sexta-feira, 16 de novembro de 2012

120. Retomando. Reler.







L.T. : Basicamente a questão é esta: Freud entendia que a psicanálise fosse uma ciência. Referes no livro Filosofia e Ciências da Linguagem a psicanálise enquanto 'ciência terapêutica', embora não fosse esse o caminho a seguires aí. Antes a dimensão epistemológica e filosófica da psicanálise, pois consideravas Freud um dos grandes filósofos do século XX.
Será então pela dimensão científica atribuída à psicanálise enquanto ciência terapêutica - e natural, se não estou em erro - que se encontra várias vezes empregue a palavra 'descoberta', pelo menos em obras e comentários sobre ela, tal como, por exemplo nas citações que deixei do Laplanche e do Pontalis?
Há 'descobertas' na psicanálise?

14/11/2012

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L.T. : Está bem, vou ler melhor a tua conferência no teu blogue:


16/11/2012 

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F.B.: Explicar como é que a psicanálise pode ser considerada uma ciência só pode ser feito com uma série de telegramas.
Primeiro: uma ciência é uma actividade laboratorial, fragmentária, que é interpretada em função da cena da 'realidade' a que os fenómenos pertencem: o divã é o laboratório psicanalítico em que se 'reduz' a cena (diz-se tudo o que vem à cabeça, por parvo ou indecente que seja, não se dissimula nada).
As principais ciências são sobre 'espécies': (átomos e moléculas em química); espécies biológicas em biologia; as diversas sociedades humanas nas c. sociais; as diversas línguas nas linguísticas. A psicanálise não tem 'espécies', mas atravessa as três últimas, discurso, parentesco e lei social, sexualidade e alimentação.
A teoria das várias espécies, na perspectiva fenomenológica de Le Jeu des Sciences avec Heidegger et Derrida, implica um duplo laço entre a lei de reprodução geral das espéceis da cena e a lei de autoreprodução de cada singular, aquela dando esta como autonomia individual mas dissimulando-se; este duplo laço manifesta-se em duas formas de retiro em relação à cena, um estrito referente à energia (excepto na célula, que é diferente, constitutiva do "rasto vital") e um regulador da autonomia do ente singular na cena aleatória. Ora, a psicanálise é a única ciência que teorizou este duplo laço!
Enfim, como a caracterizar? como uma disciplina da medicina (regional), foi durante muito tempo só coisa de médicos, com a diferença em relação às outras regiões da medicina que não recorre a análises e medicamentos físico químicos, mas a uma relação discursiva. Pode ser comparada com a análises de discurso chamadas em tempos semióticas, de corpus narrativos ou poemas, ou de um texto singular já escrito (Barthes, S/Z) : semiótica experimental dum discurso singular, enquanto ele se faz em relação à energia sexual humana no seu laço à lei social.
"Um dos pontos tem a ver com a sua teoria da sexualidade, que ele não ‘inventou’ mas ‘descobriu’ nas associações livres dos seus pacientes, quando as suas resistências a dizer
– esquecimentos, lapsos ou outros actos falhados, intervenções súbitas da consciência vigilante que se auto-censura, silêncios, desmentidos, risos, choros, negações, etc. – se lhe deram como sintomas energéticos (diferenças de sentido e diferenças de força indissociavelmente) que assinalam uma clivagem, uma margem, um limite que não se pode passar, uma fronteira fractural, digamos, entre o que se diz e o que não chega ao dizer. Além dessa fronteira encontram-se os nós discursivos escondidos que manifestavam os sintomas neuróticos que levaram a pedir a terapia. Ora, é nessas repetições e resistências diversas que a sexualidade se manifesta como sexualidade censurada, interdita, tingida muitas vezes de agressividade, sexuali­dade incestuosa e de ciúmes correlativos : isto é, ela manifesta-se como ligada à lei social. Censurada, não apenas em relação ao analista, mas antes de mais e sobretudo em relação à consciência vigilante do sujeito, que se ofusca com aquelas revelações e não quer crer nelas. O interdito do incesto, que Lévi-Strauss veio a reconhecer como obrigando à exogamia, à aliança entre famílias, formando o nó constitutivo do social, é descoberto por Freud como o que, lei paterna vinda de fora, cria o inconsciente, isto é, um recalcamento que gera sublimação e é a própria dinâmica dos psiquismos humanos" (citado do final da conferência que esté no blog filosofia com ciências2.


 17/11/2012

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