Este blogue reúne na sua maior parte e-mails com perguntas e respostas em torno de pontos filosóficos precisos de textos de Fernando Belo e de outros autores. Acrescentaram-se entretanto alguns vídeos. Um blogue de Fernando Belo e Luís de Barreiros Tavares
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
111. Filósofos, filosofia e profundidade
L.T. : Vai assim: não sei se é uma questão de fundo. Não achas que os filósofos (a filosofia (?)) - e não me excluo disso -, tendem por vezes a supor (pressupor (?)) que levantam geralmente questões de maior profundidade que as de outros campos do saber, mas também do produzir? Não o neguemos; quantas vezes ouvi dizer de x, y, z, etc., que sicrano ou beltrano (ou os seus pensamentos) é mais profundo que fulano de tal, etc... Será verdade?
04/09/2012
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F.B.: Essa questão, posta assim parece um conflito entre departamentos de especialidades diferentes a quererem um ranking de profundidade. Na perspectiva do que faço, creio que o que nos interessa hoje é colaborar entre especialistas fora dos laboratórios, porque adentro deles os paradigmas, como dizia o Kuhn, são incomensuráveis. Mas este 'fora' é muito difícil.
O aspecto mais geral da questão: a filosofia inventou a definição e inaugurou o discurso do saber ocidental. Durante muitos séculos, os filósofos eram globais, até aos séculos clássicos pelo menos, XVII e XVIII. Pelo contrário, as ciências nasceram por regiões ônticas (matéria e energia, em torno do movimento, no caso da física que se expandiram a outras afins, como a óptica e depois a electricidade, e por aí fora; biologias, história dos textos antigos, etnologia, sociologia, história, e por aí fora, psicologias), são especialistas. Mas saíram da filosofia (que se tinha ocupado dessas regiões sem laboratórios e critérios experimentais) e tentaram livrar-se das suas problemáticas metafísicas. O problema (raros cientistas dão por ela), quando se lhes põem as famosas revoluções de paradigmas, é que as suas questões estão enredadas na ontoteologia que as suas descobertas (evolução em biologia, por exemplo importante, ou psicanálise, linguísticva com Saussure, etc.) põem em questão: ficam com o rabo entre duas cadeiras. Os filósofos percebem as questões de forma mais geral e abstracta (é a isso que se chamava 'profundo'), de mais difícil acesso para eles, são poucos por isso, mas também para os que não são filósofos, com o resultado actual de se encontrarem sozinhos entre si, também especializados em regiões filosóficas, de pouca gente os entender.
Pode-se pensar que quase todas as questões interessantes que os filósofos levantaram ao longo de 25 séculos de filosofia são retomadas por ciências, de há uns dois séculos para cá, mais ou menos. Só que são questões que transbordam muito as especialidades, até entre ciências e entre regiões da mesma ciência, o que torna os cientistas mal apetrechados para elas, em geral sem o saberem: o problema da ignorância é não saber que é ignorante; mas os filósofos também são demasiado ignorantes das ciências e escapam-lhes pois aspectos importantes que as ciências revelaram e que tornam novos os problemas filosóficos.
Esta mútua ignorância é de 'paradigma', de formação em sentido universitário. Há hoje gente que passa de especialidades para outras, e nomeadamente de biologia ou medicina virem estudar também filosofia.
Mas eu falo a partir do que entendi do Heidegger e do Derrida, e aí o caso é ainda mais dramático, porque quase ninguém os conhece, quase só especialistas que os comentam e interpretam. Ora, seriam o farol do futuro do pensamento fecundo, a meu ver, mas arriscam-se a ficarem marginais, continuando-se a fazer filosofia e ciências como se eles não tivessem publicado nada.
Ou então, mais provavelmente, sou eu que não sou suficientemente profundo.
04/09/2012
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Imagem: obra plástica de Luís de Barreiros Tavares - 2012
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