quarta-feira, 26 de setembro de 2012

110. Uma citação sobre a questão da técnica - Heidegger




"La physique moderne n'est pas une physique expérimentale parce qu'elle applique à la nature des appareils pour l'interroger, mais inversement : c'est parce que la physique - et déjà comme pure théorie - met la nature en demeure (stellt) de se montrer comme un complexe calculable et prévisible de forces que l'expérimentation est commise à l'interroger, afin qu'on sache si et comment la nature ainsi mise en demeure répond à l'appel."

Heidegger, La Question de la Technique, trad. André Préau, Gallimard

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

109. Algumas dúvidas. Carbono - água - fotossíntese - ciclo do carbono, etc.





L.T. : Retomo uma questão que levantei na mensagem 16 que tem parte do teu texto "Diálogo com António Damásio e Teresa Avelar", entre outros:http://blogoscomfbeloperguntaserespostas.blogspot.pt/2011/08/normal-0-21-false-false-false-pt-x-none_1865.html . Coloquei este link na mensagem 108.
O que é que se passa neste intervalo: entre os poucos átomos de carbono na água, sendo a água fundamental nos vivos (seiva, sangue) - ainda que te refiras aos primeiros tempos da evolução (por ignorância, não sei como é agora: se há mais carbono na água?) - e o CO2 (dióxido de carbono) da atmosfera que permite às plantas receberem-no por fotossíntese", sendo o carbono fundamental nos vivos (plantas, herbívoros, carnívoros), no que chamas lei da selva, cena ecológica e, precisamente, ciclo do carbono!? A atmosfera "faz parte da cena ecológica (além do CO2, o oxigénio da respiração animal)". Por outro lado, "a vida das células continua banhada em água, como foi nos primeiros seres vivos!"
Desculpa lá se revelo ignorância nalgum ponto da formulação da pergunta. Mas sou mesmo ignorante nestas e em muitas outras coisas.

19/09/2012







-


F.B. : O carbono é uma molécula que existe em todas as moléculas complexas das células. Um dos problemas da evolução, começando por um número relativamente pequeno de seres unicelulares até chegar à imensidão de plantas e animais na terra, é este: como é que vai havendo cada vez mais células, donde vem o carbono? A resposta é justamente o
CO2 da atmosfera, que era a maior componente da atmosfera inicial da terra. A fotossíntese que estudámos no liceu cria glicose, a partir do CO2 e da energia da luz, nas folhas das plantas e liberta oxigénio. 12H2O + 6CO2 → 6O2 + 6H2O + C6H12O6 (Google, fotossíntese). Com o tempo, o oxigénio substituiu uma parte do CO2 mas os animais, que puderam vir desse oxigénio, restituem CO2 à atmosfera na respiração: as florestas são hoje necessárias para continuar este ciclo do carbono.
Quanto à água inicial: li algures que a percentagem de sal no sangue e na seiva era a mesma do oceano. As células todas, das plantas como dos animais, vivem em meio líquido, tal como no princípio. Quando os animais largaram os mares e invadiram a terra, trouxeram o 'mar exterior' com eles, sob forma do que Cl. Bernard chamava o 'meio interior' (sangue e líquido extra-celular).

Estas coisas encontram-se facilmente na enciclopédia da Teia, Wikipedia. Mas também no meu blogue Filosofia mais ciências, Manifesto.


19/09/2012

-


 Imagens: obras plásticas de Luís de Barreiros Tavares

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

108. Continuação: biologia e duplo laço - leis inconciliáveis e indissociáveis



F.B. : Disse ontem que explicaria hoje o duplo laço em Biologia animal. Mas demora tempo e eu já expus a coisa no Manifesto, §§ 23-26, 30-31, no meu blogue filosofia.com.Ciências:http://filosofiamaisciencias.blogspot.pt/ . De forma sucinta, a reprodução de cada animal implica que ele se alimente com moléculas de carbono, fósforo, azoto (além de água, oxigénio e hidrogénio), que só se encontram nos outros vivos, quer plantas (que recebem o carbono do CO 2 da atmosfera por fotossíntese) quer nos herbívoros que se alimentam de plantas e são presas ideais para os carnívoros. É esta a lógica da chamada lei da selva, sem a qual nenhum animal sobrevive. Mas o próprio animal pode ser presa de outros, esta lei é inconciliável com ele, que tem que aprender a caçar sem ser caçado, é a sua lei de autoreprodução. Cada animal é, na sua anatomia, o duplo laço destas duas leis inconciliáveis e indissociáveis, a da sua autoreprodução e a geral da selva, da reprodução de todos.

