sábado, 30 de junho de 2012

93. Textos gnosiológicos e literários. Uma nota a pensar...






L.T. : Porquê "literários talvez também"?


30/06/2012


-

F.B. : Porquê "literários talvez também"? porque não sei, de falta de saber, se há uma história da literatura como a há dos textos gnosiológicos, mas se a houver - o 'talvez' - é ligada à deles.


31/06/2012



-




Imagem: foto-escultura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares
 


quinta-feira, 28 de junho de 2012

92. O cristianismo. A habitação...




L.T. : Já tinha lido algures que o Agamben entrava num filme do Pasolini. Não sei se já vi esse filme. Também frequentou o seminário de Thor com o Heidegger.
Fazendo uma pergunta que me apetece, sendo posta de uma maneira simples, mas às vezes também surgem assim em entrevistas: por que é que a questão da 'habitação' é frequente e estudada nos teus textos sobre o cristianismo, e não só? Em suma, qual o seu alcance nos teus textos, pois por vezes é de difícil apreensão, dada a complexidade e abrangência com que a desenvolves, sff?

28/06/2012

L.T. : Suspendo a questão. Vou ler melhor.

29/06/2012

-


F.B.: A questão da habitação é o sentido geral da maneira como os humanos habitam na terra (Heidegger), como, mamíferos que se alimentam e inventaram usos para se reproduzirem, usos que se aprendem de geração em geração; não tem a ver apenas com a 'residência', mas com as sociedades: a cena da habitação é feita de unidades locais de habitação, quer residência e alimentação quer trabalho, com um laço interno (o paradigma do que se faz, como usos, dentro dela) e um laço entre elas que as liga numa unidade social. Os capítulos sobre ciências da sociedade é disso que tratam. É a 3ª das 4 grandes cenas históricas segundo as nossas ciências ocidentais: gravitação (astros e terra, cosmologia, física e química, geologia), alimentação (vivos, biologia, evolução), habitação (sociedades humanas, antropologia, história, sociologia, economia), inscrição (textos filosóficos e científicos, literários talvez também).


30/06/2012

-








Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

terça-feira, 26 de junho de 2012

91. Há muitos caminhos no cristianismo? Mais um pouco de Paulo e Agamben.



L.T.: Escrevi mais uns apontamentos sobre Parménides, Heidegger, e a Aufhebung de Hegel em análise àquele passo de Paulo com o Agamben. Mas opto por reduzir o texto.
Aqui vai então uma parte do devaneio. Cito de novo para acompanhar a leitura.
“«comme sans loi, non sans loi de Dieu, mais dans la loi du messie» (hos anomos, me on anomos theou, all’ennomos christou) [Paul ,1 Cor 9, 20-23]. Celui qui se tient dans la loi messianique est non non-dans la loi” (Giorgio Agamben, Le temps qui reste, un commentaire de L’Épître aux Romains, trad., Judith Revel, Paris, Rivages, 2004, p.91)
Os motivos ‘afirmação’ e ‘negação’ podem não ser os mais indicados, mas facilitam e simplificam o esquema ou quadro de análise que aqui me proponho.
1. Não se trata de ser ‘sem lei de Deus’ (‘sans loi de Dieu’, Paulo). Não se nega aí a lei de Deus. Daí o ‘não sem lei de Deus’ (‘non sans loi de Dieu’, Paulo) [coloquei itálicos]. Esta negação - ‘não sem lei de Deus’- sugere afirmação pela negativa, por dupla negação. Dá que pensar que a lei de Deus não é posta de parte. Mas não é o mesmo que dizer ‘com lei de Deus’. Creio poder dizer-se que ‘não sem lei de Deus’ está compreendido, ou se articula, digamos, a ‘na lei do messias’ (‘dans la loi du messie [christou]’ Paulo).
Portanto, no caso afirmativo, isto leva a pensar que ‘na lei do messias’ (‘dans la loi du messie’, Paulo), que supõe afirmação (é afirmativo, positivo), manifesta-se como dupla afirmação, pois é, conecta-se, se posso dizer, com ‘não não-na lei’ ('loi messianique est non non-dans la loi', Agamben), sendo que este “não não” resulta por si em afirmação.
Para não ir mais longe para já, há aqui, me parece, não só dupla negação (“não não-na…”), mas dupla afirmação ('na lei de Deus' é 'não não-na lei'. E isto parece-me interessante... Uma posição que reforça uma posição. Pois o ‘não não-na lei’ também afirma, mas está em jogo com a/'na lei de Deus'.
Ou seja, parece haver neste passo uma dupla afirmação, que se nega enquanto tal, mas se reafirma de outro modo implicando um outro, tanto de afirmação quanto de negação. Assim, não se produzirá tanto uma mudança no regime de negação como no de afirmação?
Pode-se dizer então que há um 'insistir', para empregar um termo no teu apelo a que continuasse com estas questões sobre este passo de Paulo analisado pelo Agamben? E que insistir é este, que reforço é este, enfim, que força é esta? Estas questões terão a ver com as mensagens das Escrituras?
Há aqui algum ponto que poderá ir ao encontro das tuas leituras?
26/06/2012

