quinta-feira, 14 de março de 2013

130. Continuação. Algumas impressões sobre os 'genes' contemporâneos e o 'génos' e 'gene' antigos









 L.T. :

"Estrangeiro: Ora, os mais importantes de entre os géneros são os que acabamos de passar em revista : o ser mesmo, o repouso e o movimento.
Teeteto: Sim, e de longe." (Platão, O Sofista, 254d)

Não esperava uma resposta tão rápida. Resposta complicada. Boa ginástica de escrita, se me permites a opinião.

Sim, vejo-me grego com estas coisas. E há as afinidades, digamos, terminológicas e etimológicas, do contemporâneo 'genes' com o antigo 'génos', 'gene'...
Consultei a entrada 'Génos' no Termos Filosóficos Gregos do F.E.Peters, e nesta alguns reenvios bibliográficos.

Terei de ler melhor este teu texto na muito interessante referência à alma. Quanto ao 'descobrir' e à 'descoberta' nas ciências, parece-me uma questão bastante delicada. Deixarei para outra altura.

Mas 'genes', diria mais da phusis; 'génos', 'gene', do logos.
Ou não é?

12/03/2013




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F.B. :
“Mas 'genes', diria mais da phusis; 'génos', 'gene', do logos

1. Boa questão, os ‘genes’ transmitem-se de pais em filhos, o genos é a linhagem, a família de antepassados em descendentes na mesma casa e mantendo o mesmo nome, é o que no genos (género) é generoso. Ora, com a grande excepção de Parménides (e de Platão), o que suscita o interesse dos pensadores anteriores à definição, exacerbado em Heraclito, diz o Peeters que tu citas, é a mudança. Qual é a origem das coisas, das gentes? de que condição nasceram? qual o nascimento? Tudo isso é questão de genos, a linhagem são os que têm a mesma origem. Ou seja, para onde aponta, no logos, a palavra genos é para a geração, ou seja para a phusis.
2. E a meu ver, é o grande espanto aristotélico da phusis: os vivos terem o movimento por si mesmos, katha autôn, as coisas crescerem, de muito pequeninas (a phusis gosta de esconder-se, Heraclito?), os vivos serem frágeis, à vista das rochas que são fortes e não crescem. Não conheço grande coisa além de Platão e Aristóteles, mas é fácil de pensar o alvor do pensamento grego, para nós o alvor do pensamento sem mais, como a fascinação por este crescimento, a misteriosa fecundidade, os genes e as células que a biologia veio enfim a descobrir.
3. Fecundidade, generosidade: contra a lógica medieval e cartesiana (do menos não pode vir o mais), do menos cresce o mais (alimentando-se, claro: a lógica não deixa de o ser). Mas sem se saber como é que as moléculas do alimento, do animal ou planta comidos, se tornam nas nossas próprias moléculas, o espanto impõe-se. Quando se sabe, percebe-se que os outros vivos, primeiro os progenitores, depois os comidos, são condição de cada um que cresce: katha autôn pressupõe katha heterôn. E o espanto é ainda maior, acho que Aristóteles não soube disto.
4. Que o genos, género, tenha dado o ‘geral’, sempre segundo o logos, dá a entender que phusis e logos andaram sempre a par, que o modelo que os Gregos encontraram para pensar o pensamento foi o da geração: na leitura que Derrida fez do pharmakon em Platão, ele mostra como o logos é pensado como o filho do que o pronuncia (enquanto que a escrita, também é filha, mas bastarda, órfã). E também na República (507c-508c) se diz que o Sol é filho do Bem. O que implica que o Eidos do Bem (inteligível) gera, dá à luz, que ele seja o pai do sol (visível), portanto talvez, de forma geral, que os Eidê celestes geram os entes sensíveis (há não sei onde um argumento de Aristóteles contra isto). Todavia, sobre a geração não há senão ‘opinião’ (doxa) e não saber, como sobre a ousia (534a).
5. S. Paulo tem um problema parecido para pensar a ‘potência’ do Messias ressuscitado, em termos de ele ser ‘filho de Deus’, que é o Senhor de toda a potência. O motivo de ‘pai’ atribuído a Deus não existe na Bíblia hebraica, tenho para mim que foi Paulo que o introduziu no novo Testamento, tendo recorrido ao platonismo helenista e ao verbo ‘definir’ na carta aos Romanos (cap. 1, 4).

14/03/2013

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