, não vejo nada. 
correcção da primeira frase
Mais Aleluia!


20/04/2014
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LT : Está bem. "Qual carapuça"... mas o que é facto é que é um tema importante. E parece-me que pouco explorado. Se não me engano, por exemplo, o Agamben em A Potência do Pensamento, onde fala bastante do Heidegger e do Ereignis, não aborda esse estranho conceito...
O Agamben às vezes acaba por se tornar demasiado erudito; 'erudito', não sei se é a expressão mais apropriada. Mas embrenha-se demasiado numa certa abordagem da linguagem sobre a linguagem. Mas tem textos muito bons!
Vou entretanto ler o teu texto com atenção. Tenho cá uns motivos acerca da 'porrecção', mas ainda estão muito verdes...
Boa Páscoa... Aleluia também!

20/04/2014
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Imagem: Estudo livre em torno de "botas de camponesa" de Van Gogh.
Acrílico sobre tela sintética colada a tábua - 25x35cm - 2002 - por Luís de Barreiros Tavares.

"Na escura abertura do interior gasto dos sapatos, fita-nos a dificuldade e o cansaço dos passos do trabalhador. Na gravidade rude e sólida dos sapatos está retida a tenacidade do lento caminhar pelos sulcos que se estendem até longe, sempre iguais, pelo campo, sobre o qual sopra um vento agreste. No couro, está a humidade e a fertilidade do solo. Sob as solas, insinua-se a solidão do caminho do campo, pela noite que cai. No apetrecho para calçar impera o apelo calado da terra, a sua muda oferta do trigo que amadurec e a sua inexplicável recusa na desolada improdutividade do campo no Inverno. Por este apetrecho passa o calado temor pela segurança do pão, a silenciosa alegria de vencer uma vez mais a miséria, a angústia do nascimento iminente e o tremor ante a ameaça da morte. Este apetrecho pertence à terra e está abrigado no mundo da camponesa. É partir desta abrigada pertença que o próprio produto surge para o seu repousar-em-si-mesmo."
Martin Heidegger, A Origem da Obra de Arte, trad. M. Conceição Costa, Ed. 70, 1992, p.25.




quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

151. Retomando questões...









LT: Retomando questões da mensagem 129 do bLogos, continuando pela 130, quase se ficando pela pela 131 e depois com uma “avalanche de perguntas" na 132. Mas creio que algo ficou ainda por dizer sobre essas questões.


1. As células, genes (mens.129), os átomos, estes conforme os conhecemos hoje, pois o atomismo já falava neles mas de outra forma, já existiam, por exemplo, na era de Platão, Pitágoras, Homero, etc., etc.? Ou, pelo contrário, ou de outro modo, eles já existiam (ou dizemos que já existiam) na medida, precisamente em que nós, daqui - nesta ponte temporal - a 20 e muitos séculos de distância dizemos que existiam? Porque ponho estas questões? É que me parece que o tempo tem aqui um papel decisivo. Quando é que uma coisa existe? Por que dizemos que uma coisa já existia antes de ser descoberta? Que forma se manifesta aqui, segundo o modo de aspiração que tem o humano em antecipar, para guardar para a posteridade? Para post-cipar, digamos assim? Ou o contrário? Quer dizer, como maneira de encontrar no real e no mundo planos diferentes do que perdura, e o ultrapassa – ao humano - no tempo. Nomeadamente, definir aquilo que cientificamente existiu sempre ou, nem indo tão longe, começou a existir há milhões ou biliões de anos, enquanto primeiras formas de vida, por exemplo? Porque é que as ciências insistem nas coisas, no fundo? O que é que algo de metafísico persiste em atravessá-las? Dever-se-á re-pensar o Tempo nas ciências?

