quarta-feira, 9 de maio de 2012

76. Horizonte e contexto



L. T. :
A) Evidentemente que:“Aliás Heidegger reconhece que foi obrigado, que somos sempre obrigados a pedir emprestados, de maneira económica e estratégica, os recursos sintácticos e lexicais da linguagem da metafísica no próprio momento em que a desconstruímos.” Derrida, Posições, Trad. portuguesa, p.18.
B) “Uma vez em que tinha que falar desta questão numa aula, coloquei na devida altura um fervedor de leite em cima da mesa da sala de aula, dizendo aos meus alunos, meio espantados, meio divertidos: ‘eis aqui o objecto da fenomenologia de Husserl!’ Numa sala de aula, o fervedor está fora do seu contexto usual, fora do seu horizonte, é visto imediatamente por toda a gente.” (§ 64 de HPT, sublinhei; vj. mensagem 67)
C) “Ora, a questão do Ser e Tempo é que nós 'somos fora', somos no mundo. Isto é, a nossa interioridade, que privilegiamos (narcisicamente?), foi construída pelo mundo da nossa tribo. Os tais 'objectos' que estão fora, um copo que encho de água e bebo ou um automóvel em que me assento para o guiar, são pré-compreendidos, isto é, aprendemos (com outros copos e outros carros) a usá-los, somos já sujeito - com - objectos como condição de vivermos. É deste ponto de vista que acho que penso fora da oposição sujeito / objecto, porque não os há fora do contexto (…)” (da mensagem 74)
Uma questão: o horizonte heideggeriano prévio à definição é com-texto?
09/05/2012

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F. B. : Digamos que o contexto é o que rodeia aquilo de que um texto fala. Uma frase dum dado texto tem um contexto próximo nesse mesmo texto, mas esse contexto tem um contexto mais largo, até o todo do texto ser contexto de cada porção dele; mas depois o texto tem também contextos, por exemplo os textos que se leram para o escrever, e por aí fora, pela história fora: o conceito de contexto alarga-se indefinidamente, até ao horizonte, que acaba por ser sempre alargável também. Ora bem, usei exemplos de 'textos' escritos (ou falados), não se trata dos chamados em tempos referentes extra-linguísticos, porque estes só são abordáveis em textos (mesmo musicais, de imagens, matemáticos..). É, creio, o que significa a polémica afirmação de Derrida "não há fora de texto", que mais tarde explicitou dizendo que era equivalente a "não há fora de contexto". Isto é, o contexto também é textual, maneira de recusar a oposição entre linguagem e realidade (equivalente a sujeito e objecto), entre idealismo e realismo. Sempre que alguém refere um contexto fá-lo falando ou escrevendo, textualmente pois. E o que vemos, é com os olhos do nosso cérebro textual (ou memória) que o vemos.

09/05/2012

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Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

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