Qual é o interesse deste motivo de duplo laço? Entre outras considerações, ele permite obstar ao determinismo típico das ciências europeias, que o herdaram da filosofia (e da teologia). O duplo laço implica que cada caso de autoreprodução dum animal (e de morte daquele que ele comeu), seja da ordem do acontecimento aleatório e que as regras anatómicas estudadas pela Biologia (ou as da sintaxe estudadas pela linguística) sejam correlativas da cena aleatória: tenho fome, tenho que caçar, encontrar presa e conseguir comê-la depende da cena, pode ou não suceder, como sucede às presas acabarem logo ali.
Foi desta lei da selva incrível que resultou, com um imenso aleatório, a selecção natural.

Ver mensagem 16:http://blogoscomfbeloperguntaserespostas.blogspot.pt/2011/08/normal-0-21-false-false-false-pt-x-none_1865.html


17/09/2012

-


Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012

domingo, 16 de setembro de 2012

107. Double bind e leis inconciliáveis e indissociáveis




L.T. : Então, fazes a passagem do double bind (duplo laço) para as ciências com o que chamas "leis inconciliáveis e indissociáveis"? Como?

16/09/2012

-

F.B. : Resposta complicada. Começo pelo exemplo da linguagem. A chamada dupla articulação de cada palavra - por um lado, 'significante', é composta de fonemas (letras, no alfabeto) permitindo a voz que a garganta consegue modular com uns trinta e tal fonemas, por outro insere-se numa frase como discurso, onde ganha um 'significado' consoante aquilo que o discurso diz, refere, alguns milhares de palavras que o cérebro consegue reter podendo dizer um número indefinido de frases e discursos - implica duas lógicas, duas leis relevando de sistemas fisiológicos distintos: o da produção de sons, com a sua estética auditiva, susceptível de entoações variadas, da fúria à musicalidade, ternura, etc, que é imanente à sonoridade, o do sentido que reenvia para outro contexto (contar uma história passada noutro lugar e tempo, por exemplo, um poema, uma demonstração...) e que pede entendimento e cultura (um estrangeiro percebe os sons, não entende os sentidos do discurso, um camponês não entende a tese, etc.). São pois duas leis que não têm nada a ver uma com a outra: traduzido noutra língua, o 'mesmo' discurso é dito com sons tão diferentes que o seu autor pode não perceber nada. Este duplo laço define a linguagem humana, a fala consiste em ambos indissociavelmente, não há linguagem só com um deles (ao contrário do que pensa a tradição europeia, não há 'sons' que são ligados a 'ideias', é o duplo laço destas duas leis que produz tantos os fonemas como os sentidos). A linguística estuda o sistema dos fonemas (fonologia), e a morfologia, sintaxe e semântica das frases, com alguns problemas na prática deles (estudei isso na minha tese Epistemologia do Sentido, Gulbenkian, 1991).

Segundo exemplos: as várias peças dum automóvel são estudadas segundo leis físicas e químicas dadas, formando dois sistemas: o do motor, cilindro onde se faz a explosão da gasolina segundo as leis da termodinâmica, e o do aparelho que se orienta para a condução na estrada, suas curvas, acelerar e travar, luzes, etc., o conjunto devendo obedecer a uma lei social, a lei do tráfego, que conta com a possibilidade de haver numerosos automóveis na estrada. A lei da explosão da gasolina é inconciliável com a do tráfego (o motor é hermeticamente fechado), mas o automóvel é definido pelo duplo laço dessas leis. Mas também a relação entre o trabalho fragmentário de laboratório dos engenheiros de automóveis implica um laço técnico segundo diversas leis científicas, motor e aparelho, enquanto que o seu conjunto no carro depende da lei do tráfego. Ou então, em relação ao comércio do carro, duplo laço entre o trabalho técnico do engenheiro e o do economista que o lança no mercado, atento a custos das máquinas e matérias primas, salários, preços da concorrência, etc: também são inconciliáveis (os engenheiros são torturados pelos economistas para baixarem os custos) e indissociáveis (só se fazem carros para se venderem, ninguém faz um carro só para si). Este exemplo dá para entender que o motivo do duplo laço pode se deslocar segundo os pontos de vista.
Amanhã exemplifico para a biologia.

