quarta-feira, 14 de março de 2012

35. O DE FORA e o DENTRO. O FORA e o DENTRO.



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L.T. : "(...) isto é, é DE FORA que o DENTRO de cada animal ou humano é constituído, segundo a lei da selva que rege justamente a alimentação dos animais a partir doutros vivos, plantas ou animais."

Empregando alguma terminologia da mensagem anterior (vai em itálico).
1. Ou seja, os cientistas - neste caso o biólogo e o neurólogo - supondo, ou pressupondo que estão a constituir o FORA (objecto?) a partir do DENTRO ('sujeito'), não se apercebem que há um DE FORA que constitui (e os constitui como 'sujeito'?) as suas descobertas (mais "os raciocínios, teorias e experimentações") enquanto pretensamente (segundo o epistema ontoteológico) do DENTRO e do FORA?
2. Poder-se-á falar de uma espécie de intervalo - não sei se é o termo melhor empregue - que afasta mas põe em jogo o filósofo e o cientista, bem como, noutro terreno, o filósofo e o poeta, conforme indicou o Heidegger? 3. Mas há uma coisa que me intriga e para a qual o final do texto aponta ("Grande lentidão do pensamento filosófico a chegar às ciências? Ou nunca vai lá chegar?"): Parece que o cientista nunca cederá o passo ao filósofo. Mas o filósofo também não. Sem querer dramatizar, até porque não vejo que seja motivo para tal, mas antes para pensar, será este um dos muitos exemplos de como a Humanidade está de certo modo dividida?
15/2/2012
F.B. : O FORA e DENTRO de que fala essa citação é do animal: o DENTRO são os genes, a partir dos quais (como os sujeitos clássicos de Descartes a Husserl pelo menos) eles pensam o animal, enquanto que ao FORA chamam 'ambiente', os neurólogos 'mundo exterior'. O que a citação diz é que cada um é gerado na cena por progenitores (fora) e tal que ele possa sobreviver na cena, nomeadamente alimentando-se (a comida vai de fora) e para isso tendo de caçar (fora). Este 'tal que' corresponde ao que se chamava essência ou agora espécie biológica.Quanto aos cientistas e filósofos: eles funcionam em paradigmas diferentes, uns com laboratório, os outros não. No caso, há um muito mais largo do que os paradigmas, um epistema clássico filosófico (ontoteológico) a que os paradigmas destas ciências continuam sujeitos, enquanto que o Heidegger saiu dele: ser no mundo, saindo da definição, e o Derrida deu ainda outra volta, saindo do logocentrismo.É claro que estamos divididos, ciências da natureza e ciências sociais e humanas; ciências e filosofias; todos estes e literaturas; além de intelectuais e não intelectuais, capitalistas e empregados, etc., etc. Chineses e Europeus-Americanos, e por aí fora, divisões é que não faltam à Humanidade, raças, homens e mulheres, sei lá.


15/2/2012



Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares



34. Epistema ontoteológico.


Início da segunda parte do bLogos

No futuro
Painéis solares a partir de vegetais
Andreas Mershin, do MIT, acha que, dentro de uns anos, será possível fabricar painéis solares à base de resíduos vegetais nas aldeias mais remotas do mundo. Há oito anos, Shuguang Zhang, também do MIT, e colegas, estabilizaram, à superfície de um suporte de vidro, os pequenos complexos moleculares da fotossíntese nas plantas – e mostraram que o dispositivo gerava electricidade quando exposto à luz. Mas o fabrico era complexo e caro e o resultado nada eficiente em termos energéticos. Agora, Mersin escreve na revista Scientific Reports que o processo foi simplificado ao ponto de ser possível obter, num laboratório de liceu, células solares muito mais eficientes, o que parece promissor. (Ana Gerschenfeld, no jornal Público, 06/02/2012)


L.T. : Hoje vinha no Público um breve texto da Gerschenfeld: “No futuro, painéis solares a partir de vegetais.”
Na mensagem 29 do bLogos encontra-se o que segue, parecendo-me que tem a ver com estas questões:
"F.B. : […] Quanto à tua questão: 'poderemos considerar que as baterias de um telemóvel e de um computador são uma espécie de motores?', Não creio que sejam motores, apenas conservadores e transmissores de energia produzida por outros motores (turbinas, páineis solares, eólicas, etc). Os páineis solares são os mais curiosos, nunca tinha pensado nisso, terão 'algo' a ver com a fotossíntese que esta na origem da vida. (7/04/2010)"
Pegando no exemplo desta notícia, em que medida é que estas descobertas, sendo para a cena (“painéis solares à base de resíduos nas aldeias mais remotas do mundo”), segundo me parece, não são com a cena, se assim posso dizer, pois, segundo sustentas, a cena, nomeadamente a “ecológica” articulada à “lei da selva”, escapa aos cientistas experimentais do laboratório. Podes explicar um pouco como é que a questão da cena ecológica, que não é propriamente o “ambiente”, não é suficientemente compreendida pelos cientistas do laboratório? Chegas a falar de “lógica biológica” (ver mensagem 16, bLogos). Este exemplo dos painéis solares pode aplicar-se a estas questões, uma vez que estão relacionados com a fotossíntese? São questões importantes mas confesso que me são por vezes difíceis de compreender. Alguns § do teu texto sobre a Teresa Avelar na mensagem 16 do bLogos analisam-nas. Na mensagem 33 também fazes referência numa resposta a uma minha pergunta. E no P.S. do “Chinês pensa sem alfabeto” retoma-las. Portanto, são questões que consideras importantes.
06/02/2012
F.B. : Ora bem. Os painéis fazem parte da cena da habitação, como qualquer artefacto, automóvel e outras máquinas. Transformam energia luminosa e/ou térmica em energia eléctrica. Nada a ver com a fotossíntese, acho, que opera uma transformação química de CO2 e de água em glucose (para as células das plantas) e oxigénio (respiração dos animais). Agora, o que é que pode ser um painel solar a partir de vegetais, escapa-me completamente (não vi a referência da Ana Gerschenfeld)
A minha observação crítica à Teresa Avelar e ao António Damásio, ao paradigma dominante da biologia, consiste em que este se situa na ontoteologia europeia pós-kantiana: partem do 'sujeito' (animal ou humano) e neste da célula e do ADN, portanto do DENTRO para o que chamam ambiente, FORA, e os seus raciocínios, teorias e experimentações são feitos nesse epistema, como diria M. Foucault. A cena ecológica corresponde ao MUNDO do Ser e Tempo e ao EREIGNIS do Tempo e Ser: é ela que faz doação de cada vivo retirando-se, quer pela procriação a partir da semente de outros vivos, quer pela alimentação; isto é, é DE FORA que o DENTRO da cada animal ou humano é constituído, segunda a lei da selva que rege justamente a alimentação dos animais a partir doutros vivos, plantas ou animais. Fiquei muito chocado por Teresa Avelar não ter compreendido esta lei, que permite compreender a anatomia dos animais, invertebrados ou vertebrados, o que me parece dever-se justamente ao epistema ontoteológico que disse. Também é claro que o neurólogo padece do mesmo epistema que ignora a grande reviravolta filosófica do Heidegger, com 85 anos. Grande lentidão do pensamento filosófico a chegar às ciências? Ou nunca vai lá chegar? Não o saberei nunca, dada a lentidão e a minha idade.


7/2/2012

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Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares