terça-feira, 25 de junho de 2013

143. 'Definição', 'alta resolução', 'alta definição', 'ultra-alta-definição'... "Modelo de ultra-alta-definição do cérebro"






L.T. :


“Novo atlas 3D do cérebro humano tem uma resolução nunca antes atingida” (título)
“Este modelo 3D de “ultra-alta-definição” (…) publicado hoje na revista Science
“Tornam-se, por exemplo, visíveis, pela primeira vez, as diversas camadas do córtex cerebral, onde se processa o pensamento (…)” (meti itálicos)
Ana Gerschenfeld, no Público de hoje (Quinta-feira, 21/06/2013)

1. Tens dedicado algum tempo à questão da ‘definição’ no contexto filosófico que começa com Sócrates, Platão e Aristóteles, neste último consumando-se e tematizando-se, se dizer se pode, como ‘invenção’, segundo as tuas palavras (“a invenção da definição”), com todo o traçado que se foi trilhando na tradição greco-europeia, e mesmo mundial, global, hoje. Há dias estava para pôr-te a seguinte questão, que agora acho mais a propósito aproveitando o artigo de hoje  da Ana Gerschenfeld no Público. Nesta linha, como vês, precisamente, a questão da ‘definição’  e expressões porventura dela derivadas, no contexto das novas tecnologias, não dissociadas, contudo, das ciências naturais, físicas, neurológicas, etc., como mostram as descobertas publicadas neste artigo? A saber, a relação da ‘definição’, no contexto de uma certa tradição, com as expressões “alta definição”, “alta resolução”, “tecnologia de ponta”, todas elas de alguma maneira, análogas, acrescentando a que vem no artigo mencionado acima, mais que superlativamente, diríamos: “ultra-alta-definição”?
2. E voltando à questão da oposição sujeito /objecto, muitas vezes estudada por ti, bem como ao problema do ‘cérebro’ como ‘objecto’ - ou como ‘coisa’ (coisificação) - que coloquei há dias numa outra mensagem. Não esquecer todavia que se trata também de um ‘mapeamento’ (“novo atlas”), lembrando-me um pouco do Deleuze. Evidentemente que são extraordinárias todas estas grandes transformações, todos estes trilhos que estamos a percorrer hoje, no âmbito, neste caso, destas ciências, mas também da técnica e das novas tecnologias, na complexidade das suas articulações. E são elas que de facto nos fazem levantar questões como estas e muitas outras que desconhecerei totalmente.



21/06/2013


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F.B. : Se bem entendo, a definição em desenho ou fotografia é um prolongamento da escala num mapa, quanto maior mais próximo está do plano do território, desde um país, para a cidade, a rua, a planta duma casa em arquitectura, até se chegar a 1/1, que é a escala duma coisa no seu tamanho natural. A definição será o nível de distinção entre os vários traços da coisa, numa escala determinada, no caso do cérebro será mais 'pequeno' do que o cérebro, mas susceptível de zoom que aproxime mais e mais, muito maior quando permite apanhar um neurónio maior... Definição = distinção de elementos da coisa.
A definição filosófica ou científica, em linguagem duplamente articulada, sendo susceptível também dum certo zoom, contedo mais ou menos traços definitórios...
22/06/2013
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Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

segunda-feira, 17 de junho de 2013

142. Mais algumas discussões sobre Heidegger e outros...










L.T. : Se bem entendi, seguindo a tua leitura, o Ereignis dá o acontecimento e ser (?) no jogo do aleatório, do acaso e da necessidade, do aleatório e do múltiplo dos acontecimentos, prévios a ele, ao uno e ao ser (vj. Heidegger, Pensador da Terra). Gostava de perguntar-te se o Ereignis - não dissociando tempo e ser (em Zeit und Sein) -  sendo algo outro que não o ser no sentido de Ser e Tempo (em Sein und Zeit), mantém alguma possibilidade de compreensão e relação com o 'horizonte', prévio às coisas (Heidegger), demarcando-se do sentido de horizonte em Husserl que demanda o objecto já como tal.

13/06/2013

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F.B. : Não sei.

13/06/2013

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L.T. : Tinha-me esquecido de pôr o assunto na mensagem. Mas boa malha na resposta.

