L.T.
: Nem é tarde
nem é cedo, e deixemos por momentos Ser e deuses e o passo célebre do Heidegger: "chegamos tarde de mais para os deuses e cedo para o Ser."
Era a próxima pergunta que queria fazer-te. Como? Mas com a tua última resposta, eis que surge a oportunidade. "A minha dúvida acima é saber como é que a história da literatura, da música, da pintura, se articula com ela [a saber, 'definição']." Acrescentemos-lhe o cinema também. Estou a lembrar-me do belíssimo livro que li há quase 30 anos do Morin: O Cinema ou o Homem Imaginário (as questões do duplo, da projecção-identificação e da morte-renascimento, etc.).
Era a próxima pergunta que queria fazer-te. Como? Mas com a tua última resposta, eis que surge a oportunidade. "A minha dúvida acima é saber como é que a história da literatura, da música, da pintura, se articula com ela [a saber, 'definição']." Acrescentemos-lhe o cinema também. Estou a lembrar-me do belíssimo livro que li há quase 30 anos do Morin: O Cinema ou o Homem Imaginário (as questões do duplo, da projecção-identificação e da morte-renascimento, etc.).
Também
me lembro, por exemplo, do interessantíssimo As Estruturas Antropológicas do
Imaginário de Gilbert Durand (a descida da taça mais difícil do que a
subida) e do seu pequeno livro A Imaginação Simbólica que me foi dado a
conhecer há muitos anos pelo Moisés de Lemos Martins.
E eu que
escrevi há uns 3 anos um texto sobre o poeta Manoel (Manoel Tavares
Rodrigues-Leal) publicado no site da SLP (Sociedade da Língua Portuguesa). Deixa-me cá dar um arzinho da minha graça: http://slp.pt/Variavel/Luis_Tavares.html
http://linguafone.blogspot.pt/search?q=o+outro+espa%C3%A7o
(neste segundo link vem o texto com breves acrescentos). Nesse breve artigo abordo o ’alam al-mithâl do Sufi Ib Arabi -
"o grande sufi andaluz", escreve Agamben no seu texto Bartleby - ou Da Contingência no seu livro Bartleby - A escrita
da potência (ed. Assírio & Alvim) a propósito do extraordinário texto literário Bartleby
de Melville (com o célebre "I would prefer not to" - possível trad. : preferiria não fazê-lo). ’Alam
al-mithâl, mundus imaginalis segundo Henry Corbin, primeiro
tradutor do Heidegger em França.
Que é
para ti o imaginário?
20/10/2012
-
F.B.
: O 'imaginário'
é uma categoria forte do Lacan (com o 'simbólico' e o 'real'), a que faço
alusão no texto Linguagem e Filosofia, depois perdi a
relação com ele, por um lado pelo predomínio do Derrida, por outro por ter-me
cingido aos textos de Freud no que à psicanálise diz respeito.
Por
outro lado, toda esta zona do psiquismo e das faculdades da alma (percepção,
imaginação, etc.) está eivada de mentalismos que torna muito difícil pegar num
termo como 'imaginário' sem riscos de desentendimento logo à partida. O ser
no mundo pede que se considerem as coisas que se vêem e as imagens que
se pintam, fotografam, encenam em filmes. Mas nunca me senti capaz de grandes
voos por aí, a estética sempre me foi vedada, paradoxo do meu nome. Enquanto
que a linguagem é muito mais adequada a alguém que vem da engenharia (também
nunca fui atraído por análises de poemas). O que apreciei no Derrida foi o
ter-me permitido guardar a minha propensão para o sistemático com a
singularidade, importante nas narrativas (meu interesse bíblico) e portanto
também na história. Ora a imagem, como a entendo, desafia o sistemático,
é singular dela mesma, donde a dificuldade das semióticas das
imagens: nunca as houve.
Dito
isto,reformulo a tua questão assim: de que falamos quando dizemos que imaginamos,
que não é o mesmo do que pensamos? Dois exemplos para começar. Os
sonhos são muito mais fortes como imagens da imaginação do que quaisquer outras
que acordados imaginamos (excepto alucinações, que são primas dos sonhos),
provavelmente fazem-se nos olhos (que mexem) e vêm dos rastos de antepassados
reelaborados; pouco controláveis, a não ser o que Freud chamou 'elaboração
secundária'. O outro exemplo é o dos artistas que desenham ou pintam, com ou
sem modelo, imaginam, melhor ou pior, isto é, ou têm logo tudo ou vem-lhes a
pouco e pouco à medida do desenho. Este segundo exemplo releva do eixo visão /
mãos, em contraste com as frases que relevam do eixo audição / fonação, como
predominâncias, obviamente. Estes eixos são grafados no cérebro com as
aprendizagens fundamentais que fazem de nós seres no mundo da
nossa tribo. Cá fora, pois, não saberia dizer nada da imaginação como
interioridade.
Ora,
o ser no mundo é feito de aprender os usos da tribo, com visão
e mãos (e pés), com audição e fonação, que a tribo (os tais antepassados)
repete e nos torna capazes de repetir singularmente, dizendo o que nunca
ninguém disse ou pintando o que nunca ninguém pintou. O que vemos e mexemos e nomeamos
são gentes e coisas variadas em seus contextos, vemos-lhes formas (eidos)
que se alteram eventualmente no tempo, dizemos-lhes os nomes em receitas de
fazer ou em narrativas. Eu diria que imaginarmos releva deste ver e
manipular, pensarmos deste nomear como se ouviu, mas sem que
possamos separar imaginar de pensar. Só que o que pensamos - com imaginação -
podemos dizê-lo com bastante aproximação sem que o imaginar venha igualmente
(como melhor vem o sentir), excepto nos que desenham e pintam, fotografam ou
filmam, e disso que vemos podemos pensar coisas diferentes das dos
autores.
Se há um
imaginar dos poetas - viva o Manuel António Pina que se foi -, que diria
respeito à sonoridade em seus ritmos e aliterações (capaz de musicar-se), ele é
indissociável do que no poema pensa.
Gentes
que somos, imaginamos imagens ainda que sem as ver mas pensamos em palavras,
digamo-las em alta voz ou não.
Mais do
que estas fracas considerações não é para meu imaginar pensar.
21/10/2012
-
Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros
Tavares - 2012
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