16/09/2012




Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012

sábado, 15 de setembro de 2012

106. Derridiano



L.T. :
És derridiano?

15/09/2012

-

F.B. : Os derridianos ou lá perto que eu conheço, são dois, acham que não. Mas pretendo que o que faço é pertinente com o trabalho do Derrida e até já cheguei a pensar que a fenomenologia reformulada que proponho, a partir dele, do Heidegger, do Prigogine e das ciências, pode ser vista como uma possibilidade de prolongamento da proposta dele da gramatologia como 'ciência da escrita', embora sem dúvida não da maneira como ele a teria pensado (desistiu da ideia).
No fundo, o que me tem interessado é uma reconstrução após a desconstrução, que permita ultrapassar o caos das disciplinas actuais, que é um escândalo em termos de saber e uma desgraça para quem estuda no liceu e se perde em tantas coisas sem nexo umas com as outras. Reconstrução que tenha em conta a desconstrução, é claro. Em todo o caso, o Derrida não sabia suficientemente de ciências (nomeadamente biologia) e não estava virado para aí, como é óbvio; a partir dos anos 80 aliás, as questões de ética e de política ganharam a preponderância no trabalho dele, sem nunca ter havido aliás uma viragem. Por exemplo, o motivo de duplo laço (double bind, que ele foi buscar ao Bateson), no Glas (1974) e no La Carte postale lendo Freud (1980), é um motivo gramatológico mas ele usou-o depois apenas em termos éticos e políticos, enquanto que eu o usei gramatologicamente para as ciências.


15/09/2012

-


Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

105. Outras abstracções?



"Apago-me ante (diante de) alguém que não está ainda aí, e inclino-me antecipadamente um milénio ante (diante de) seu espírito"

Heinrich Von Kleist
Citado por Heidegger numa entrevista à televisão alemã em 1969.