-

F. B. : A dizer verdade, não é esse tipo de especulação, mais teológica do que filosófica, que me interessa. A leitura do Agamben é interessante (sabes que ele é o apóstolo Filipe no filme do Pasolini O Evangelho segundo São Mateus?), teria que o reler, mas a dizer verdade não estou com muito apetite.
Muito menos me interessa o Hegel ou qualquer especulação filosófica, ontoteológica, sobre ele. Não é por aqui que vale a pena prosseguir.


27/06/2012


-



Imagem: pintura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

sexta-feira, 22 de junho de 2012

90. Cristianismo. Apalpando terreno...



L.T. :
Apalpando terreno.
Estive ontem a escrever um texto, talvez especulativo ou abstracto demais, sobre uma passagem do Agamben citando o Paulo. Mas prefiro adiar um pouco e ver melhor se interessa. Entretanto envio umas questões sobre essa passagem e uma tua do blogue do Cristianismo.

1. « La Bible hébraï­que est autre chose, sans doute difficile à discerner par ceux qui sont de tradition chrétienne. J'étais parti moi aussi pour lire l'an­cien Testament; que ma lecture ait re­trouvé la Bible hé­braï­que est l'une des heureu­ses dé­cou­vertes de l'aventure qui fut l'écritu­re de ce texte. La Bible hébraïque, c'est la Bible des Juifs sans plus, c’est-à-dire la Bible 'sans' le christianis­me. Mais ce 'sans' est à lire à l'an­glaise, without,, comme Der­rida le fait quel­que part, à fin d'es­sayer d'éviter l'inévi­table tendance chrétienne de croire qu'il man­que quelque chose à la Bible hébraï­que: la Bi­ble hébraï­que est la Bible des Juifs plus (with) le fait de n'avoir pas (out) le christia­nisme
[3]. Le nouveau Testament, tout en ajou­tant des choses impor­tantes à l'an­cien Testament, lui a aussi en­levé d'autres, l'a appauvri, et du même pas s'est appauvri soi-même. Ce sera pour une autre fois.»

"[3] Le motif du paradigme a eu des avantages nets dans l'histoire de l'épisté­mo­logie des sciences de notre siècle: d'une part, il a permis de dé­pas­ser les con­ceptions autour des seuls énoncés théoriques et de leurs vé­rifica­tions, en ac­cordant la primauté au contexte, d'autre part il a étendu cette no­tion de con­texte aux instruments, aux murs des laboratoires, aux manuels de formations des scientifiques, à leurs stratégies (scientifiques et autres) dans les choix des problèmes, et ainsi de suite. Mais il l'a délimité aussi très vite: en opposant trop les paradigmes se succédant, en n'accordant pas d'attention aux ques­tions du contexte civilisationnel et philosophique, comme le faisait à la même époque M. Foucault, par exem­ple. Je l'utilise ici, à un stade d'introduc­tion, où ma stratégie est d'attirer le lecteur à pour­suivre une lecture de quel­ques centaines de pages, mais il sera facile de s'aviser que ce que je propose­rai voudrait déborder ces limi­tes paradigma­tiques."

