L.T. : "A invenção da vida, da célula, foi a dum ‘mecanismo’, uma assemblagem de moléculas reunidas a partir dum mar de moléculas equivalentes, uma nova unidade capaz de se reproduzir adentro desse mar de moléculas, que a podem alimentar mas também destruir. " (num dos últimos textos que me enviaste)
Aqui parece-me que a expressão ("a invenção da vida") se articula mais num contexto da tua "filosofia com ciências", para a compreendermos no sentido do processo da manifestação do 'vivo' nas ciências e num pensamento fenomenológico destas, na tua proposta de uma "Nova Fenomenologia", etc. Como se a própria natureza também inventasse. Por outras palavras, como se a invenção fosse estruturante da natureza.
No entanto, quando te referes no contexto de Sócrates, Platão e Aristóteles (Metafísica, 987b), creio que a "invenção da definição" inscreve-se segundo um ponto de vista conceptual, ou se quisermos, na linha dos Universais (Aristóteles), do apofântico, de um Logos, etc.
Há uns tempos perguntei-te se a expressão "invenção de definição" era tua (bLogos, 19). Respondeste que era do Aristóteles. Mas voltei a consultar, e a palavra 'invenção' não vem lá. Portanto, parece-me que há aqui uma reformulação tua, que não deixa de ser bastante interessante. Digamos, como se no zoon echon logon de Aristóteles a invenção também se manifestasse. Como se a 'invenção' fosse estruturante do logos.
Em suma, se é que isto faz questão, como compreender estas duas vertentes: 1. a phusis e a invenção; 2. o logos e a invenção?
06/03/2013
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Peri horismôn
epistêsantos prôtou tên dianoian,
que traduzo assim: o primeiro a ter voltado cientificamente o pensamento para
as definições, ou assim: o primeiro a ter voltado em termos de saber o
pensamento para as definições.
É certo que o termo
‘invenção’ não pertence ao vocabulário filosófico grego.
É diferente de ‘descoberta’, que pressupõe algo até então desconhecido mas
existente que é encontrado (invenire, em latim) e que é o termo habitual em
ciências ; a invenção é mais termo de engenheiros, por exemplo a invenção
do automóvel, e supõe que se trata duma conjunção de elementos que vêm a ter
futuro, a reproduzir-se. Assim o motivo de paradigma de Th. Kuhn, por exemplo,
a Física do Newton, os Princípios matemáticos de filosofia natural, contendo embora descobertas mas o conjunto
releva duma invenção, já que originou um novo movimento científico com maior
alcance, comparando a Galileu e os outros pré-newtonianos.
A dificuldade que porá a noção de invenção aplicar-se à célula, ou à
reprodução sexual, ou a qualquer nova espécie, à ‘natureza’ enquanto evolução,
resulta apenas, quero crer, a supor-se que uma invenção tem que ter um ‘autor’,
como Newton, no exemplo que dei. Mas o do automóvel, ou as invenções da
televisão, computadores, e coisas assim que não têm ‘um’ inventor conhecido, a
própria electricidade desde a invenção da pilha por Volta em 1800, que permitiu
dispor de corrente eléctrica e portanto toda a teorização sobre ela e as
invenções do século XIX, todos estes casos mostram bem que as invenções são
devidas a vários, que acrescentam ao que outros fizeram. O próprio Newton
retomou uma frase medieval para dizer que era um anão aos ombros de gigantes,
os antepassados que o tornaram possível. Se olharmos para o processo de
invenção (cap. 10 do Le Jeu des Sciences) e para o aleatório, os acasos mesmo que o tornam possível, descrevê-lo,
implica mostrar, se possível, como os elementos da conjunção se aliaram uns aos
outros: haja ou não ‘autor’ conhecido!
No caso da ‘definição’, o papel dos três filósofos é bem diferente, na
minha leitura. Sócrates inventou-o por razões de pedagogia ética, digamos, para
que os seus jovens interlocutores consigam definir tal ou tal virtude e,
conseguindo-o por eles próprios, a pratiquem por essa convicção ganha com a definição
da virtude. Platão faz dos ‘definidos’ do mundo da ética alem das virtudes, o
belo, o bem, o justo, e as coisas da razão, a grandeza, a força, e por aí fora,
faz delas as Formas ideais celestes, eternas, contempladas pela alma antes de
nascer num corpo, tendo em seguida acrescentado as outras realidades (mas não o
‘mal’ nem o ‘lixo’, se me não engano). Já deu um passo em relação a Sócrates,
mas raramente define, nunca vi e procurei. Como dirá Aristóteles, ainda se
ocupou apenas de ética e politica, como Sócrates. O Estagirita aplicou-a às
coisas das ciências, zoologia, política (como ‘ciência’), tragédias e outras
obras poéticas, retórica, silogística, e por aí fora, e física e metafísica. O
texto da Poética, o que
conheço melhor, define com muita frequência: pode-se dizer que foi ele quem
‘inventou’ a ‘nossa’ definição, deslocando a de Sócrates e Platão.
Será diferente a 'invenção' da phusis da do logos? Só há definição deste e neste, as da phusis são descobertas pelo logos. 07/03/2013
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