L.T.: Escrevi mais uns apontamentos sobre Parménides, Heidegger, e a Aufhebung de Hegel em análise àquele passo de Paulo com o Agamben. Mas opto por reduzir o texto.
Aqui vai então uma parte do devaneio. Cito de novo para acompanhar a leitura.
“«comme sans loi, non sans loi de Dieu, mais dans la loi du messie» (hos anomos, me on anomos theou, all’ennomos christou) [Paul ,1 Cor 9, 20-23]. Celui qui se tient dans la loi messianique est non non-dans la loi” (Giorgio Agamben, Le temps qui reste, un commentaire de L’Épître aux Romains, trad., Judith Revel, Paris, Rivages, 2004, p.91)
Os motivos ‘afirmação’ e ‘negação’ podem não ser os mais indicados, mas facilitam e simplificam o esquema ou quadro de análise que aqui me proponho.
1. Não se trata de ser ‘sem lei de Deus’ (‘sans loi de Dieu’, Paulo). Não se nega aí a lei de Deus. Daí o ‘não sem lei de Deus’ (‘non sans loi de Dieu’, Paulo) [coloquei itálicos]. Esta negação - ‘não sem lei de Deus’- sugere afirmação pela negativa, por dupla negação. Dá que pensar que a lei de Deus não é posta de parte. Mas não é o mesmo que dizer ‘com lei de Deus’. Creio poder dizer-se que ‘não sem lei de Deus’ está compreendido, ou se articula, digamos, a ‘na lei do messias’ (‘dans la loi du messie [christou]’ Paulo).
Portanto, no caso afirmativo, isto leva a pensar que ‘na lei do messias’ (‘dans la loi du messie’, Paulo), que supõe afirmação (é afirmativo, positivo), manifesta-se como dupla afirmação, pois é, conecta-se, se posso dizer, com ‘não não-na lei’ ('loi messianique est non non-dans la loi', Agamben), sendo que este “não não” resulta por si em afirmação.
Para não ir mais longe para já, há aqui, me parece, não só dupla negação (“não não-na…”), mas dupla afirmação ('na lei de Deus' é 'não não-na lei'. E isto parece-me interessante... Uma posição que reforça uma posição. Pois o ‘não não-na lei’ também afirma, mas está em jogo com a/'na lei de Deus'.
Ou seja, parece haver neste passo uma dupla afirmação, que se nega enquanto tal, mas se reafirma de outro modo implicando um outro, tanto de afirmação quanto de negação. Assim, não se produzirá tanto uma mudança no regime de negação como no de afirmação?
Pode-se dizer então que há um 'insistir', para empregar um termo no teu apelo a que continuasse com estas questões sobre este passo de Paulo analisado pelo Agamben? E que insistir é este, que reforço é este, enfim, que força é esta? Estas questões terão a ver com as mensagens das Escrituras?
Há aqui algum ponto que poderá ir ao encontro das tuas leituras?
26/06/2012
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F. B. : A dizer verdade, não é esse tipo de especulação, mais teológica do que filosófica, que me interessa. A leitura do Agamben é interessante (sabes que ele é o apóstolo Filipe no filme do Pasolini O Evangelho segundo São Mateus?), teria que o reler, mas a dizer verdade não estou com muito apetite.
Muito menos me interessa o Hegel ou qualquer especulação filosófica, ontoteológica, sobre ele. Não é por aqui que vale a pena prosseguir.
27/06/2012
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Imagem: pintura - obra plástica de Luís de
Barreiros Tavares