2. Por assim dizer, parece-me, visto de um certo ponto de vista, que certas coisas são descobertas a dada altura, na medida em que outras, que foram descobertas noutra altura, fazem com que elas sejam descobertas. De certo modo também, certas coisas fazem com que o homem as descubra; mas, por outro lado, isso é condição de possibilidade para (faz com que) que os homens as descubram, e reciprocamente. Não creio que isto seja uma aplicação genérica do famoso princípio do Protágoras: o humano (universal e/ou singular, conforme está pressuposto nessa frase) é a medida de todas as coisas. Também não se limita ao inverso: as coisas são a medida do humano. Talvez a filosofia possa ajudar nisto, pelo menos a ter cuidado com o que se entende grosso modo, por coisas; o que pressupõe o objecto, logo, também, o sujeito.
Às vezes parece-me que os próprios cientistas estão a falar de coisas. E não é preciso supor que assim pareça só porque falam num registo para que os leigos entendam.

30/1/2014

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FB: 1. As células, genes, os átomos, são bons exemplos: trata-se do que Bohr chamou 'seres de laboratório' (ao átomo, eu acrescento as células e os genes), isto é, que não são dados à tua vista ou à minha, fora do laboratório. Mas na experimentação do laboratório eles relacionam-se respectivamente com vivos ou 'graves' actuais, donde foram retirados. As teorias científicas podem extrapolar a vivos que já não vivem, e até analisar o ADN duma múmia ou dum bicharoco qualquer congelado há milhares de anos, duma flor. Para os graves ainda é mais fácil, porque as rochas duram milhões de anos, pode-se saber quantos, com certas análises químicas: sobre tal pedra e seus átomos, que ela já existia como ela é (excepto erosão, claro). 

Eu devo dizer que em relação aos átomos, considero que a Tabela Periódica, em que os átomos são ordenados segundo 1, 2, 3 [...] 80, 81, 82, etc protões e neutrões do núcleo, permite pensar que todos os astros lhe obedecem, todos são feitos de átomos da Tabela. Não vejo nenhuma outra possibilidade: dois protões e meio?

A tua pergunta não me põe nenhuma dificuldade especial: é sempre hoje que conhecemos o passado. O que me põe dificuldade é outra questão, que tem a ver com a convicção de muitos cientistas de que haverá vida noutros planetas. E será vida como a nossa, de células e genes? A dizer verdade, eu sou relativamente céptico quanto à hipótese de haver vida. Julgo que a tal convicção dos cientistas depende do determinismo deles, ora a evolução da vida foi cheia de aleatórios, incluindo extinção de inúmeras espécies, tantos e tais aleatórios que vejo com muita dificuldade que essa epopeia incrível se tenha repetido tal e qual noutro lado. Agora, se não for vida de células e genes mas de outras moléculas, sabe-se lá. Ou outras espécies.

Quanto ao tempo, eu gosto da definição do Aristóteles que pelos vistos S. Agostinho não conhecia ou não entendeu. O tempo é o número do movimento, com antes e depois, por exemplo o movimento da terra no sistema planetário dá-nos os dias, as estações e os anos. É o movimento que é primacial, cada coisa tem a sua temporalidade, a do seu movimento. O último Heidegger ensinou que o Ereignis dá ser e tempo a cada ente. Os Gregos clássicos não tinham a noção de 'espaço' indefinido, mas a de lugar de cada coisa, como também não a de tempo fora das coisas.


2. A tua 2ª questão, não a entendo bem: "certas coisas fazem com que o homem as descubra" quer dizer o quê? claro que as descobertas dependem de outras anteriores, mas numa descoberta joga um paradigma laboratorial, feito de linguagem teórica, sem o qual nada se descobre, e é de textos desse paradigma que nós sabemos, que os cientistas comunicam e depois verificam no seu laboratório. 'Coisa' ou 'fenómeno' não é 'objecto' na fenomenologia que eu proponho, nem é nada de exterior ao paradigma nem o cientista é um 'sujeito' fora do paradigma. 