in « Questions au christianisme»: http://phenomenologiehistorique.blogspot.pt/
2. “«comme sans loi, non sans loi de Dieu, mais dans la loi du messie» (hos anomos, me on anomos theou, all’ennomos christou) [Paul ,1 Cor 9, 20-23]. Celui qui se tient dans la loi messianique est non non-dans la loi” (Giorgio Agamben, Le temps qui reste, un commentaire de L’Épître aux Romains, trad., Judith Revel, Paris, Rivages, 2004, p.91)
Será viável algum diálogo entre estes dois trechos em termos por exemplo de “Bíblia hebraica” (cinco vezes no teu trecho), “cristianismo”, “’sem’ o cristianismo” (Belo), “sem lei de Deus”, “na lei do messias” (Paulo) e “lei messiânica”, “não não-na lei” (Agamben)?
Faz sentido perguntar como pensas estes motivos supondo que há alguns que poderão questionar-se entre si? Tentando simplificar, como se jogam estas e outras questões na compreensão do Cristianismo?
21/06/2012

_

F.B.: Excelente questão! Essa citação foi escrita há quase vinte anos e na altura não saberia explicar-me como agora me desafias a tentar. Do ponto de vista da interpretação de textos, do que se chama hermenêutica, é um fenómeno espectacular: as mesmas letras da Bíblia hebraica tornam-se noutro texto no Antigo Testamento da Bíblia cristã...
Terei que ser breve, o texto donde tiraste essa citação, no meu blogue,poderá ajudar a compreender quem estiver interessado. Nós laicizámo-nos, separámos religioso e social, político, mas antes dos séculos XVIII-XIX, isso não existia, senão talvez no helenismo romano. Religioso e político eram indissociáveis. A propósito do I século, o exegeta judeu Folker Siegert escreveu lapidarmente que “o Judaísmo não é uma religião, é um povo”. A Bíblia hebraica é um livro político, em que Deus e os profetas são os actores principais, em vista da reforma ética e espiritual da sociedade hebraica (a 'aliança', no livro do Deuteronómio). Essa reforma segundo a justiça, que deveria fazer de Israel uma nação justa e autónoma face às outras nações vizinhas, falhou e desde o início do séc. VI a.C que Israel foi parte de impérios mais fortes, até aos Romanos no sec. I aC. Esse falhanço punha em causa a promessa de Yahvé, o Deus hebreu, e foi por acreditarem que a única maneira dele mostrar que 'era' o Deus de Israel (como hoje se fala em Deus existir ou não) era ele próprio intervir na história através dum 'ungido' (como o rei David), em aramaico 'messias', que surgiu a literatura apocalíptica ou escatológica. Tanto João Baptista, como Jesus e Paulo perceberam que os Romanos eram invencíveis (e de facto foram-no durante mais alguns séculos) e portanto acreditaram firmemente que o Reino definitivo de Deus estava para breve, Paulo enquanto era vivo, Marcos durante a geração dos que conheceram Jesus. O novo Testamento também é político (conflito permanente com as autoridades, manifestação messiânica em Jerusalém que leva à prisão e execução de Jesus), de maneira diferente da nossa de conceber a 'política', é claro.
O 'fim do mundo' em que eles acreditavam é totalmente político, Reino. A diferença entre Jesus e Paulo, é que aquele só pensou em termos de Israel e Paulo levou a escatologia para os Gentios também, desligando-os da parte 'antropológica' hebraica, da dita Lei. Sem que Agamben dê importância a esta fé escatológica, o que ele caracteriza no seu lindíssimo livro é a maneira de viver usando como se não se usasse, desligando das riquezas e glórias do mundo que estava para acabar 'no tempo que resta', hebreu que ele era e não grego (embora com cultura helenista).
Ora esta concepção foi arrasada, as duas ou três gerações seguintes tiveram que se organizar de modo a durarem historicamente sem que a escatologia se tivesse realizado como se esperara: a nova aliança também falhou, o evangelho de João relançou-a. E depois veio o Platão de Orígenes que 'salvou' o cristianismo, tornando-o grego, despolitizando-o e desmaterializando a Bíblia. Ora, só considerando a Bíblia hebraica me parece possível restituir estas coisas.
Acrescento apenas que não sou um nostálgico do cristianismo primitivo, apenas um leitor interessado, mais intelectual do que espiritual, digamos (o que pode levar a reticências legítimas de quem seja crente).

23/06/2012


-



Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares


quinta-feira, 21 de junho de 2012

89. Continuação: a 'trace' (rasto) e o silêncio...



F.B. : A questão da 'trace' (rasto) e do silêncio é uma boa questão. Implica saber o que é 'silêncio'.
Por um lado, é a ausência de sons, mas uma ausência, em regra, intermitente, temporária (em todo o lado há ruídos). Define-se em relação ao som, como o seu outro, e nesse sentido releva também do que se chama o sensível (como o escuro releva da luz). Em relação a esta definição de silêncio, o rasto derridiano não é nem sonoro nem silencioso.
Limitando-nos à questão da linguagem, o rasto é o (não) movimento - espaço-temporalização - que produz as diferenças significantes, diferença entre sensíveis: portanto não é 'sensível', é nada. Nada não é luminoso nem escuro, nem sonoro nem silencioso.

A outro nível, acima desta diferença no Sofista (tua primeira questão neste bLogos), o silêncio é algo que as escolas místicas, do pouco que delas sei, cristãs, buscam e têm muita dificuldade em conseguir, há métodos de evitar devaneios para prosseguir em meditação, mas na 'contemplação', chegar a um verdadeiro silêncio, sem pensamento, é extremamente difícil, busca-se durante anos e anos. Ora bem, se se chegar lá, talvez não muito tempo, que sei eu?, pode-se dizer que o jogo do rasto se interrompe? que esse silêncio seja silêncio do rasto? Não tenho a certeza. Complexa questão. Uns dias depois leio nas Marges do Derrida, p. 21 da ed. fr., que "não há rasto consciente", o que me parece indicar que, o silêncio relevando sempre da consciência, não haverá silêncio do rasto. Aliás, para haver, seria necessário diferenciar 'rastos' segundo a neurologia: o do jogo anatómico e fisiológico dos neurónios, que obviamente nunca se interrompe, mesmo depois de morto enquanto não houver decomposição bioquímica, e o do que se inscreveu e inscreve neles como consciência e memória; ora, se há muitos 'rastos', claro, num mamífero vivo eles enxertam-se uns nos outros de maneira que não podemos saber. Complexa questão ainda mais, mas esclarecida porventura a de que algum silêncio possível a um humano (também há o do sono lento sem sonhos) escape ao jogo do rasto.


20/06/2012


L.T. : Sim, também me parece uma questão complexa. Mas a tua resposta abre boas pistas. Para já não sei falar mais disto. Deixo só uma última nota curiosa. Ontem, antes de receber esta tua resposta, lembrei-me de consultar o texto do Derrida "La voix qui garde le silence" (cerca de 20 páginas) no La voix et le phénomène, PUF, 1993. O que é curioso é que - e sem tirar quaisquer conclusões - nesse texto, a palavra 'silêncio' só é empregue uma vez, se não estou em erro. É certo que não é frequente. Vem na primeira frase sendo a segunda palavra seguindo-se ao artigo definido: "Le «silence» phénomènologique..."

21/06/2012

-





Imagem: foto-escultura - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

_