L.T. : Uma pergunta um pouco a cru. Que responderias se te chamassem um filósofo com um pensamento prático? E prático pelo menos em duas vertentes: 1. Uma favorável, onde o sentido de prática, de uma práxis, exerce contrapeso ao de teoria, com todas as implicações que por vezes este segundo termo acarreta como, por exemplo, na sua conotação especulativa, enfim, fora de um certo critério de acção, etc. 2. Desfavorável, segundo certos critérios filosóficos de leitura, aonde, creio, essa praticidade, esse carácter prático, se torna, naqueles contextos, um tanto cru, digamos assim, para empregar de novo a palavra que usei de início como advertência para a minha pergunta. E é curioso que o teu primeiro livro tem no subtítulo 'prática' («Récit-Pratique-Ideologie»).
Não digo pragmático, para não entrar aqui nas etimologias nem confundir com o chamado Pragmatismo na filosofia anglo-saxónica. Pragmatismo que no entanto admiraste e pelo qual te interessaste durante algum tempo, por exemplo com o Rorty. Dei uma vista de olhos no artigo do Rorty sobre o Pragamtismo, no Dicionário do Pensamento Contemporâneo, dirigido pelo Manuel. Maria Carrilho, Ed. D. Quixote, 1991. Estou a lembrar-me do teu A conversa, Linguagem do quotidiano - ensaio de filosofia e pragmática, Ed. Presença, 1991.
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26/11/2012
L.T. : Continuando: Cru ou árido. É o problema de uma certa aridez em que alguns tendem - eu também, no início - a considerar alguns textos de Heidegger (Ser e Tempo e outros). Isto não terá que ver também com certas dificuldades relativamente àquilo que se chama o 'abstracto' em Heidegger, e de que já tivemos oportunidade de falar? Enfim, a questão da abstracção na filosofia. Mas é um abstracto extraordinário! Justamente, em vez de 'cru' ou 'árido', os teus textos também podem ser criticados, por alguns, exclusivamente daquele modo: também demasiado abstractos, dirão talvez alguns. Pois, há igualmente algo de abstracto e, paradoxalmente prático - e concreto, se quisermos - nos teus textos, a seu modo, claro.
26/11/2012
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F.B. : É certo que a fenomenologia a que cheguei, interpretando as grandes descobertas científicas do século XX com a fenomenologia de Husserl, Heidegger e Derrida, não é 'especulativa' ou 'abstracta' nem 'empirista', não se sujeita à descriminação entre teoria e prática. Tem por um lado uma ambição sistemática, a de não deixar de lado nada de fenomenal, mas por outro esse sistema não pretende conhecer nada na sua singularidade. Explicitando: recorre às descobertas científicas (que relevam de teoria e experimentação) mas para lhes reconhecer um papel não determinista de regulação autónoma (crescente com os níveis de complexidade) das coisas - graves, vivos, sociedades, textos, humanos - a que o motivo de duplo laço (Bateson, Derrida) dá consistência e ao mesmo tempo permite correlacionar coisas desses diferentes níveis ônticos. E portanto articular as respectivas ciências, sem que elas percam a sua autonomia.
Sobre a palavra 'pragmático': julgo que posso dizer que a minha leitura da história da filosofia acrescenta ao que Heidegger fez em relação às palavras filosóficas (dos gregos aos alemães) e Derrida aos textos (filosóficos e não filosóficos) uma leitura dos gestos filosóficos, como justamente as operações de escrita que são a definição e o laboratório científico, mas também a instituição de escola (Academia, Liceu, universidades medievais), a sua tradução (helenismo e clássicos europeus), papel na elaboração da teologia cristã em Alexandria e substituição de Platão por Aristóteles com Aquino, e por aí fora (direito, ética, política, estética, literatura, tudo domínios em que sou mais ou menos ignorante). Ora, isso pode ser dito uma leitura pragmática da história da filosofia.
27/11/2012
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L.T. : Curioso que me ocorreu inicialmente 'pensamento pragmático' e não 'pensamento prático'. Mas pelas razões que já indiquei optei por prudência pelo segundo. "Leitura pragmática......" parece-me feliz e bastante interessante.
27/11/2012
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Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares