quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

151. Retomando questões...









LT: Retomando questões da mensagem 129 do bLogos, continuando pela 130, quase se ficando pela pela 131 e depois com uma “avalanche de perguntas" na 132. Mas creio que algo ficou ainda por dizer sobre essas questões.


1. As células, genes (mens.129), os átomos, estes conforme os conhecemos hoje, pois o atomismo já falava neles mas de outra forma, já existiam, por exemplo, na era de Platão, Pitágoras, Homero, etc., etc.? Ou, pelo contrário, ou de outro modo, eles já existiam (ou dizemos que já existiam) na medida, precisamente em que nós, daqui - nesta ponte temporal - a 20 e muitos séculos de distância dizemos que existiam? Porque ponho estas questões? É que me parece que o tempo tem aqui um papel decisivo. Quando é que uma coisa existe? Por que dizemos que uma coisa já existia antes de ser descoberta? Que forma se manifesta aqui, segundo o modo de aspiração que tem o humano em antecipar, para guardar para a posteridade? Para post-cipar, digamos assim? Ou o contrário? Quer dizer, como maneira de encontrar no real e no mundo planos diferentes do que perdura, e o ultrapassa – ao humano - no tempo. Nomeadamente, definir aquilo que cientificamente existiu sempre ou, nem indo tão longe, começou a existir há milhões ou biliões de anos, enquanto primeiras formas de vida, por exemplo? Porque é que as ciências insistem nas coisas, no fundo? O que é que algo de metafísico persiste em atravessá-las? Dever-se-á re-pensar o Tempo nas ciências?

2. Por assim dizer, parece-me, visto de um certo ponto de vista, que certas coisas são descobertas a dada altura, na medida em que outras, que foram descobertas noutra altura, fazem com que elas sejam descobertas. De certo modo também, certas coisas fazem com que o homem as descubra; mas, por outro lado, isso é condição de possibilidade para (faz com que) que os homens as descubram, e reciprocamente. Não creio que isto seja uma aplicação genérica do famoso princípio do Protágoras: o humano (universal e/ou singular, conforme está pressuposto nessa frase) é a medida de todas as coisas. Também não se limita ao inverso: as coisas são a medida do humano. Talvez a filosofia possa ajudar nisto, pelo menos a ter cuidado com o que se entende grosso modo, por coisas; o que pressupõe o objecto, logo, também, o sujeito.
Às vezes parece-me que os próprios cientistas estão a falar de coisas. E não é preciso supor que assim pareça só porque falam num registo para que os leigos entendam.

30/1/2014

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FB: 1. As células, genes, os átomos, são bons exemplos: trata-se do que Bohr chamou 'seres de laboratório' (ao átomo, eu acrescento as células e os genes), isto é, que não são dados à tua vista ou à minha, fora do laboratório. Mas na experimentação do laboratório eles relacionam-se respectivamente com vivos ou 'graves' actuais, donde foram retirados. As teorias científicas podem extrapolar a vivos que já não vivem, e até analisar o ADN duma múmia ou dum bicharoco qualquer congelado há milhares de anos, duma flor. Para os graves ainda é mais fácil, porque as rochas duram milhões de anos, pode-se saber quantos, com certas análises químicas: sobre tal pedra e seus átomos, que ela já existia como ela é (excepto erosão, claro). 

Eu devo dizer que em relação aos átomos, considero que a Tabela Periódica, em que os átomos são ordenados segundo 1, 2, 3 [...] 80, 81, 82, etc protões e neutrões do núcleo, permite pensar que todos os astros lhe obedecem, todos são feitos de átomos da Tabela. Não vejo nenhuma outra possibilidade: dois protões e meio?

A tua pergunta não me põe nenhuma dificuldade especial: é sempre hoje que conhecemos o passado. O que me põe dificuldade é outra questão, que tem a ver com a convicção de muitos cientistas de que haverá vida noutros planetas. E será vida como a nossa, de células e genes? A dizer verdade, eu sou relativamente céptico quanto à hipótese de haver vida. Julgo que a tal convicção dos cientistas depende do determinismo deles, ora a evolução da vida foi cheia de aleatórios, incluindo extinção de inúmeras espécies, tantos e tais aleatórios que vejo com muita dificuldade que essa epopeia incrível se tenha repetido tal e qual noutro lado. Agora, se não for vida de células e genes mas de outras moléculas, sabe-se lá. Ou outras espécies.

Quanto ao tempo, eu gosto da definição do Aristóteles que pelos vistos S. Agostinho não conhecia ou não entendeu. O tempo é o número do movimento, com antes e depois, por exemplo o movimento da terra no sistema planetário dá-nos os dias, as estações e os anos. É o movimento que é primacial, cada coisa tem a sua temporalidade, a do seu movimento. O último Heidegger ensinou que o Ereignis dá ser e tempo a cada ente. Os Gregos clássicos não tinham a noção de 'espaço' indefinido, mas a de lugar de cada coisa, como também não a de tempo fora das coisas.


2. A tua 2ª questão, não a entendo bem: "certas coisas fazem com que o homem as descubra" quer dizer o quê? claro que as descobertas dependem de outras anteriores, mas numa descoberta joga um paradigma laboratorial, feito de linguagem teórica, sem o qual nada se descobre, e é de textos desse paradigma que nós sabemos, que os cientistas comunicam e depois verificam no seu laboratório. 'Coisa' ou 'fenómeno' não é 'objecto' na fenomenologia que eu proponho, nem é nada de exterior ao paradigma nem o cientista é um 'sujeito' fora do paradigma. 

Seja um exemplo de culinária. A receita duma sopa não é a sopa, não se come, mas sem a receita implícita não se faz nenhuma sopa e quando a receita é comunicada por telefone, ela traz consigo a sopa que se fará (a receita duma sopa é a sopa). O paradigma laboratorial é um conjunto teórico de receitas de experimentações, estas são o risco de haver 'descobertas' ou não, falhanços. 

É assim que eu vejo as coisas, nunca precisei do Protágoras nem nunca percebi bem o que é que a sua célebre fórmula significava para um grego clássico.
5/2/2014



Imagem: A casinha - homenagem a Hernández Pijuan - técnica mista sobre tela - 2012 - por Luís de Barreiros Tavares.