14/06/2013

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F.B. : Não sei bem como é que a questão do horizonte se punha em Ser e Tempo e muito menos no Husserl. Antes das coisas? sim, a sala antes dos móveis e das pessoas que lá estão, mas esse 'antes' é 'com' elas. Não há horizonte sem coisas, como mostra bem a citação do Condillac de que te falei, que é algo de extraordinário: o bébé que nasce não vê nada, não sabe ainda ver, vai aprendendo. Grande novidade no pensamento europeu! Chega para derrotar Kant!
Mas o horizonte é um motivo que diz o limite inatingível e deslocável da percepção visual. O que quer dizer que haverá também uns tantos quilómetros como horizonte de ouvir certos ruídos, o fogo além do horizonte da mão, e por aí fora, várias horizontes. O ser no mundo será susceptível de horizonte, o das suas possibilidades nesse seu mundo.


A questão do Ereignis em relação ao Ser de Ser e Tempo é para mim mais interessante, já que tudo se passa como se o 'ser' em Tempo e Ser, sendo substituído no lugar de doação retirada pelo Ereignis, voltasse a ser o 'ser do ente' clássico, a par do tempo como 'tempo do ente' (e não o  tempo dos relógios). Mas como é com o 'espaço' que o tempo faz parceria, esse 'ser e tempo' final será por fim a ousia incorporando os acidentes (temporais), Aristóteles e toda a filosofia ocidental ultrapassados. 

Derrida deixará cair a categoria de 'ser': a différance e a trace são movimento (como o Ereignis) que 'faz' diferenças (repetidas e excedendo essa repetição) espácio temporalizadas com relação estrutural ao outro (diferendo incluído) e inscrição (trabalho na origem da linguagem). 
Com ele, muda o mundo! por isso não o suportam os filósofos. 
Devo dizer que, embora me custe, é bem feito! pois que mudar o mundo é que não se faz.
E foi um dos grandes gostos da minha vida!

14/06/2013




Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

141. Continuação - algumas notas sobre Kant, dentro dos possíveis, etc...











L.T. : 2. Sobre a questão das sensações em Kant que referiste, embora perceba muito pouco de Kant, creio que não se trata propriamente de sensações mas de 'impressões sensíveis', pelo menos remetendo para o tal caos do 'diverso' não implicando propriamente ou previamente "cor, som, rijo, etc.", como disseste. O que torna a coisa muito complexa, parece-me.

Quando escreves, "É o mundo em que ele [o astrónomo] é e onde a demonstração é possível. Mas de madrugada e ao pôr do sol, ele vê o sol nascer e pôr-se como ser no mesmo mundo que qualquer de nós", poder-se-á dizer que se trata de dois planos diferentes do real?

13/06/2013 



Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares

quinta-feira, 13 de junho de 2013

140. À luz de Kant ...?











L.T. : 
1. “Ao falar de objectos no tempo e no espaço, não falo de coisas em si, porque nada sei destas, mas apenas de coisas no fenómeno, isto é, da experiência, como de um modo particular de conhecimento dos objectos, que só é concedido ao homem. O que eu concebo no espaço ou no tempo, disso não posso dizer que existe em si mesmo, fora do meu pensamento, no espaço e no tempo; porque então contradizer-me-ia a mim mesmo; visto que o espaço e o tempo, juntamente com os fenómenos que contêm, nada são de existente em si mesmo e fora das minhas representações, mas apenas modos de representação, e porque é manifestamente contraditório dizer que um simples modo de representação existe também fora da nossa representação. Portanto, os objectos dos sentidos existem unicamente na experiência; em contrapartida, atribuir-lhes independentemente desta, ou anteriormente a ela, uma existência própria subsistindo por si mesma, equivale a imaginar que a experiência existe sem experiência ou antes da experiência.”

Immanuel Kant, Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura, Que queira apresentar-se como ciência, Trad. Artur Morão, Lisboa, Ed. 70, 2008, § 52 c

O Kant é levado da breca. Quando o lemos, ora estamos num ponto, ora estamos sempre já noutro. Mas em movimento. 

2. “L.T. : (…)
Aí vai ela: no tempo de Platão e Aristóteles havia [ou existiam] genes, por exemplo?