Seja um exemplo de culinária. A receita duma sopa não é a sopa, não se come, mas sem a receita implícita não se faz nenhuma sopa e quando a receita é comunicada por telefone, ela traz consigo a sopa que se fará (a receita duma sopa é a sopa). O paradigma laboratorial é um conjunto teórico de receitas de experimentações, estas são o risco de haver 'descobertas' ou não, falhanços. 

É assim que eu vejo as coisas, nunca precisei do Protágoras nem nunca percebi bem o que é que a sua célebre fórmula significava para um grego clássico.
5/2/2014



Imagem: A casinha - homenagem a Hernández Pijuan - técnica mista sobre tela - 2012 - por Luís de Barreiros Tavares.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

150. Filosofia com ciências e filosofia das ciências - genitivo subjectivo e genitivo objectivo.







LT: Há uns bons tempos que estava para pôr-te esta questão. Tentando ser simples.
Tem a ver com o genitivo subjectivo e com o genitivo objectivo na designação «filosofia das ciências».
Para o genitivo subjectivo há a filosofia inerente às ciências; para o genitivo objectivo há a filosofia sobre as ciências.
Nesta perspectiva, como é que contrapões, ou estabeleces a diferença entre a «filosofia com ciências» e  a «filosofia das ciências»? Tendo em conta que a primeira tem como um dos «motivos» decisivos de pensamento - para empregar um termo que te é caro - a investigação daquilo a que chamas «componente filosófica ocultada» («composante philosophique cachée»; no teu livro La philosophie avec sciences au XX siècle § 6) radicada fundamentalmente na cisão constitutiva da «representação» herdada do pensamento e filosofia ocidentais no séc. XVII: «a representação do objecto (exterior) no sujeito (interior), a ideia, o que pressupõe a oposição dentro / fora»? É que este aspecto tão vincado na filosofia com ciências tem alguns paralelismos com aquele, o do genitivo subjectivo da «filosofia das ciências», precisamente a filosofia ou a dimensão filosófica a elas inerente.
São questões que alguns filósofos das ciências  te poderão colocar, parece-me.
Bom Ano Novo!

30/12/2013

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FB: Bom ano também para ti.
Respondo-te para o ano.

31/12/2013

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LT: Ok, até p'ró ano!

31/12/2013

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FB: Boa questão, nunca tinha visto as coisas por esse prisma. A Filosofia das Ciências faz destas um objecto de análise filosófico (como uma Sociologia da Filosofia fará desta um objecto de análise sociológica ou uma História da Filosofia faz dela um objecto de análise histórica). Quanto à Filosofia com Ciências, é como dizes; retrabalhadas do ponto de vista da fenomenologia (Husserl, Heidegger e Derrida), elas permitem reformular esta e a filosofia dominante no Ocidente, enredada em torno do par sujeito / objecto, em clara   herança do dualismo alma / corpo, ou seja um sujeito sem corpo e oposto ao mundo, sem sociedade nem linguagem e por aí fora. As ciências que se ocupam destas questões permitem uma filosofia que as tenha em conta, permitem dar uma visão do ser no mundo heideggeriano que vai além do próprio Heidegger no ponto em que este guarda um cordão umbilical a Husserl no seu Dasein que não é constituído pelo mundo. 
Dito isto, é óbvio que a Filosofia com Ciências também pode ser Filosofia das Ciências, por exemplo quando trata do lugar do laboratório nelas, que tende a ser ignorado pela Filosofia das Ciências tradicional. Digamos que ela respeita a autonomia das várias ciências em seus laboratórios, mas questiona a relação dos seus paradigmas justamente ao mundo dos fenómenos analisados laboratorialmente. Como estas análises são sempre fragmentárias, é na sua unificação teórica e no que nela há de filosófico que a Filosofia com Ciências incide.

23/01/2014



Imagem: «Quadrângulo negro sobre fundo branco» (1913) de Kasimir Malevich