1.
Este primeiro ponto é mais um desabafo.
Sendo eu um leigo nestas coisas de meditações,
gostaria no entanto de assinalar o seguinte relativamente à meditação, não sei
se “espiritual” ou não. Não penso aqui na espiritualidade mística cristã, por
exemplo, mas no budismo Zen (que também não é simplesmente rotulável de
místico, como muitos pensam), que é coisa que te interessa muito pouco ou mesmo
nada. O silêncio no budismo Zen pode dizer-se que é correlativo do chamado “não-pensamento”
ou “pensamento não dual”. Na meditação Zen, os chamados pensamentos, sensações,
percepções, imagens, etc., vão passando. Todavia, o exercício ou prática de
meditação consiste em deixá-los passar, decorrer, digamos assim, ao ponto de,
pelo facto de não lhes resistirmos, quer sejam agradáveis ou não, eles nem
passam nem deixam de passar. Não se trata de indiferença, como quem se demarca.
Mas antes da passagem para um outro estado de consciência, ou da mente, como os
praticantes preferem dizer. Digamos que a meditação sentada e a prática da
respiração (embora a meditação se possa fazer até ao varrer o chão de uma
cozinha, por exemplo, ou no meio da turbamulta de uma grande metrópole) tomam o lugar
de qualquer interferência que possa ainda ocorrer e que contudo já não se
interpõe. Mas também não se opõe uma barreira. Porquê? Porque o exercício meditativo
assimilou a própria passagem das imagens, dos pensamentos, etc. Estes já não
passam nem deixam de passar devido à fluidez da sua passagem, sendo que ainda
possam ser visados, mas já alteradamente. Não se trata de um impasse; mas agora o fluxo já é outro num simplesmente estar-se (sentado, a andar, etc.). O plano do não-pensamento é o plano em que se atinge um certo silêncio nessa prática corporal-respiratória. Nas minhas limitações, diria que o silêncio
meditativo será um pouco isso. Pois pode-se ouvir um pássaro a piar ou um
trovão a ribombar, mas isso já é algo que, na condição que tentei descrever, constitui
de alguma maneira o silêncio.
Acho que temos muito a aprender com certas
vertentes orientais. E elas também não usam conceitos!
2.
Por exemplo, o chamado “ruído fóssil” ou “vibração
cósmica” - de que os cientistas astrofísicos tanto falam – que atravessa o
universo enquanto eco da explosão inicial do Big-Bang não será um silêncio?
3.
Não haverá silêncio no sussurro, rumor ou
murmúrio do il y a de que nos fala
Lévinas a partir da experiência da insónia no silêncio da noite (silenti nocte)? “L’Impossibilité de déchirer l’envahissant,
l’inévitable et l’anonyme bruissement de
l’existence se manifeste en particulier à travers certains moments où le
sommeil se dérobe à nos appels” (cap. "L'insomnie" em De l’Existence à l’Exitant).
4.
Como último ponto que deve mais interessar-te.
Ainda por falar em silêncio, num artigo da Ana
Gerschenfeld sobre neurociências no Público de ontem, 16/07/2014.
"Os bebés treinam mentalmente a fala meses antes de começarem a falar"
Deixo aqui uma passagem.
“Segundo eles [uma equipa de cientistas nos
Estados Unidos], mesmo quando os bebés ainda são incapazes de articular
qualquer palavra, o seu cérebro já está a tentar imitar, mentalmente, os sons
que eles ouvem. E assim fazendo, está a
construir, em silêncio, as bases neuronais motoras que irão possibilitar a
locução pelo bebé, a partir do segundo ano de vida, das palavras da sua língua
mãe. Os resultados foram publicados na edição desta semana da revista Proceedings
of the National Academy of Sciences.” (itálicos nossos)
O que achaste deste artigo? Como o perspectivas
à luz da dupla articulação, sendo que me pareceu que ela foi pouco tida em
conta?
17/07/2014
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FB: os silêncios que quiseres, eu sou miseravelmente ocidental e racional.
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FB: os silêncios que quiseres, eu sou miseravelmente ocidental e racional.
Quanto
a esses ditos cientistas, confesso que acho aquilo bastante primitivo.
Que os bebés estejam atentos a escutar aos 10 0u 11 meses como não aos
7, tudo bem, têm aparelhos para saber isso. Chamar a isso 'ciência', é
como chamar poesia a uma quadra de desgarrada. Que os bebés 'tentem
imitar mentalmente os sons que ouvem', é a fantasia dos tais
'cientistas': como é que sabem? Acham que sim. Provavelmente só ouvem
mais ou melhor do que antes, não vejo que se possa conclUir algo mais.
Gosto da Ana G. mas ela engole muita americanada...
21/07/2014
Mas sobre os orientes não te esqueças que o Heidegger andou a falar com um monge budista...
LT: Concordo contigo, também gosto da
Ana Gerschenfeld. E é muito importante que haja jornais com artigos de
divulgação científica como os dela. E ela às vezes também sabe fazer um pouco
de ironia e é espirituosa com certos assuntos e em certas entrevistas que faz…
24/07/2014
FB: Gosto muito de Ana Gerschenfeld, mas o jornalismo não habilita a
critérios de avaliação epistemológica do que os cientistas proclamam
como ciência.
24/07/2014
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Imagem: Estudo (2002 + -) segundo "Nu com braços ao alto (a pentear-se)" de Georges Roault (1907).
Acrílico sobre tela - 25x33cm - por Luís de Barreiros Tavares
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Imagem: Estudo (2002 + -) segundo "Nu com braços ao alto (a pentear-se)" de Georges Roault (1907).
Acrílico sobre tela - 25x33cm - por Luís de Barreiros Tavares
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