12/03/2013

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F.B. : Os genes foram inventados pela célula, com a célula. Os biólogos (logos da vida) contemporâneos descobriram-nos, não os inventaram. E quando os descobriram, descobriram-nos como tendo para cima de 3 biliões de anos, portanto também os havia já no tempo de Platão e Aristóteles, que não sabiam disso, e nesse sentido, no 'tempo' deles não havia. O 'tempo' deles, sendo o duma ruptura importante na maneira de saber que permitiu, com muitas outras coisas, claro, que num 'tempo' 25 séculos mais tarde se descobrisse o inesperado.

(…)
12/03/2013
(bLogos, mensagem 129)
3. Gostaria de ler a tua opinião acerca das nossas mensagens acima à luz da citação de Kant. Ou ainda, neste quadro poderás dizer-me alguma coisa sobre o modo como vês estas considerações no contexto de Kant e no das nossas ciências contemporâneas (neste caso biologias e genéticas...) do ponto de vista da “nova fenomenologia” e “filosofia com ciências que propões”?
E poder-se-á considerar os genes, as células, etc. cientificamente numa perspectiva fenomenológica? Não sei se estas ciências pensam com seriedade a fenomenologia.
Espero que encontres a partir daqui alguma coisa para dizer juntamente com as respostas que se encontram nos teus livros.



10/06/2013

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F.B. : O Kant fechou-se nas representações, isto é, pensou a relação dele com as coisas dentro da separação sujeito / objecto cavada (ou re-cavada) pelo Descartes, e não encontrou outra maneira, além de ter o azar de pôr como ponto de base as sensações: a cor, o som, o rijo, etc é o que eu 'tenho' da coisa, tenho que unificar, como? com espaço e tempo, etc. O Husserl, lembrava o J. Paisana, ao menos partiu da percepção da coisa ela mesma, de maneira que todas as sínteses a priori de Kant se tornaram inúteis. Mas assim como o Kant queria vencer a separação cartesiana, também o Husserl o tentou, com a intencionalidade da consciência que doa o sentido de objecto ao objecto que lhe está presente. A redução posterior da empiricidade da coisa pregou-lhe uma partida: veio ele também a fechar-se na consciência (ou já lá estava, a consciência é uma prisão, dirá o velho Heidegger). Foi donde o jovem Heidegger saltou para o ser no mundo, sem representações. Então, eu posso voltar ao Kant e dizer que eu só posso conhecer uma mesa e sentar-me a comer porque já tenho experiências de sentar-me a mesas e que são os grafos (Changeux) das mesas em mim, das mesas que aprendi como ser no mundo, que me permitem conhecer uma nova mesa no mundo e sentar-me para almoçar. Se vou a uma terreola japonesa, fico perdido, vejo muita coisa mas conheço muito pouco, tenho que me pôr a aprender, leva tempo. No fundo, quando é que eu conheço bem uma coisa? por exemplo, uma escova de dentes? quando lavo os dentes sem sequer dar por nela, a pensar na chuva dessa manhã e que tenho que sair. Vê o cap. 11, § 37 do Le Jeu, o que Condillac conta dum cego de nascença operado, como começa a ver: apaixonante.
Quanto aos genes, eu só os conheço de leituras, os biólogos têm uma série de mecanismos para os conhecerem em certos aspectos, parcelarmente, com critérios e experimentações, mas no laboratório são seres nesse mundo, aprendem, avançam, escrevem. Mas se têm um gato em casa, conhecem-no muito melhor do que aos genes, de outra maneira, pelo menos. Eu só leio e procuro lógicas entre as muitas e variadas coisas que leio, o meu ser no mundo enquanto filósofo é muito de leitor (mas gosto muito). Outro exemplo: o astrónomo mede distâncias entre astros, pode repetir as medições de Tycho Brahé e os cálculos de Kepler para formular as respectivas leis, depois a demonstração do heliocentrismo do Newton com essas leis e ficar a saber que é a terra que roda numa elipse com foco no sol. É o mundo em que ele é e onde a demonstração é possível. Mas de madrugada e ao pôr do sol, ele vê o sol nascer e pôr-se como ser no mesmo mundo que qualquer de nós.

12/06/2013
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Imagem: desenho - obra plástica de Luís de Barreiros Tavares