L.T. : Estava eu de manhã na esplanada tomando café, lendo algumas más-novas no jornal e preparando-me para revisitar o formidável Autrement qu'être ou au-delà de l'essence do grande Levinas (versão castelhana; tenho o original em fotocópias), e eis que sou interrompido pela lembrança de algumas notas do teu último e-mail juntando mais algumas questões que me interessam e sobre as quais tenho pensado.
Aí vão algumas coisas que lá escrevi no meu bloco de notas, com mais um ou outro pequeno acrescento. Questões e tópicos que me interessam:
Por exemplo, empregam-se os termos "desconstrução", "singularidade" e muitos outros (telejornal, revistas da actualidade, críticas, análises, etc.). Os próprios conceitos-definições atravessam os ditos discursos do real. Eles são provenientes do campo filosófico. Como escreves algures, num texto sobre o ensino e a filosofia, sem eles, os textos seriam esburacados, com muitos espaços em branco, como certos queijos ou tiras de código morse...
Mas sabemos do perigo do desgaste de uma noção banalizada. Abstracção de abstracção? Deixo em aberto.
Como sabemos, a metafísica extravasa para as linguagens naturais (vj. Wittgenstein e outros na linha da filosofia anglosaxónica).
Na linha deleuziana, ouvi um dia do José Gil: "há uma doxa filosófica." Quererá ele dizer que em certas circunstâncias há probabilidades de reversibilidade entre as chamadas "doxa" e "epistémê" (sobre doxa e epistémê vj. p.ex. Platão, República, 477b, 511...)?
Mas o que me espanta muito é que no plano não metafísico propriamente dito, mas ecoando-o - dir-se-ia , quer dizer, nos planos semiológico, sociológico, semiótico, linguístico e também filosófico, claro, etc. -, por exemplo, a dita "instantaneidade do tempo real", "trans-aparência (aparência instantaneamente transmitida à distância)" (Paul Virilio; ver "dromologia e claustrofobia" http://www.youtube.com/watch?v=yQ-M38oW1nQ&feature=related ), a "hiperrrealidade", "reversibilidade dos signos" (Baudrillard,http://www.youtube.com/watch?v=kiHpGAjA33E&feature=related), serão de alguma maneira correlativas da "presença do presente" (presente da presença (?)) a que aludi a propósito do vídeo do Derrida:http://blogoscomfbeloperguntaserespostas.blogspot.pt/2011/08/normal-0-21-false-false-false-pt-x-none_7744.html ? Ora, creio que - com aquela presença do "em tempo real", esta hiperactualização e esta espécie de ubiquidade em que vivemos, ou seja, qualquer coisa como uma outra "presença do presente", e que, digamos, traz por arrasto uma desactualização "do dia de ontem" - se produz um efeito ilusório de presença total (daí a banalização da morte que, no fundo, não é banalização nenhuma; mas não é esta questão que interessa aqui, adiante). Esta presença total implica, paradoxalmente, qualquer coisa como uma ausência. Parece-me que o 1º Heidegger percebeu isto no campo da questão do sentido do ser e seu esquecimento por parte da metafísica ocidental (uma ressalva: prefiro o modo de escrita do Heidegger e a linguagem - a poesia - e o de Tempo e Ser). É o que Derrida explicita no vídeo que referi e em "Ousia e grammê", reflectindo depois sobre a trace. Mas o Heidegger não deve ter pensado o bastante no campo de uma certa realidade. Esse é um dos perigos da metafísica para os quais curiosa e paradoxalmente Heidegger muito bem alertou. O Dasein estará aqui em jogo? No entanto, qualquer coisa lhe escapou, daí os seus comprometimentos políticos ainda controversos e polémicos. Um seu lado megalómano? Abstracções mal ponderadas? Eu sei lá?
Mas como articular estas questões com a reviravolta que me parece haver e que indiquei acima nos campos do real, ou, se quisermos, para alargar o sentido, da realidade?
Não há uma separação (uma abstracção, como alguns dizem, p.ex., J. Gil numa entrevista recente) grave entre a alta política, e talvez principalmente entre a alta economia e a realidade de cada cidadão e de grande parte deles no seu conjunto? Grandes massas de gente a nível nacional, europeu, mundial, não começam a ser progressivamente desvinculadas socialmente através do fantasma do desemprego? No princípio dos anos noventa lancei numa aula de "Filosofia social e política" com o Eduardo Chitas na UCL mais ou menos esta ideia. Lembro-me que provoquei algum silêncio de apreensão com alguns pontos que abordei, embora a ideia não trouxesse novidade em especial. A expectação que provoquei foi devida principalmente ao tom de alerta que imprimi. Mas é preciso pensar estas questões.
Trata-se de questões sociais - e vitais! - neste "mundo actual tão mortífero em suas crises", como escreves. "Energias psicossociais", para usar uma expressão do Sloterdijk que recolhi de um artigo do António Guerreiro. Eu diria também: energias anímicas:http://escrita-fone.blogspot.pt/search?q=artigo+de+fernando+belo . Não são estas questões decisivas no pensamento filosófico contemporâneo e na nossa realidade actual?

Bem, isto foi também um desabafo. Preciso dar-me largas.
Há aqui alguma questão que te interesse?

13/09/2012

-

F.B. : "perigo do desgaste de uma noção banalizada". Eu penso que esta questão se esclarece, para mim, com o motivo kuhniano de paradigma, que foi tornado possível pela definição socrático-platónico-aristotélica. A filosofia, constituiu-se como texto gnosiológico outro do que a doxa, o discurso do quotidiano. Mas é claro que a fecundidade da filosofia (que nos Gregos de então jogava com palavras de todos os dias que 'definia') implicou que as suas palavras voltassem à doxa. E assim foi durante séculos, ajudada muito essa fecundação com a teologia cristã e a pregação.

