LT: Há uns bons tempos
que estava para pôr-te esta questão. Tentando ser simples.
Tem a ver com o
genitivo subjectivo e com o genitivo objectivo na designação «filosofia das
ciências».
Para o genitivo
subjectivo há a filosofia inerente às ciências; para o genitivo objectivo há a
filosofia sobre as ciências.
Nesta perspectiva, como é que
contrapões, ou estabeleces a diferença entre a «filosofia com ciências» e a «filosofia das ciências»? Tendo em conta que a primeira tem como um
dos «motivos» decisivos de pensamento - para empregar um termo que te é caro -
a investigação daquilo a que chamas «componente filosófica ocultada»
(«composante philosophique cachée»; no teu livro La philosophie avec sciences au XX siècle
§ 6) radicada fundamentalmente na cisão constitutiva da «representação» herdada
do pensamento e filosofia ocidentais no séc. XVII: «a representação do
objecto (exterior) no sujeito (interior), a ideia, o que pressupõe a oposição dentro / fora»? É que este aspecto tão vincado
na filosofia com ciências tem alguns paralelismos com aquele, o do
genitivo subjectivo da «filosofia das ciências», precisamente a filosofia ou a dimensão filosófica a elas inerente.
São questões que alguns filósofos das ciências te poderão colocar, parece-me.
Bom Ano Novo!
30/12/2013
-
FB: Bom ano também para
ti.
Respondo-te para o
ano.
31/12/2013
-
LT: Ok, até p'ró ano!
31/12/2013
-
FB: Boa questão, nunca
tinha visto as coisas por esse prisma. A Filosofia das Ciências
faz destas um objecto de análise filosófico (como uma Sociologia da Filosofia
fará desta um objecto de análise sociológica ou uma História da
Filosofia faz dela um objecto de análise histórica). Quanto à
Filosofia com Ciências, é como dizes; retrabalhadas do ponto
de vista da fenomenologia (Husserl, Heidegger e Derrida), elas permitem
reformular esta e a filosofia dominante no Ocidente, enredada em torno do par
sujeito / objecto, em clara herança do dualismo alma / corpo, ou seja um
sujeito sem corpo e oposto ao mundo, sem sociedade nem linguagem e por aí fora.
As ciências que se ocupam destas questões permitem uma filosofia que as tenha
em conta, permitem dar uma visão do ser no mundo heideggeriano
que vai além do próprio Heidegger no ponto em que este guarda um cordão
umbilical a Husserl no seu Dasein que não é constituído pelo
mundo.
Dito isto, é óbvio
que a Filosofia com Ciências também pode
ser Filosofia das Ciências, por exemplo quando
trata do lugar do laboratório nelas, que tende a ser ignorado
pela Filosofia das Ciências tradicional. Digamos
que ela respeita a autonomia das várias ciências em seus laboratórios, mas
questiona a relação dos seus paradigmas justamente ao mundo dos
fenómenos analisados laboratorialmente. Como estas análises são sempre
fragmentárias, é na sua unificação teórica e no que nela há de filosófico que
a Filosofia com Ciências incide.
23/01/2014
Imagem: «Quadrângulo negro sobre fundo branco» (1913) de Kasimir Malevich