Hoje em dia, com a multiplicação de paradigmas especializados, científicos e não só, essa deslocação das palavras aumentou muito, devo dizer que me espanto muito com a fecundidade da noção de 'desconstrução', sendo que hoje qualquer um a usa e muito raros são os que conhecem Derrida. A tal banalização é esta inserção dum termo filosófico mais ou menos rigoroso em outros paradigmas e nos discursos das doxas políticas e outras. Se os filósofos pretendem ter audiência fora dos seus pares, sujeitam-se a estas banalizações.
"Abstracção de abstracção" é que acho que não, é uma 'abstracção' que se desabstrai, diria.

14/09/2012

-



Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012

104. Diversos - Com Husserl, Heidegger e Derrida




L.T. : Escrito de seguida, nos campos que nos interessam tenho dado atenção ao texto extraordinário "Ousia e grammê" do Derrida a propósito da "presença do presente" com o "ser enquanto ente" (particípio presente - étant - seiende) a que Derrida chama a atenção no que respeita à crítica de Heidegger à ontologia e metafísica da tradição ocidental (nomeadamente também a onto-teo-logia...) que "esqueceu o sentido do ser" (o ser de o ente), para o qual Derrida, por seu turno, fala da trace na sequência do seu pensamento (no vídeo que está na mensagem 30 deste bLogos:http://blogoscomfbeloperguntaserespostas.blogspot.pt/2011/08/normal-0-21-false-false-false-pt-x-none_7744.html
São questões realmente muito importantes. Há pontos aqui que me interessam mesmo muito, mas ainda está pouco claro e preciso ler melhor.
Queres fazer algum comentário a estas questões e a alguma nota menos esclarecedora do que disse acima?

12/09/2012


F.B. : Para dizer a verdade, as questões que tu colocas, não as trato já de forma exegética, andar à procura dos textos do H e do D. Agora, cheguei à minha maneira - com eles e com as ciências - a uma compreensão deles que me parece fecunda, mas mais não posso asseverar.

O que o Heidegger censura à metafísica é justamente ter pensado o ser a partir do ente (a definição!), e é isso para ele a ontoteologia, que o platonismo cristão endureceu fortemente: o Criador e cada criatura, mormente a 'alma' dos humanos, que veio na modernidade europeia a ceder ao sujeito / objecto. Penso que o Heidegger atingiu o ponto máximo do seu pensamento na conferência Tempo e Ser (que Derrida não conhecia, creio, quando escreveu Ousia et grammê), em que o 'ser' volta a ser o 'ser do ente' e é substituído (o 'ser' é doação que se retira) pelo Ereignis, que no seu sentido habitual de 'acontecimento' engloba ser e tempo indissociavelmente: o Ereignis 'dá' ser e tempo a todos os entes. Acho que ele buscou isto desde o fim do Ser e Tempo.

O que o Derrida ataca, com a questão da 'escrita' (gramme, trace, différance) é o que no Heidegger permaneceu por pensar, o privilégio do Dasein; não me parece que ele o tenha 'submetido' à doação do Sein ou do Ereignis final (nos seminários dos anos 60, Questions IV, reli-os há algumas semanas) a questão nunca aparece, fica sempre na sombra, como se ele não tivesse rompido com o logocentrismo, por causa do papel de fundo do pensamento. Em todo o caso, Derrida assinala algures sintomas de abaixamento da escrita em Heidegger que são sintomáticos, como da ciência e da técnica, que são formas de escrita, de gramme, trace.
Radicalização da destruição da ontoteologia: desconstrução, que, para mim, atinge pontos incríveis (não consigo acompanhar por ignorância) na leitura dos textos literários. O motivo do texto é crucial nele, Heidegger ignorou-o completamente.

Dito isto, o que eu faço é muito mais modesto; metendo as ciências ao barulho, reformulo a problemática das ciências do Husserl, como posso e sei, é claro, mas crendo que há aí coisas que valem a pena para quem, não sendo muito forte, queira perceber alguma coisa deste mundo actual tão mortífero em suas crises.

12/09/2012

-

L.T. : Talvez tenhas razão quanto ao Derrida não conhecer ainda Tempo e Ser quando escreveu Ousia e grammé. Mas no vídeo que indiquei e pode ser visto no link acima, certamente já o conheceria. Mas não sei bem o que quero dizer com isto. Ando aqui um bocadinho às cegas.

17/09/2012

-




Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012